Digimon Adventure 2020: Episódio 1 - Review


Então, você cresceu assistindo Digimon na Globo, como ferramenta de rivalizar com o estrondoso Pokémon da record, cantando aquela abertura épica e tosca com a Angelica dançando na frente da tela, vibrando com as digievoluções, colecionando os cards de cheetos e quebrando os brinquedos baratos e articulados?

Que bom! Mas agora você tá velho, tá terminando a faculdade ou procurando emprego, com barba, pelos nas axilas, e espero que não seja um nerd boomer que sobrevive de nostalgia, mas ao invés de encontrar prazer nela, a utiliza como um depósito de rancor e saudosismo tóxico, de como corromperam suas lembranças e tudo era melhor antes.

A Toei, dona da maioria dos animes transmitidos por aqui na era de ouro dos animes na tv aberta, sabe como nostalgia vende, e com o sucesso adquirido na saga Tri, decidiu trazer de volta os escolhidos originais para um reboot modernozo da era mais popular da franquia. 


Porém, se um reboot em 2020 busca, obviamente, usar dos rostos mais famosos por trás da marca, eles sabem, também, mesmo direcionando a um público imberbe (é um Kodomo, afinal), que nós, os velhos frustrados que buscam refúgio em obras que nos remetem a memórias mais puras do passado, iremos sempre ter um lugar no kokoro para os personagens que marcaram nossa infância. E é por isso que novas histórias com Pokémon, Sailor Moon, Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball são tão recorrentes, inclusive sobrepujando novos materiais em países Ocidentais muito marcados por determinados títulos, cujo público consumir hoje é composto por muitos que cresceram com tais nomes. Assim, ainda que seja, de fato, um reboot, haverá elementos de fanservice e sutilezas que farão os mais atentos se sentirem orgulhosos de pegarem referências, os famosos "ah, eu entendi", com um sorriso de sabichão.

Espero que este Digimon 2020 não caia na armadilha de se apegar demais ao imaginário das crianças de vinte e um anos atrás, pois seria uma muleta prejudicial à própria franquia, cuja linha temporal se encerrou no longa Last Evolution Kizuna. 

A nova introdução já adota características mais típicas de animações contemporâneas, nas cores fortes, cortes frenéticos e uma animação mais detalhada, normalizadas entre as crianças que assistem TV, e nisto, um elemento clássico da série talvez seja mais compreendido agora, que é seu elo primordial com a tecnologia, elemento basilar na origem e sequência de Digimon que, afinal, se passa num mundo digital. Características que talvez atraiam e conquistem mais as crianças, pois a identificação é algo almejado por qualquer criador de conteúdo. Vai ver, nesta, Izzy (sim, usarei os nomes Ocidentais mesmo assistindo com idioma original) até consiga mais popularidade. Porém, é justamente a distribuição de tela que me preocupa.

El nuevo anime de Digimon muestra su primera imagen promocional

A sinopse do myanimelist cita Tai e somente ele em suas linhas, e o foco quase exclusivo no protagonista, sem sequer menção aos outros que não o próprio nerd e uma aparição cliffhangeriana de Matt, espero, é somente escolha narrativa momentânea, e não sinalização do que será o anime como um todo. 

O trabalho em grupo e os arquétipos diversificados, expostos nos brasões, tão cruciais para a história, são os fortes da história, suas mensagens, conceitos e desenvolvimento. A tão gabada maturidade de Digimon, principal objeto de argumentação pelos fãs para separar a obra da mais infantilizada e, por isto, inferior Pokémon, passa justamente por isto. Fico otimista justamente pelos brasões de Izzy e Tai terem surgido tão precocemente desta vez, o que faz sentido, mas denota uma urgência bem atual mesmo de evoluir narrativas, ávidas por um imediatismo de estímulos incessantes, representados pelo nicho de Digimon como ação, ação e mais ação, por isto a abrupta evolução de Agumon para sua forma campeã, sem maiores delongas e nem a mínima apresentação - algo bem contradizente em um anime de recomeço, visto que é informação impossível a estes. 

Na contramão, é louvável a coragem de desapegar dos temas lendários de abertura e evolução. No entanto, a nova OP é bem esquecível, e espero que não sigam a onda do Tri, de trazer as digievoluções sem uma trilha relacionada, o que exaure todo o aspecto épico e de importância do momento, como se fosse algo comum ou sem espírito. 


Em suma, vejo este piloto como uma introdução célere demais, no pior sentido. Em meus olhos, é impraticável tecer uma análise imparcial, pois já tenho conhecimento sobre a trama e seus pilares. Porém, tenho dúvidas da capacidade de cativar os mais novos com tanta pressa - mas é claro que a juventude preserva bem a exigência e discernimento, de modo que, talvez, ver um dinossauro cuspidor de fogo lutar com uma gosma de tentáculos seja atrativo suficiente. 

No entanto, Digimon nunca foi só isso; somente batalhas, efeitos e pancadaria. A dinâmica humana, seus conflitos, reações de causa e consequência, embaladas na trilha do saudoso e sensacional Takanori Arisawa, sempre foram sólidos e mais críveis que a maioria dos animes para mesma faixa-etária, e deixar isto se perder num reboot tão privilegiado pela tecnologia e contextos atuais, seria um desperdício, uma ofensa.

São, é claro, somente teorias, visto que vinte minutos são muito pouco para se concluir algo. Mas Digimon é recheado de potencial, e usar os personagens clássicos traz um carisma que nenhuma outra temporada conseguiu reproduzir. Que não subestimem seu valor e a perspicácia dos mais novos. 

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