The Things I Do For Love - Uma Análise de Jaime Lannister


"So many vows. They make you swear and swear. Defend the king. Obey the king. Obey your father. Protect the innocent. Defend the weak. What if your father despises the king? What If the king massacres the innocent?"

Jaime Lannister foi criado por Martin, e posteriormente bem adaptado para a televisão na escolha de elenco de Nikolaj Coster-Waldau, como um belo engodo. Uma figura de aparências, cujo visual e entonação dispensavam qualquer aprofundamento para se conhecer sua personalidade. A armadura imponente, o sedoso cabelo dourado e as expressões esguias lhe conferiam um ar superior e esbelto, reforçados pelo poderoso e vaidoso sobrenome. "Você deve odiar este cara", parecia dizer cada segundo em tela. Com a narrativa de dividir as famílias num maniqueismo rápido da Season 1, coube aos Lannister o papel do mal, da perfídia e do veneno. Logo ao fim do piloto, como que para desvairar quaisquer duvidas acerca de sua intenção, Jaime, após ser flagrado tendo relações sexuais com sua irmã, o que urge ainda mais o senso de uma eugenia dentro da genética Lannister (prática incomum, mas que como tantos outros momentos da série, Martin tirou de inspirações reais), simplesmente empurra uma criança do parapeito de uma janela no alto de uma torre, com a clara intenção de matá-la, sem a mínima culpa no olhar e no modo como, esnobe, proclama "The Things I Do For Love". Nem chocolates ou flores, mas um assassinato.


É tragicômico que se pense em fazer um texto buscando elogiar um personagem capaz de tal atrocidade. Em quais níveis aceitamos a redenção? A cultura pop provou que não há limites. Darth Vader, Oskar Schindler, Snape, todas figuras que cometeram diversas atrocidades. E mesmo que não fossem números hiperbólicos, provocaram diretamente o pior dos atos: a morte. E Jaime Lannister, como ele mesmo afirma, é responsável por incontáveis mortos. A continuidade deste diálogo, porém, contém o motivo por qual Jaime instiga a simpatia e apoio, não somente o fascínio que se tem por antagonistas interessantes (AKA Cersei e Tywin, irmã/amante e pai do próprio Jaime, respectivamente): ele também carrega consigo a alma de meio milhão de vidas, salvas quando cometeu o ato que lhe rendeu, maliciosamente, toda a má-fama e epíteto de "Kingslayer" e "Oathbreaker".

A mudança começou na terceira temporada, quando seu rosto imaculada e a imponência radiante finalmente são quebradas, iniciando um ciclo de desenvolvimento e mudanças vistas até está última leva de episódios. O monólogo em que Jaime, já sem sua mão direita, que lhe garantiu a fama e orgulho de grande cavaleiro, conta a Brienne os bastidores por trás da morte de Aerys II, o Rei Louco.



A jornada de Jaime posterior ao episódio, é exatamente a construção lenta, cheia de significados e consequências balizadas na própria mitologia da série que fizeram falta nestas duas últimas temporadas, em que os livros de Martin não mais estavam lá para ditar o ritmo certeiro do Jogo dos Tronos.

O personagem guardara, por anos, com rancor, a agressividade e desprezo no olhar e palavras de todos que lhe dirigiam atenção. Os termos depreciativos e de desonra, e a indignação de nobres como Ned Stark, suprassumo da boa índole, perante seus atos, tidos como covardes e egoístas. O monólogo a Brienne serve de libertação ao guerreiro caído, e as lágrimas e os lábios trêmulos, na brilhante encenação de Nicolaj, reforçam a amargura e dureza armazenadas por tantos anos, saindo com dificuldade e arranhando sua gargante, como se cada palavra fosse um bofetão no rosto dos ditos justos que nunca fizeram algo similarmente bom quanto o próprio Jaime, a quem destilam somente veneno e ódio.

Tudo que faltou a Jaime fora alguém para sentar e lhe ouvir, alguém para lhe olhar, ao menos, com neutralidade, e não somente desprezo. E foi isso que Brienne, mesmo que somente conforme a história se desenrolava, fez, e este talvez seja o momento emocionalmente mais íntimo e honesto que Jaime passou em toda sua vida, mesmo que ame incondicionalmente sua perversa irmã, Cersei. E por isto os dois passam a nutrir uma paixão conflituosa entre si, solucionada, infelizmente, de modo preguiçoso e vacilante na oitava temporada, mas não antes de entregar uma das mais belas cenas de todo o show, quando Jaime transforma Brienne em uma cavaleira. Uma amostra reveladora da irregularidade dos roteiros que finalizaram o jogo.


O arco de Jaime é, potencialmente, o que mais sofreu mutações nas oito temporadas. De um mimado odiado a ter sua morte lamentada, não somente por seu irmão (o único que sabia quem Jaime realmente era, e por isto o tratava diferente do resto, não somente por compartilharem o sangue), mas por milhões de telespectadores. Se a série é, acima de tudo, sobre como o homem corrompe o poder, e não o contrário, buscando cegamente mais e mais glória, constituindo um ciclo de tiranismo, Jaime, ainda que subestimado, simboliza o mesmo que Jon Snow: o homem que teve todas as chances de assumir a coroa, mas não o quis, e sim lutar e defender o que acha certo sem tamanha responsabilidade, ou então por reconhecer as seduções perversas que exalam do trono de ferro. Uma metamorfose exposta na própria diferenciação no figurino e estética do personagem, que troca a cabeleira loira e lisa, assim como a esbelta armadura, por um rosto amadurecido e calejado, além da eterna lembrança de seu novo eu na mão de metal.

Ainda com influências claras dos meticulosos livros, então, está o destino de Jaime, bem idealizado, porém escrito rasamente. O futuro e o destino do personagem sempre estiveram nas mãos de Cersei, e ele soube disso. Não foram poucas as frases em que se referiu a irmã e a ele mesmo na terceira pessoa, consciente e sereno na perspectiva de que, como falara Tyrion, o amor é mais forte do que a razão, e a despeito de qualquer que seja a lógica, seu coração sempre esteve a irmã. Até por isso, nos cabe desconsiderar a desfeita que foi o estupro contra ela no seriado, e sim levar em conta a mesma passagem, nos livros, em que o amor é consensual e um conforto que ambos se dão, novamente sozinhos com seu próprio sentimento, impedidos de assumir seus frutos, porém condenados, novamente, e lamentar sua perda.

Isto não quer dizer que não tenha, também, amado Brienne, mas que apenas não pôde sequer pensar em viver com o fantasma de ter abandonado Cersei. Os mesmos princípios que o fizeram virar as costas para a própria rainha e defender sua promessa em combater os white walkers ao lado dos Stark.

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Jaime Lannister foi o grande amaldiçoado de Game of Thrones. Queimou a própria reputação para salvar o povo de Porto Real, uma atitude mais nobre e corajosa que qualquer uma tomada pelo símbolo da paz, Ned Stark - e novamente cito aqui a desfeita dos roteiristas, que antes de sua morte, no diálogo com Tyrion, colocaram palavras de não se importar com inocentes na boca de Nicolaj, concluindo sem consistência um arco que poderia ter sido ainda mais rico. Uma vítima de seu nome e do preconceito, mas também das próprias escolhas e atitudes.

Tudo isto faz de Jaime Lannister o herói mais trágico de Game of Thrones.

 



Um comentário:

  1. No começo da série quando ele empurrou o Bran fiquei meio chocado e não pensava muito dele mas nunca cheguei a criar um degosto pela figura, depois que ele foi preso e passou esse tempo com a Brienne fui começando a gostar do personagem. Olhando pra trás agora e relembrando tudo que fez e passou, como ele é, diria que é um personagem incrível e bastante interessante. Apenas fico um pouco chateado com a conclusão. É como você disse.

    Aliás, fiquei bem alegre quando você falou que ia escrever sobre ele.

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