Na Onda de Parasite - 10 Filmes Para Conhecer o Cinema Asiático
"Cinema não possui fronteiras. É uma fita de sonhos", disse Orson Welles. Já Godard patenteou os seguintes dizeres: "Cinema é a mais bela fraude do mundo".
Ei de discordar. Cinema, ou cinema bem feito, é reflexo, é realidade, é espelho e transformação. Mesmo sendo fictício, expande nossa experiência em vida e, muitas vezes, se funde com a realidade, de modo que seria injusto o rotular como uma fraude.
Ontem, na madrugada do dia 10 de Fevereiro de 2020, ainda noite do dia 9 em Los Angeles, onde foi realizada a cerimônia do Oscar, tivemos a mais histórica e alucinante noite das 92 edições do mais prestigiado evento do cinema mundial. Porém, até então, era mais uma festa do cinema americano, com raros intrusos, mas todos Ocidentais. O cinema globalizado tinha um pequeno espaço numa categoria que dispensa comentários para representar o que era o Oscar, chamada de "Melhor filme estrangeiro", agora rebatizada como internacional, para dispensar um pouco esse tom xenofóbico e excludente.
O longa sul-coreano Parasite, do diretor Bong Joon Ho, revolucionou o sistema ao levar não apenas o primeiro Oscar de seu país na categoria internacional, como também roteiro original, diretor e, espantosamente, para delírio geral, melhor filme. Bong, nome já tarimbado a qualquer cinéfilo do mundo, inclusive já tendo realizado dois releases americanos, Snowpiercer e Okja, calca seu pé na indústria ocidental, e mais do que os próprios louros, atinge um feito que beneficiará e trará enorme significado e visibilidade para o cinema coreano, asiático e em língua anglófona. Como ele mesmo disse, ao derrubar a barreira da linguagem, descobriremos maravilhosos filmes. Somente no futuro teremos a dimensão real do que este feito simbolizou.
Aproveitando a deixa, eu, apaixonado pelo cinema do leste asiático que sou, venho aqui trazer 10 indicações de fitas para quem curtiu Parasite, seja agora ou no futuro, pois é um cinema inventivo, original, criativo e genial nos mais variados gêneros. Deixarei o nome, trailer, breves comentários e sinopse traduzida do Letterboxd. Espero que curtam.
10º All About Lily Chou-Chou - Japão, 2001
"Traça a problemática adolescência dos estudantes Yuichi Hasumi e Shusuke Hoshino, explorando as dinâmicas de poder complexas e instáveis de seu relacionamento no contexto do amor de Yuichi pela música sonhadora e abstrata da estrela pop ficcional, Lily Chou-Chou."
Do mestre Shunji Iwai, artesão da alma humana, surge um coming of age melancólico e brutal que retrata a solidão do amadurecimento de um jovem em um país que reprime individualidades, expressões de sentimentos, criando seres reclusos, oprimidos e socialmente indispostos. Um de meus favoritos de todos os tempos.
09º Em Chamas/Burning - Coreia do Sul, 2018
"O entregador Jongsu está desempregado quando encontra Haemi, uma garota que já morou em seu bairro. Ela pergunta se ele se importaria de cuidar de seu gato enquanto ela estiver viajando pela África. Em seu retorno, ela apresenta a Jongsu um jovem enigmático chamado Ben, que ela conheceu durante sua viagem. E um dia Ben conta a Jongsu sobre seu hobby mais incomum..."
Justamente pelo que mencionei sobre Chou-Chou, num continente que se desenvolveu rápido demais, dando mais atenção a uma educação prática e que estabelece metas desde cedo, ignorando os anseios e sentimentos da população, os artistas locais, desde décadas e décadas atrás, aprenderam a se voltarem para o eu, aperfeiçoando contos sobre a essência humana, suas turbulências e complexidades. Em Chamas é isto, e lembra Parasite pelo retrato de uma sociedade desigual e predatória.
08º Um Elefante Sentado Quieto/An Elephant Sitting Still - China, 2018
"Na cidade do norte da China de Manzhouli, eles dizem que há um elefante que simplesmente se senta e ignora o mundo. Manzhouli torna-se uma obsessão para os protagonistas deste filme, uma almejada fuga da espiral descendente em que eles se encontram."
Um filme longo, extremamente deprimente. O diretor se suicidou ainda antes de seu lançamento, para se terem ideia de seu clima. No entanto, é uma obra-prima, poética e silenciosa, sobre como a modernização tem nos deixado cada vez mais sozinhos e abandonados, desesperados por um senso de união e inclusão, porém incapazes de encontrarmos compatibilidade. Uma sociedade decadente e sem cor.
07º A Vilã/The Villainess - Coreia do Sul, 2017
"Uma jovem é criada como assassina na província de Yanbian, na China. Ela esconde sua identidade e viaja para a Coréia do Sul, onde espera levar uma vida tranquila, mas se envolve com dois homens misteriosos."
Ok, para quebrar esta onda de dicas sobre histórias reais demais, infelizes demais. A Vilã até tem algo a dizer sobre nós, mas o charme do filme é mesmo quando ele esquece os comentários sociais e se foca numa ação crua, extremamente bem coreografada, nos moldes de John Wick, mas de um ponto de vista em primeira pessoa. É de arrepiar. A Coreia do Sul é muito conhecida por seus filmes de temática vingativa, e este é um dos melhores exemplos.
06º Se o Gatos Desaparecessem do Mundo/If Cats Disappeared From the World - Japão, 2016
"Um carteiro descobre que não tem muito tempo para viver devido a uma doença terminal. Um diabo aparece à sua frente e se oferece para prolongar sua vida se ele escolher algo no mundo que irá desaparecer. O homem pensa em seu relacionamento com ex-amigos, ex-amantes, parentes e colegas que ficarão sinceramente tristes quando morrer."
Outro gênero muito familiar no leste asiático é o melodrama, como nossas novelas. Por lá, doramas, como eles pronunciam "drama", pela dificuldade com consoantes, são muito populares e completamente manipulativas. Pra fazer chorar mesmo. Apesar de não ser muito fã do gênero, acho justo deixar a dica aos que curtem algo assim, e escolhi este pela plot insólita e, novamente, ter algo a dizer nas camadas inferiores. Um conto sobre consequências, aprendizado e amor, e também o horror de um mundo sem gatos.
05º Eu Vi o Diabo/I Saw the Devil - Coreia do Sul, 2010
"Kyung-chul é um psicopata perigoso que mata por prazer. Ele cometeu assassinatos em série infernais de maneiras diabólicas que nem se pode imaginar e suas vítimas variam de mulheres jovens a crianças. A polícia o persegue há muito tempo, mas não conseguiu pegá-lo. Um dia, Joo-yeon, filha de um chefe de polícia aposentado, se torna sua presa e é encontrada morta em um estado horrível. Seu noivo Soo-hyun, um agente secreto, decide rastrear o próprio assassino. Ele promete a si mesmo que fará tudo o que estiver ao seu alcance para se vingar de sangue contra o assassino, mesmo que isso signifique que ele próprio deva se tornar um monstro para conseguir esse assassino monstruoso e desumano."
Como achar a beleza na violência, mas sem deixar de retratá-la perversa como é, num épico de vingança que escala em tensão e brutalidade a cada cena, escancarando a hipocrisia e consequências ao espectador. Se fosse um edifício, seria o Empire State. Outro de meus favoritos de todos os tempos.
04º Pais e Filhos/Like Father, Like Son - Japão, 2013
"Ryota Nonomiya é um empresário de sucesso impulsionado por dinheiro. Ele descobre que seu filho biológico foi trocado por outra criança após o nascimento. Ele deve tomar uma decisão que muda sua vida e escolher seu filho verdadeiro ou o garoto que ele criou como seu."
Nada a ver com a canção do Legião Urbana, Koreeda, meu diretor favorito, tem nesta sua magnum opus, apesar de muitos ficarem com Shoplifters (outro grande filme). Em Cannes, levou o prêmio do Júri e foi nomeado à Palma de Ouro. Koreeda é outro artesão da psique humana, porém, mais dedicado e interessado em como colidimos em nossas relações externas, seja com familiares ou amigos. Sua tese está nas disparidades entre gerações, e os conflitos de se lidar entre elas no extenso contato que temos. Acima de tudo, Pais e Filhos é uma narrativa delicada e doce do cotidiano perante uma ruptura da normalidade, mas a aceitação dos laços e do amor como intrínsecos, não produzidos.
03º O Gosto da Vingança/A Bittersweet Life - Coreia do Sul, 2005
"Kim Sun-woo é executor e gerente de um hotel de propriedade de um chefe criminal frio e calculista, Kang, que atribui a Sun-Woo uma tarefa simples enquanto ele estiver viajando a negócios; para esconder sua jovem amante, Heesoo, por medo de que ela o esteja traindo com outro homem mais jovem, com o mandato de que ele deve matar os dois se descobrir o caso deles."
Me pergunto, às vezes, se o fascínio com a violência tem a ver com a formalidade incutida no comportamento dos asiáticos do leste, e como o cinema expressa essa fúria. Porém, descarte o ridículo título brasileiro que o faz parecer um filme genérico do Steven Seagal. Uma vida agridoce é o maior "E se" do cinema, sobre escolhas, arrependimentos e resignação com seu papel. E ao mesmo tempo, uma aula de ação, coreografia e montagem. John Wick, cito sempre ele pois é o referencial do gênero no momento, se criou baseado nos filmes coreanos do nicho, e este veio 7 anos antes. Vale a conferida.
02º A Trilogia da Vingança - Coreia do Sul, 2003 - 2005
A Trilogia da Vingança, de Park Chan Wook, é mais conhecida por seu mais famoso expoente, Oldboy, que recebeu um horrendo remake americano em 2013, mas vale por toda a trilogia, composta por Mr. Vingança (2002), Oldboy (2003) e encerrando em Lady Vingança (2005). Sim, novamente, desta vez de modo bem explícito, as primeiras camadas tratam de vendeta, revenge, mas é óbvio que há muito mais por trás de planos-sequência colossais, fotografia poéticas e muitas cenas de cair o queixo. O diretor é formado em filosofia, vejam só. Os longas não se conectam linearmente, apesar da conexão temática, que serve mais para refletir sobre como a vingança em si não trás nada além de degradação e morte dos executores como humanos em si. Vale demais, em todos os aspectos.
01º Memórias de um Assassino/Memories of Murder - Coreia do Sul, 2003
"1986, Província de Gyunggi. O corpo de uma jovem é brutalmente estuprado e assassinado. Dois meses depois, uma série de estupros e assassinatos começa em circunstâncias semelhantes. E em um país que nunca havia conhecido tais crimes, os sussurros sombrios sobre um assassino em série aumentam. Uma força-tarefa especial é criada na área, com dois detetives locais, Park Doo-Man e Jo Young-Goo, acompanhados por um detetive de Seul, que pediu para ser designado para o caso."
E o topo da lista fica com este que é o segundo filme de Bong, o diretor do Oscar da última noite. O que o seleciona para ser, potencialmente, o melhor segundo filme de qualquer diretor em todos os tempos, a magnum opus de um mestre de obras-primas. Eu nem sei como vender ele, pois fico embasbacado só de pensar. O pai de muita coisa moderna, qualquer filme decente de crime, psicologia, investigação, como Zodíaco. Somente assistam. Também conta com Song Kang-ho, o pai da família pobre de Parasite. Um dos melhores projetos de todos os tempos.
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E é isso, meus queridos e idas. Foi um post dificílimo de se escrever, por ter de filtrar tão poucos exemplos de um cinema tão vasto e rico. Mas que sirva de porta de entrada para um mundo maravilhoso aos fãs de cinema. Deixem dicas nos comentários.
Quanto tempo. Bom texto, hein.
ResponderExcluirVi metade dos citados. Alguns aí não conhecia, vou procurar. Outros já estão na "lista" para ver.
Memórias de um Assassino e Eu Vi o Diabo estão entre meus preferidos. Esse dos "gatos" acho que é a primeira vez que vejo alguém citar. É bem envolvente.
To enrolando pra fazer minha versão rs Mas eu colocaria tb O Hospedeiro (curiosamente de quem? he), que demonstra bem o cinema sul-coreano com sua mistura de gêneros.
Toda a filmografia do Bong merece ser assistida, e pelo menos três são obras-primas. Só não inclui mais para diversificar mais e mostrar o potencial do cinema asiático, então restringi ao meu favorito dele.
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