Logan (2017) - Crítica


A criação de vários dos heróis que hoje comandam a indústria da sétima arte, nos quadrinhos, se deu em cenários inspiradores ou metafóricos, como o Superman, uma guinada no espírito americano contra a década pós-crise 29; a Mulher-Maravilha e o combate à masculinização da mídia; Pantera Negra e a representatividade da cor entre os seres mais poderosos. Independente da editora, costuma haver um contexto na abordagem criativa dos roteiristas que idealizam esses personagens. O dos X-Men, mais amplo a todos, é diretamente relacionado às lutas pelos direitos dos negros, nos Estados Unidos, nos anos 60, mas sem se restringir a somente um assunto, e sim englobar toda matéria de debate contra preconceito possível - não à toa, o líder é um cadeirante.

Mesmo quando saíram das mãos e mentes de Jack Kirby e Stan Lee, as alegorias sociais seguiram enraizadas nas tramas dos mutantes, gerando arcos memoráveis (outros nem tanto), e até hoje as figuras são utilizadas para discutir assuntos contemporâneos - como identidade de Gênero.

O segredo da popularização dos X-Men como conjunto, então, está na ampla gama de personagens relacionáveis com parcelas variadas da população. Não é novidade que a representatividade em outras mídias seja um fator de atratividade para pessoas que, de certa maneira, se veem diferentes e sofram com isso, interiormente ou nas mãos de terceiros. Em suma, os X-Men, apesar de superpoderosos (uma analogia para considerar individualidades mundanas como virtudes, não maldições - tudo de acordo ao modo que a pessoa em si veja e use sua particularidade), são extremamente humanos.

E após quase duas décadas de uma franquia irregular, responsável pelo longa que impulsionou as grandes produções de heróis, mas também vexames estrondosos e estritamente comerciais - sem contar a bagunça que geram na cronologia -, como o Origens Wolverine, que naufragou toda uma proposta da Fox, e o atropelado e novelesco Apocalipse, o mais emblemático dos mutantes ganha sua obra definitiva, e também a mais pessoal de todas estas películas recheadas de efeitos que vimos até hoje: Logan.


Sim, Logan, em tese o final da trilogia solitária do X-24, mas que já busca se diferenciar no título, dando ênfase ao homem por trás do uniforme e do icônico nome. Em 2024, com quase um século e meio de vida, o personagem imortalizado por Hugh Jackman trocou a viralidade selvagem exibida nos outros capítulos da série por uma aparência fadigada, endurecida e melancólica, calejado após tantas batalhas, tantas mortes, tantas perdas, em trabalho impecável do versátil ator.

Sem nunca especificar os detalhes deste futuro, sabemos somente que os mutantes foram quase extintos, restando, até onde sabemos somente o próprio Wolverine, um combalido Professor Xavier, vítima de doença degenerativa que o deixa anestesiado e trancafiado a maior parte do tempo, além de Caliban, que havia feito rápida aparição em Apocalipse, mas só aqui recebe um desenvolvimento destacado.

Muito distante da imponência e elegância dos uniformes e tecnologia vistos quando estudantes do Instituto Xavier, o trio se mistura à paisagem árida e sem vida, buscando passar despercebidos, abandonados e esquecidos pelo mundo, somente lembranças de um passado glorioso, mas nunca unificado. O sonho de Xavier, por final, não se concretizou.

Se é definitivo na amargura com que relata a derrocada dos mutantes por meios escusos, marginalizados da sociedade (ou seja, de algum modo, a supremacia da intolerância, um tema recorrente na arte desde a posse de Trump, triunfou), a temática central da adaptação comandada por James Mangold não busca a reviravolta máxima da decadência, e sim uma chance de redenção e respiro ao caos que é a depressão, pois tanto Xavier quanto Logan demonstram sintomas claros à doença. O Professor, além da impotência desesperadora ao perceber a própria demência e Alzheimer, tem em seus momentos de normalidade as lembranças de algum desastre provocado por ele que causou a morte de inúmeras pessoas e mutantes. Já Logan, o centro da narrativa, adotou o estilo de vida autodestrutivo de quem desistiu de si mesmo, derrotado pelo alcoolismo e com um olhar vazio de desesperança.

Sem ter nada de fato a aguardar senão a própria morte, a chegada de Laura (Dafne Keen, visceral), a X-23 lançada e canonizada oficialmente no desenho Evolution, oferece um novo objetivo à dupla. Xavier rapidamente revela sua natureza empática e exibe mais momentos de lucidez e genuína alegria em se ver novamente útil no papel fraternal que assumiu décadas atrás ao fundar sua escola.


Mas por mais que retenha as melhores intenções, o Professor não possui mais as condições físicas e psicológicas para servir de mentor da criança. Assim, mesmo sendo mais velho que Xavier, Logan enfrenta uma variação mais íntima da jornada do herói, ao perder seu mestre e ter de assumir ele mesmo o fardo, mas também a dádiva da criação. E é somente ao ver seu próprio reflexo animalesco e completamente alienado causar um brutal genocídio, que o veterano do Vietnã percebe que não pode se tornar uma figura apática e passiva, deixando esta outra face sua, indiferente, insensível e brutal, assumir o controle. É o fôlego final para Logan adiar a própria deterioração ao escolher que deixará seu legado em Laura, que compartilha sua origem e poderes, e não um rastro de extermínio desumano.

James Mangold ganha uma segunda chance após o desequilibrado Imortal, e com um roteiro denso e dramático, alia seu talento para filmar a ação crua e bem elaborada já mostrada no longa anterior, mas com muito mais peso visual, quase sempre beneficiado pela fotografia desoladora e cáustica de John Mathieson. Propiciado pelo sucesso comercial de Deadpool, não há economia na intensidade das mortes, nem nos litros jorrados de sangue, inclusive nos épicos combates de X-23, que compensa a baita estatura com uma tremenda agilidade e um espírito primitivo visto no Wolverine do início da saga, sem comprometê-las mesmo com o uso óbvio do CGI (questões físicas, não nítidas ao olho).

Logan abre, assim como feez o primeiro X-Men, dezessete invernos atrás, uma nova oportunidade aos filmes de herói. Oferece uma alternativa estimulante aos cinéfilos saturados pela inofensividade da Marvel ou a perdição narrativa da DC, focando num público maduro com seriedade e consciência de suas abordagens, sem a porra-louquice de Deadpool, mas jamais frustrando os ansiosos por uma boa ação.

Nota 8.

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