Detetive Pikachu, entre o deslumbre e a mediocridade - Crítica


Segundo a Wikipédia, Pokémon é a marca de mídia mais rentável da história. Acima de outros gigantes mundiais, como a Marvel, Star Wars, Harry Potter, Disney. Enfim, que qualquer saga super em voga que você pensar aí. É de se entender algum receio em se aceitar o que diz a página, apesar de suas referências (afinal, é a Wikipédia), ainda mais pelo distanciamento que a franquia dos monstros de bolso teve do público brasileiro com a saída da Nintendo de nossas terras, em 2015. Isso, contribuindo ao alto preço dos games e o difícil alcance ao anime, tornaram, lentamente, Pokémon um símbolo de febre decadente e de alcance elitista ao público, ainda com espaço na mídia pela força nostálgica de quem acompanhou o início de Pokémon no Brasil, em 1999, na Record.

Por isso, a chegada de Pokémon Go, mesmo que hoje esteja longe de receber o mesmo furor de sua estreia, serviu para reanimar as pessoas mais leigas ou que haviam simplesmente superado a fase Pokémon em retomar contato com a franquia, o que, obviamente, instigou os executivos da Warner em buscar novos meios de capitalizar a longo prazo - isto é, construir um novo universo para fidelizar uma legião de fãs. A história escolhida para inaugurar o PCU (Pokémon Cinematic Universe) é uma que traz em seu título e capa o nome do mais famoso e icônico dos Pocket Monsters, Pikachu, o que mostra como esta ainda é uma empreitada arriscada; saber como espectadores iriam se comportar nesta transição de mídia. Apesar de ser possível imaginar incontáveis tramas mais interessantes, e com certeza cada indivíduo familiarizado com a Pokedex conseguirá imaginar ao menos um punhado de criaturas que gostaria de ter visto em tela, é uma aposta segura, em estrutura e enredo, buscando claramente estabelecer uma marca antes de diversificar e arriscar caminhos mais ousados - assim como a própria Marvel.

Tim Goodman (Justice Smith) é um pacato e solitário corretor de seguros que, apesar de viver num mundo que teoricamente seria o sonho de muitos, tendo Pokémon em seu cotidiano, se recusa a aceitá-los a seu redor, mantendo uma distância que sugere, desde sempre, um trauma passado para provocar tamanha aversão inexplicada aos fofos e curiosos monstrinhos. Ao saber da morte de seu pai, de quem não mantinha relação há anos, Tim é obrigado a ir para Ryme City, uma metrópole ultra-desenvolvida e planejada para permitir a convivência pacífica entre humanos e Pokémon, idealização do bilionário Howard Clifford (Bill Nighy). Lá, ele se depara com um Pikachu...falante. E não, neste longa, os Pokémon não se comunicam verbalmente, mas sim interpretam o papel de animais comuns - alguns como pets, outros para serviços braçais. Naturalmente, não é mostrado se são usados para alimentação.


E aqui, entra uma reflexão óbvia: num mundo em conflito entre a diversão descompromissada e o politicamente correto, quando a dissonância cognitiva nos deixa duvidosos entre o que é certo, e o que é lacração indevida, como encaixar Pokémon sem ofender ninguém? Pois é fácil enxergar o problema numa série erigida no conceito de colocar animais lutar uns contra os outros. Rinha. Bem, os jogos sempre seguiram indiferentes a isso - e vendendo. Enquanto o anime, que possui mais espaço para trabalhar as personalidades e as relações de humanos e Pokémon, buscou reforçar o elo amistoso que há entre um treinador e seus parceiros, estes que encaram as batalhas como esporte e o fazem por prazer, propondo um maniqueismo  inocente em seu universo, onde o mal perde, e o erro não está em utilizar os bichos para confrontos, e sim qual o intuito destes.

Em Detetive Pikachu, esta mitologia das batalhas está presente timidamente, mais como referências, principalmente no quarto de Tim, e em rápidas cenas. O foco nunca é este, e as curtas lutas servem mais como um fanservice e para quebrar a monotonia da jornada mais "humana" que conduz a trama, afinal, falamos de uma fita chamada de "Detetive Pikachu".

Esta opção narrativa escancara como o foco não é, em nenhum ponto, o público "raiz" dos jogos ou do anime, e sim buscar construir uma nova marca mais abrangente e palpável a públicos menores, sem resumir todos seus esforços em confrontos que poderiam motivar os pequenos a tentar replicar tais cenas com animais. Claro que é superestimar a boa índole dos cabeças de estúdio em pensar ser esta uma opção de bom caráter, e não um medo danado de sofrer com problematizações sociais que já prejudicaram outras filmes - a meta é, novamente, estabelecer algo, para, no futuro, mostrar mais do que a reconciliação familiar de Tim.


Porém, se esta ausência poderia ser frustrante a fãs mais longevos e que sonharam em ver de forma realista um imponente Dragonite contra um formidável Lugia, por exemplo, é justamente o tom de ineditismo e maravilhamento em simplesmente ver em tela e com muitos milhões por trás de cada animação e design que compensa maiores expectativas. Assim, não se anulam os defeitos da simplória e previsível trama, que busca twists reciclados anualmente em Hollywood, mas a sensação de vermos os Pokémon em uma nova mídia com tanto potencial e alcance anima e empolga mais do que o conteúdo em si. E como alguém que está dentro deste mundo há duas décadas, me torno incapaz de encarar a sessão sem a avidez de quem esperou por isto por tanto tempo.

A questão é se a sensação será a mesma para novos adeptos. Se o poder de branding de Pokémon e o carisma (aí o motivo por trás de dar o primeiro passo com o fofucho Pikachu) das criaturas será o suficiente para permitir um universo compartilhado vindouro. Espero que sim. Comemoram os fãs, os novos chegados e, é claro, os executivos.

Nota 7.

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