O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos (2018) - Crítica
Tarefa maravilhosa é ser um crítico de cinema. Seu embasamento teórico e prático lhe permite não apenas assistir a um filme, mas experimentá-lo, degustá-lo detalhadamente. É como um sommelier provando um vinho. Se for saboroso, saberá suas características e entender melhor as sensações. Mas há, também, a consequência negativa deste conhecimento. O nível de exigência se eleva, e por vezes uma obra que, costumeiramente poderia e até lhe diverte, se torna vítima dos olhos treinados. Assim, muitas vezes, seus erros eclipsam a satisfação obtida como mero espectador.
E estes aspectos que divergem e botam em conflito a persona crítica com a de um simples cinéfilo me atingiram durante e após a projeção desta nova adaptação do Quebra-nozes, livremente inspirada na história de E. T. A. Hoffmann e o famosíssimo balé de Tchaikovsky - mais na magia do segundo do que nos tons macabros vistos nos contos infantis de Hoffmann, tradicionais em sua época.
Em seus cem minutos, por um lado eu me encantei com a inteligência de Clara (Mackenzie Foy, a Renesmee de Amanhecer, que milagrosamente não é uma criação em CGI). Senti sua dor e lamentei a morte de sua mãe, a quem nem conheci. E ao mesmo tempo ansiei para saber a resposta do enigmático ovo prateado deixado por sua progenitora como presente final, dado na véspera do natal pelo pai, Mr. Stahlbaum (Matthew Macfadyen), com função aparente menos prática do que as lembranças dadas a seus irmãos. É claro, Clara (risos) lembra outras tantas jovens brilhantes e injustiçadas de contos infanto-juvenis, como Hermione, Hiro, Matilda. Mérito de Foy em conquistar a empatia do público com carisma e densidade dramática, mesmo sem um texto inovador por trás.
Mas concomitantemente, faltam camadas a basicamente todas as outras figuras da trama, que resvalam entre a irrelevância e a conveniência. Somente o esforço de se colocar na situação do pai de Clara para entendermos seu lamento e como isso reflete no comportamento por vezes bruto com a prole. Morgan Freeman, no papel do velho sábio, mais parece um mendigo bêbado. Helen Mirren é gatilho para uma reviravolta jogada de supetão, enquanto Keira Knightley parece se divertir como a Fada Doce, mas também sofre com o roteiro preguiçoso e previsível em seu arco.
Igualmente, se o universo fantástico dos Quatro Reinos parece assim mesmo, fantástico, mágico, de uma sincera inspiração na arquitetura russa, percebemos, por fim, que só conhecemos bem um dos reinos. Ou pior, o interior de um palácio. Os ambientes externos, resumidos numa floresta claustrofóbica por névoa e neve, são pouco inventivos para qualquer um que assistiu ao primeiro Nárnia ou viajou pra algum país nórdico no inverno.
Mas acima de todos estes defeitos, o público mais maduro deve lembrar-se que se trata de uma fábula destinada aos pequenos, com uma boa mensagem sobre enfrentar o luto e acreditar em si mesmo, orquestrado com mais competência a outro flop comercial da Disney no ano, Uma Dobra no Tempo, e com uma sensível trilha sonora, que obviamente conta com passagens do trabalho musical do balé original.
O Quebra-Nozes ainda não é uma adaptação que faça jus ao nome e à hipnotizante composição de Tchaikovsky, mas com a beleza técnica possibilitada pelo gigantesco orçamento e uma boa atuação central para nos fazer simpatizar e torcer, é eficiente em nos transportar para o idílico clima natalino da infância, uma fuga de alguns minutos para adultos que já perceberam sua farsa, e uma potencial referência nostálgica aos imberbes.
Nota 6.
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