Ip Man 4: The Finale, a Homenagem Final a um Grande Homem - Crítica


Se em algum ponto, houve apego à verossimilhança e sutileza na franquia Ip Man, iniciada lá em 2008, ela foi deixada para trás, progressivamente, nas sequências da inesperada tetralogia, que em nenhum aspecto nega como sua trama fora esticada e as liberdades criativas estimuladas, aproveitando o sucesso inesperado do homem que parece carregar "Mestre de Bruce Lee" como um epíteto. E veja isso como desqualificação ou honraria, acaba por enevoar a individualidade de um homem que, mesmo não tendo sido este herói internacional, teve um papel além de ensinar Lee.

A sombra do filho prodigioso, porém, jamais deixou de perseguir os filmes, a tal ponto que a ambientação temporal do quarto capítulo usa da presença de Bruce como uma estrela efervescendente, causando rebuliços com seus métodos rebeldes em meio ao conservadorismo dos mestres chineses residentes da Chinatown de San Francisco. É um pedido do Dragão o incidente incitante da trama, que convida Ip a vê-lo lutar na terra do Tio Sam (e é claro que Bruce é mostrado em ação, pelo bem do fanservice). A princípio relutante, Ip Man, agora pai viúvo, após descobrir ter câncer agressivo na cabeça e garganta, resolve ir para procurar uma escola melhor a seu filho, com o qual tem extrema dificuldade de relacionar-se.

É claro, entretanto, que a simples busca de Ip não se mostra tão objetiva assim, e é imediato que ele se encontre envolvido em questões patrióticas e xenofóbicas, desafiado por seus conterrâneos, irritados com a presença "desrespeitosa" de Bruce, enquanto observa as relações abusivas que os chineses sofrem nos Estados Unidos, de modo que sua inclusão no problema, como bastião da justiça a qual é erigido por meio destas produções, seja inevitável.


Se Ip Man (o primeiro filme) se apega bastante a fatos da história do mestre, ainda que as romantizações sejam óbvias em prol do entretenimento, o que não é demérito e completamente natural em qualquer cinebiografia de qualquer país, suas sequências descambam para a fantasia e o cartunesco sem muito pudor, e se o segundo capítulo ainda apresentou um contexto sociocultural em ebulição e um conflito de interesses contextualizado e condizente com a realidade, o terceiro se mostrou excessivamente oportunista e sensacionalista em sua discussão moral; repetitivo e exagerado além do próprio exagero.

Ip Man 4 não se mostra arrependido. Porém, assim como a persona serena e resoluta que a figura representa, se mostra muito mais controlado e consciente de seus aspectos artísticos, resgatando o esmero marcial e dramático dos primeiros filmes.

A plot colocar o protagonista nos EUA, obviamente, não é em vão, e sim uma causa irreversível para se exibir a xenofobia constante e pesada sofrida pelos imigrantes dos americanos, e é divertido como ressalta a hipocrisia destes ao não reconhecer a própria origem estrangeira de seu povo. A ideologia nacionalista chinesa é glorificada e intrínseca em seus personagens e ações, mas aí entra um grande e inesperado acerto do roteiro de Tai-lee Chan e Lai-Yin Leung, que é questionar a própria obsessão com que os chineses se apegam às suas raízes, se fechando num bairro que tenta restringir, de certa forma, o diferente. Ip Man serve de mediador, assim, dos radicais de ambos os lados, já que tanto americanos quanto chineses se veem superiores - os asiáticos, ficam indignados ao verem outros povos aprendendo suas artes marciais, e um militar americano é bem claro ao chamar outras raças de inferiores (negros e amarelos).

O que difere Ip Man 4 é o seu contexto, e mais do que nunca, esta retratação se mostra não só coerente, como infelizmente verdadeira, em tempos do crescimento do fascismo da estrema-direita, cujos rostos de Trump e Bolsonaro são portas-bandeiras.


A política de apreensão cultural americana, colonizando e imperializando, por décadas, outros países, forçando seus costumes e tradições a outras nações, limitou por muito tempo o orgulho nacional das vítimas, e o crescimento da economia chinesa, que hoje rivaliza e ameaça a soberania americana, é também visível no mercado cinematográfico, o mais autônomo do mundo fora de Hollywood, cujos líderes de bilheteria são produções locais, o que não se pode dizer de basicamente nenhum país Ocidental, invadidos por títulos americanos. Mesmo que as políticas de fechamento a obras estrangeiras tenham folgado nesta última década, permitindo maior presença de filmes americanos em cinemas chineses (pois fitas estrangeiras são, em suma, somente anglófonas, majoritariamente dos USA), os estúdios e estrelas locais dominam a popularidade no próprio país. E é lamentável ter de se destacar algo tão banal e que deveria ser regra. Ainda que muitas das produções se inspirem na narrativa romântica americana, ao menos é com seus próprios nomes e rostos, até que se busque atingir mais individualidade criativa. Um privilégio que passa cada vez mais longe do Brasil e seu desgoverno imbecil de repressão à cultura.

Assim, Ip Man, em seus breves 100 minutos, possui mais a dizer do que o tempo permite, confluindo tramas e assuntos em demasia para seu próprio ritmo, que ainda encaixa uma quantidade louvável de lutas, todas - ainda bem - maravilhosamente coreografadas por Woo-Ping Yuen, que aqui se aproximam mais dos confrontos sóbrios e críveis dos dois primeiros filmes, que foram coreografados por Sammo Hung. E considerando que, a despeito de suas subcamadas, Ip Man é um longa de ação, conferir credibilidade, inventividade e emoção nas batalhas garante a atenção do espectador e a eficácia de conseguir transmitir suas intenções. Tudo isto com um trabalho também magnífico do elenco, encabeçado pelo grande Donnie Yen, no que ele diz ser seu último projeto de "Kung Fu", que mais do que a técnica absurda de mestre marcial, é um primoroso ator, e encarna o Mestre Ip novamente como um homem íntegro e determinado, que demonstra um grande pesar por ter de usar suas habilidades em condições de humanidade decadente, desejoso por resolver questões de maneiras menos extremas e violentas.


Funcionalmente, Ip Man é um êxito inferior ao início da saga, comparável ao segundo e felizmente superior ao constrangedor terceiro episódio. Uma homenagem cativante de um indivíduo tão importante; uma lembrança merecida do homem por trás da lenda, ou neste caso, da lenda por trás da lenda.

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