Aquaman (2018) - Crítica


O que você espera que irá encontrar quando for ver Aquaman? Você quer um longa maduro, sombrio e denso, como os Batman de Nolan ou o tom que Snyder tentou estabelecer para o DCverse? Talvez você prefira o teor mais-cômico-menos-dramático empregado com sucesso pela Marvel há uma década? Como o material de divulgação deixa bem claro, a história de origem do rei subaquático do selo é espalhafatosa e orgulhosamente cafona. Os fracassos críticos e econômicos dos filmes idealizados por Snyder não deixaram mais dúvida na mente dos executivos da Warner: diversão é a única alternativa. E ainda mais que em Mulher-Maravilha, a jornada de Arthur Curry ao trono de Atlântida é narrativamente descompromissada com noções de realidade, moldando seu universo como um exercício circense. .

Porém, essa escolha não é sinônimo de tratar o personagem com desleixo. Muito pelo contrário. Se a figura do Aquaman há muitos anos virou referência jocosa em comparação a outros ícones da editora, ao menos agora, é na autoconsciência que o ser encorporado por Jason Momoa se torna o primeiro personagem masculino cinematográfico da DC relevante e capaz de cativar grandes parcelas de público.

Para chegar no resultado da afirmação acima, as quase duas horas e meia de duração da película são bem orquestradas através da visão do criativo e habilidoso James Wan, que aos poucos se desprende do horror puro; o abraço do elenco no absurdismo do mundo vivido e, obviamente, o maravilhoso trabalho da direção de arte na concepção dos reinos submarinos, beneficiados com um orçamento generoso que, por mais inacreditável, soa coerente ao proposto, ao contrário da estética completamente artificial imposta pelo estilo de Snyder. Wan é, como Zack, um autor, e é preciso de uma mente determinada em conferir uma própria assinatura para se desprender de outra, infelizmente fracassada.


Pois não fosse a malfadada aparição em Liga da Justiça, Aquaman poderia ser de fato o início do DCVerse - Mulher-Maravilha, por mais grandioso que seja, ainda carrega muita herança estilística de Snyder, e o resultado de uma produção pós-Aquaman talvez fosse mais pessoal de Jenkins. Momoa compartilha do biotipo brucutu de Henry Cavill e Ben Affleck, mas esbanja um carisma bonachão jamais arranhado pelos dois, que nos convence a confiar e torcer por ele, ao contrário do cinismo engessado de Superman e Batman - quanto mais no piadista deslocado vivido por Wayne em Justice League, numa tentativa vexaminosa de emular a Marvel, submetendo uma leveza incompatível com o exibido em tela.

Completamente inserido no contexto apelativo da existência de heróis e de civilizações subaquáticas evoluídas, James Wan faz aqui o TCC para seu estudo primário de como é a produção de um grande blockbuster de ação na franquia de Velozes e Furiosos, com ambiciosos e fluidos planos que revelam toda a ação, sem os cortes malucos adotados tipicamente no gênero, destacando a coreografia e o belo trabalho gráfico de batalhas dispendiosas e atraentes, como a de Atlanna (Nicole Kidman) contra soldados do rei. Divertidamente, a dinâmica invertida também apresenta grande efeito, quando temos enxertos de uma comédia romântica no arco "road movie" encarado por Arhur e Mera (Amber Heard) em busca do tridente de Atlan. Lembra a tocante cena em que Patrick Wilson evoca um acústico de Elvis no segundo Invocação do Mal, um respiro em meio ao caos. Facilita a tremenda química entre os atores, que mesmo tendo um destino óbvio, nos faz comemorar envergonhadamente seu beijo. Confesso até que meu momento favorito é o que ambos flertam e se descobrem na ilha de Sicília, que também entrega entusiasmadas cenas de perseguição e batalhas.


Porém, o mais impressionante da projeção é sua entrega e veracidade visual, no que tange ao idealismo da Atlântida - e em menor exposição, dos outros reinos -, um mundo estonteante e imaginativo, com detalhes que merecem ser revistos com calma futuramente. Este conjunto de fatores, ao abraçar o cartunesco e cafona, nos permite entender uma certa lógica culposa e irreverente em decisões completamente simplistas e oportunistas do roteiro, que não se cansa de entregar respostas imediatadas e convenientes para causar algum impacto e justificar o andamento da trama de modo preguiçoso. Como nos divertimos imensamente no percurso, são falhas que incomodam menos.

Apesar de todos os heróis que vemos hoje fazendo sucesso nas telas, muitos deles tentaram - e ainda tentam - parecer mais sérios do que realmente são. Como se tivessem vergonha de sua origem. O grande acerto de Aquaman é bradar, gesticular e gravar com dignidade de onde veio, e adotar muitos dos elementos mirabolantes da outra mídia ao bilionário mundo do cinema. Funcionou.

Nota 7.

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