A Hora e a Vez de Saoirse Ronan - Uma Reflexão Sobre o Estrelato no Cinema


O que compõe um astro? Certamente não é só talento. Nem somente nome ou um rosto. Até sorte. Mais do que tudo isto, o componente inicial, a medula óssea de uma celebridade, é seu carisma. Aquele magnetismo fascinante que atiça as pessoas, provoca reações imediatas e nos faz torcer e gostar deles mesmo sem nenhum motivo. Brad Pitt, Tom Cruise, Leonardo DiCaprio, Johnny Depp. Todos eles fizeram bons e maus filmes na carreira, mas todos eles, além de rostos, são nomes. São aqueles caras que sua mãe vai reconhecer num filme, que não precisam ter seu nome estampado numa capa de revista, pois ela se vende sozinha. Tom Hardy, Viggo Mortensen, Sam Neill, Paul Giamatti, Sam Rockwell; todos estes são, pra mim, grandes atores. Alguns mais, outros menos. Porém, nenhum deles é um astro, um movie star. São rostos conhecidos, mas não símbolos. Todos estiveram em obras famosas, mas nenhum se tornou um ícone. Viggo Mortesen é o cara de Senhor dos Aneis, Sam Neill é o cara de Jurassic Park, Tom Hardy é o Venom, o Mad Max, ou o vilão do Batman. E por aí vai.

O ponto é: somente talento não faz um movie star. É o carisma, aquele brilho próprio que chama atenção e ofusca os outros, contagiante. É aquela pessoa que pode não atuar tão bem, estar sumida tem um tempo, mas que todo mundo conhece, e não digo cinéfilos, digo pessoas comuns. O povão. É por isso que seu primo nunca ouviu falar de atores em ascensão ou figurinhas carimbadas de premiações, como Timothée Chalamet, Ben Mendelsohn, Ryan Gosling, Michelle Williams, Lucas Hedges ou David Thewlis, mas sempre vai lembrar do Eddie Murphy, Owen Wilson, Adam Sandler, o Stallone ou o Vin Diesel. São atores em escalada ou já estabelecidos e consagrados em Hollywood, mas desconhecidos do grande público. Aquele ator que você tem de mostrar foto pra quem conversa lembrar quem é, ou então um grande papel. Já a segunda lista é composta por nomes decadentes e de talento questionável, certamente inferior à maioria mencionada na primeira, mas ainda assim, mais famosos.


Assim, talento não te faz um movie star, mas te ajuda a manter no topo, relevante, uma efígie de gerações. São poucos os que conseguem unir tudo. Os supracitados Pitt, DiCaprio, e acrescentaria Tom Cruise para completar a tríade dos que considero os mais amados de todos, que transcendem qualquer nível social ou intelectual, chamarizes de público, mas também merecedores disto. Os dois primeiros, inclusive, provam como nenhuma franquia é necessária para isto. E mesmo que esteja por trás dos Missão Impossível, Cruise pode ser incluído no que direi a seguir: nomes como estes são a franquia, como defenderia Pauline Kael.

A transição de um bom ator para uma estrela pode nunca acontecer, ou pode ocorrer espontaneamente, após algum hit inesperado, tremenda sorte. Pode ocorrer o contrário, como foi com Murphy e agora parece acontecer com Jennifer Lawrence, cuja ascensão foi tão veloz quanto sua derrocada.

Saoirse Ronan talvez nunca seja uma estrela. Com um nome impronunciável que requere vídeos no youtube com a própria atriz ensinando, em talk shows, a fonética correta; uma carreira indie recheada de longas alternativos e voltados para circuitos mais restritos de cinéfilos, longe de blockbusters e franquias - apesar de ter tentado o papel de Luna Lovegood logo no início de sua trajetória -, é, no momento, impensável um cenário em que ela rivalize, no imaginário popular, com uma Angelina Jolie, Natalie Portman ou Scarlett Johansson. Porém, Saoirse, mesmo que jamais se renda ao mainstream Hollywoodiano, possui algumas cartas na manga, ainda que ela provavelmente nem se importe com isso, para adentrar o primeiro panteão do cinema.


Meryl Streep nunca fez um super-hit cinematográfico. O mais perto disto talvez tenha sido Mamma Mia, qual apesar do papel importante, é coadjuvante, e o sucesso advém referendado pela peça e pelo Abba. Fora isso, são bilheterias que topam, no máximo, a casa dos 300 milhões, como O Diabo Veste Prada e Kramer vs. Kramer. Ela não está no primeiro escalão de Hollywood, nem é garantia de uma mega bilheteria, mas é um nome pesado e respeitado, cuja fama, mais do que a própria cinebiografia, vem de seu impressionante recorde de indicações ao Oscar, além de outras premiações. É um rosto que ganhou um nome pelos méritos da própria virtuose.

Saoirse, 25 anos, foi indicada, na edição 2020 do Oscar, para sua quarta estatueta, terceira por protagonista, por Adoráveis Mulheres, fechando uma segunda metade de década fortíssima, após as indicações por Brooklyn (2016) e Lady Bird (2018), tropeçando na tentativa frustrada de mais uma nomeação no Oscar-bait Duas Rainhas, onde interpreta Mary Stuart. Considerando as datas dos longas qual recebeu tantos louros, um desinformado pode pensar que Saoirse é um fenômeno recente, uma nova espécie de Jennifer Lawrence, que surgiu com tudo em Inverno da Alma e parecia no caminho de se tornar uma das maiores da indústria, mas cujo descrédito chegou impiedosamente após um gerenciamento questionável em papeis pouco chamativos e  nada versáteis ou inspirados.


Porém, Saoirse, apesar de jovem, já possui muito pó Hollywoodiano. A novaiorquina, de ascendência irlandesa, possui, além das três indicações recentes, sua primeira amostra ao mundo do cinema como a adolescente Briony Tallis, em Desejo e Reparação, filmaço de Joe Wright. Aos 11 anos, foi uma das mais jovens nomeadas ao mais prestigiado prêmio da sétima arte, recebendo muita atenção dos estúdios e público e o status de prodígio. Porém, estrelatos precoces são uma grande armadilha, e não raramente atores mirins descambam para a perdição e ostracismo com o passar dos anos, caindo nas drogas ou somente no esquecimento, deixando para trás o resquício de talento que demonstravam, seja por instabilidade emocional, falta de apoio ou simplesmente ter as pessoas erradas cuidando de sua carreira. O caso mais emblemático é o de Macaulay Culkin, mas não faltam jovem valores, inclusive vencedores e indicados aos mais conhecidos prêmios da indústria, que se perderam após a fama repentina, como Edward Furlong, Timothy Hutton, Haley Joel Osment e, em menor grau, mesmo Anna Paquin.

Apesar de não ter sofrido nenhum caso de clara demonstração de danos psicológicos, por algum tempo, a carreira de Saoirse parecia seguir a regra de quem não era assim tão boa quanto parecia. Depois de Atonement, a atriz teve papeis em obras pouco conhecidas, como Atos que Desafiam a Morte e Cidade das Sombras, até de ser escalada no ousado projeto de Peter Jackson, então ainda com muito crédito pela trilogia do Senho dos Anéis, Um Olhar do Paraíso, mas que acabou sendo um rombo de público e crítica. Saoirse se saiu muito bem, apesar disto; porém, ao atrelar seu nome em produções de baixa relevância e resposta dos espectadores, cada vez menos os estúdios teriam motivos para a considerar em papeis importantes, assim como cineastas de valor. Assim, a primeira metade da década de Saoirse, que saia da adolescência aos poucos, contou com passagens descartáveis em longas irrelevantes, como Minha Nova Vida, Violet & Daisy, Caminho da Liberdade e Muppets 2.


A parceria com Joe Wright foi reeditada em Hanna, que tem adquirido status de cult aos poucos, mas à época, teve pouca repercussão, e um pequeno papel na obra-prima de Wes Anderson, O Grande Hotel Budapeste, digno de nomes de baixa requisição no cenário. Os melhores anos da atriz já pareciam deixados para trás, num caso que lembrava muito Dakota Fanning, que não deixou de atuar bem, mas fez carreira no circuito alternativo, longe dos grandes públicos.

O talento de Saoirse seguia visível, como foi perceptível no instigante Byzantium, outro referendado entre cinéfilos. Já a tentativa da irlandesa de brilhar em blockbusters parecia ser um passo tão errado que sepultaria suas tentativas de ascensão, numa escolha que soa desesperada por parte de seus agentes em recolocar seu nome em peso no mercado, na catastrófica adaptação de A Hospedeira, que a despeito de ser da mesma autora de Crepúsculo, passou despercebido, com uma qualidade tão risível quanto a saga de Bella, mas sem o mesmo apelo juvenil. Parecia o fim, aliado ao desastre Lost River, estreia de Ryan Gosling na direção.

Mas aí veio 2015. Parecia somente mais alguns meses iguais aos outros, com o lançamento de Stockholm, Pennsylvania, que eu tenho certeza que você não conhece, pois, basicamente, ninguém viu. Entrou mudo e saiu calado. Saoirse era coadjuvante de alguns poucos projetos de mais mídia e protagonista de películas insignificantes. Sua outra tentativa era um filme chamado Brooklyn, mais uma adaptação de livro de época, de um diretor sem muita experiência, porém com o roteiro de Nick Hornby, previamente indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado por Educação (2009). Tecnicamente, se tratava de mais um filme minúsculo, com pouca gente conhecida envolvida, um orçamento ínfimo e baixa distribuição, sem muito marketing e alarde. Entretanto, foi um raro tiro certeiro da atriz na década, apesar de não fugir muito do tipo de escolhas recentes suas, que não pareciam seguir um critério, e sim o que viesse. Brooklyn fez barulho no circuito alternativo, chamando atenção até chegar com muito vigor na temporada de premiações, elogiado, principalmente, pelo sensível e firme esforço de Saoirse, a agora crescida menininha de Atonement. Brooklyn saiu de mãos vazias na maioria das cerimônias qual esteve presente, mas calcou seu nome lá, principalmente a atriz, que provou que ainda estava com muito combustível, reinventada e com muito talento para contribuir. Voltou ao páreo.


A atriz continuou participando de projetos duvidosos e que não chamaram notoriedade apesar do envolvimento de seu nome, o que ainda sugere um gerenciamento que precisa melhorar na decisão dos papeis que desempenha. No entanto, Brooklyn e o chamariz provocado por ele a levaram até Greta Gerwig, que a escalou para ser seu alter ego no indie Lady Bird, um dos mais elogiados filmes de 2017, que lhe rendeu mais uma nomeação ao Oscar, e o sinal de que estava para ficar, e os golpes anteriores não eram de sorte. É na sucessão de acertos e ao estabelecer seu valor, que os projetos bons, de nomes respeitados, surgem na mesa, e não fitas como The Seagull e On Chesil Beach. Não quer dizer que com o sucesso, Saoirse deva rejeitar o cinema independente, mas somente ter um amálgama melhor de escolhas para se basear e seguir em frente.

Assim, mesmo que Duas Rainhas não tenha surtido o efeito esperado, e tanto ela quanto Margot Robbie, duas novas queridinhas, tenham passado ignoradas (deixando claro que não receber indicações ao Oscar signifique que seja um mau filme, o que não é), já é sinal de que seu nome subiu andares e ela passou a ser considerada para projetos mais ambiciosos, assim como mais robustez para solicitar e se candidatar para papeis de seu agrado, como foi com Adoráveis Mulheres, nova parceria com Greta, qual a própria atriz pediu para interpretar a protagonista Jo.


Estar de volta nos holofotes não fez, obviamente, bem somente para Saoirse, e sim para qualquer fã de cinema, pois comprova o grande talento e brilho interno da agora mulher. Saoirse, e cada novo trabalho seu deixa isso mais claro, domina a tela e sufoca, se necessário, qualquer outra pessoa em tela. Ela possui aquilo que qualquer ator deseja, mas somente alguns poucos atingem, que é uma aura especial, que fascina e hipnotiza. Quando Saoirse fala, todos escutam. Se está em silêncio, todos a observam. A participação em Little Women deixa evidencia isto, pois mesmo dividindo espaço com outras grandes atrizes, inclusive a própria Meryl Streep, é a ela que nosso olhar se direciona. Neste aspecto, ao contracenar com a lendária atriz, é como se observássemos uma passagem de bastão.

Saoirse ainda está rendida a filmes menores, mas seus próximos lançamentos já atestam um rebuscamento; estará no vindouro filme de Wes Anderson, desta vez em uma figura mais central, e no ousado drama de época, uma preferência charmosa dela, Ammonite, em que fará um par romântico com Kate Winslet. Talvez os dois deem errado, pois por melhor direcionada que esteja, é claro que Saoirse ainda tropeçará. A própria Meryl teve "somente" três indicações nos anos 90, assim como várias vezes foi lembrada por longas ruins. Mas aí está a diferença: ela sempre esteve bem, e agora, mesmo filmes menores recebem uma atenção por sua participação. É este caminho que aparece no horizonte de Saoirse: se tornar a própria franquia, a despeito de quem a dirige, escreve, ou qual livro está adaptado lá.


É o caminho dos grandes.

Um comentário: