O Anti-Escapismo de Harry Potter: As Alegorias Políticas da Série
"A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida", disse Oscar Wilde, autor de "O Retrato de Dorian Gray". E o cinema, especialmente, nomeado como a sétima arte e que une a todas elas, é um dos grandes exemplares disto, visto que em sua curta existência, já mudou os rumos da história. No entanto, é uma relação ambivalente, capaz de causar tanto o bem quanto o mal. O que melhor expressa essa dicotomia é que a maior similaridade entre Hitler e Lênin era justamente a visão em concordância de que o cinema era a ferramente ideal para motivar e influenciar o povo.
Coração Valente, por exemplo, ajudou a instigar o movimento separatista escocês. O buzz ao redor de Selma, um filme baseado num acontecimento real dos anos 60, motivou a criação do #BlackLivesMatter, que teve um impacto sonoro na própria indústria cultural. Filadélfia auxiliou a desdemonizar a homofobia e estigmatização da Aids com pessoas desta orientação sexual. Graças ao documentário Bowling for Columbine, o Kmart parou de vender armas nos EUA. Bambi reduziu a caça a cervos. A máscara de V de Vingança sendo símbolo e presente em lutas contra governos opressores ao redor do globo. Harry Potter mesmo já foi usado como inspiração: "What Dumbledore Would Do?" foi um famoso slogan adotado por estudantes ingleses em protestos no começo da década.
No entanto, igualmente, vemos a repercussão negativa advinda da arte, quando os espectadores levam seu entusiasmo e o transformam em impulsos negativos. Como o sujeito que fez um tiroteio em cinema americano vestido como o Coringa de Heath Ledger. Tubarão ter estigmatizado negativamente as espécies do animal e até diminuído o número de turistas na praia após seu lançamento. Sem contar diversos crimes, menores ou maiores, inspirados em várias obras, como Taxi Driver, Assassinos por Natureza, Psicopata Americano...
Cinema é magia e fazer cinema, um dom. E como todo dom, naturalmente, pode ser usado de modo benéfico ou maléfico. Assim, voltando a Lênin e Hitler, ambos fortificaram o cinema nacional, e o primeiro viu surgir mestres como Sergei Eisenstein, um dos nomes mais importantes da sétima arte e até hoje pilar essencial a estudantes de cinema. Mais pra frente, infelizmente, conforme Stalin desvirtuava o ideal socialista, o estado passou a repreender as mentes criativas, o que levou a debandada de cineastas, bem como mitigou a produção. Esta segunda fase já esteve presente desde o início do império nazista, que teve como principal estandarte Leni Riefenstahl, que é creditada por todo teórico de cinema como uma profissional talentosa, mas amordaçada por filmes propagandistas e tendenciosos.
Acima de tudo, entretanto, cinema é política. Tudo é política, mesmo que inconscientemente. O site Jbox postou, recentemente, um excelente texto em que discute o assunto, retórica feita após rolar uma briga entre o fandom de tokusatsus no Brasil sobre politizar ou não produtos considerados de entretenimento. A meu ver, a discussão mais infrutífera e inútil do mundo, mais ou menos como questionar a existência ou não de folhas em uma árvore saudável.
Toda obra é criação de uma mente, vulnerável a sentimentos e opiniões, nascida e desenvolvida dentro de um cenário que, vejam bem, sempre foi e será político. Esta pessoa foi exposta a um ambiente com um sistema político em regência, estudou outros e teve contato com outros entes, discutiu com estes, também criaturas políticas, com suas próprias observações e pensamentos. Um criador de conteúdo, seja ele um diretor, um escritor ou um youtuber, é, em tese, uma mente pensante, por mais que alguns pareçam refutar este fato, e colocará em ação tudo aquilo em que acredita ou teve contato. Como supracitado, este processo pode não ser tão ativo, tão racional assim. Mas acontece.
Certos arquétipos de personagens, bem como estruturas narrativas, estão bem inseridas em nossa sociedade, tanto que quando Joseph Campbell verbalizou o termo "Mito do Herói", ele somente deu nome a um tipo de história já estabelecido em nossa sociedade há milênios, desde os contos bíblicos. E esta estrutura é amplamente utilizada tanto no cinema quanto na literatura, nas artes ocidentais ou orientais, justamente pela forte reação e aceitação que costumam provocar no público. As principais sagas modernas se utilizaram dela como esqueleto de suas narrativas. Star Wars, Senhor dos Anéis e Harry Potter se passam em mundos distintos, em épocas e com personagens diferentes, mas apresentam a similaridade temática descrita por Campbell.
Em suma, a luta é sempre do bem contra o mal. Porém, a subjetividade surge conforme o autor constrói sua trama, e aí adentram todas suas questões estritamente pessoais, como as referências, que podem ser diferentes de outro, assim como sua visão de mundo, esta que é sempre particular, pois cada um tem seu cérebro, suas interpretações, e o que um vê e entende, pode não ser o que alguém do lado sentiu. Desta forma, tanto Frodo e a Sociedade do Anel, quanto Luke e a Aliança Rebelde, se posicionam contra as forças malignas, que sempre representam um posicionamento autoritário totalitarista, de censura e controle através do medo, reprimindo discordâncias através da violência. Isto é política.
E, obviamente, Harry Potter faz parte desta equação. Não é um simples confronto maniqueísta, e sim uma mensagem política das crenças de quem a criou, J.K. Rowling, que também deixou isto claro em várias entrevistas, como ao dizer: "Eu queria que Harry deixasse o nosso mundo e encontrasse exatamente os mesmos problemas no mundo mágico. Então você tem imposição hierárquica, intolerância, a noção de puridade (...). Pessoas gostam de se considerarem superiores (...). Eu acho que você pode ver no Ministério da Magia ainda antes de ser tomado (pelos Comensais), que há paralelos com regimes que todos conhecemos. Você deveria questionar autoridade e você não deveria assumir que o establishment ou a mídia contam toda a verdade."
Uso esta última frase, inclusive, para discutir também sobre como a interpretação é extremamente subjetiva, e que duas pessoas podem chegar a conclusões bastante antagônicas em relação ao mesmo assunto. No Brasil 2020, Bolsonaro se diz anti-establishment e vive desdenhando da chamada "grande mídia". Alguém poderia, então, interpretar que a criadora de Harry Potter compartilha da visão de nosso atual despresidente em voga. Porém, uma visão minimamente acurada e menos cega de ódio enxerga as alegorias presentes justamente contrárias ao preconceito pregado por nosso tocador de gado em Brasília, pois como os já mencionados Star Wars e Senhor dos Anéis, as lutas são contra o extremismo, combatendo ideologias que expressam os ideais da extrema-direita, justamente o espectro político de Bolsonaro. Uma oposição que o pessoal das artes, dito de humanas, costumam sempre apoiar.
É curioso que, durante a pesquisa para este post, eu achei textos escritos durante as duas últimas décadas que defendem visões bem diferentes sobre a série. Alguns reforçando como sua mensagem é anárquica, anti-estado, conservadora, de esquerda...Enfim, uma infinidade de pensamentos opostos e que em quase nada se complementam. Uma constatação do que disse. O que eu entendi sobre Harry Potter pode não ser o mesmo que você, e talvez nem a que J.K. direcionou certas metáforas, e nada impede ninguém de projetar suas impressões. Portanto, este enorme texto, como qualquer outro, está repleto de minhas parcialidades (pois não existe crítica, artigo ou livro imparcial).
Assim como toda obra, Harry Potter é um produto de seu tempo. E como seu lançamento se deu no curso de uma década, a visão de mundo de Rowling mudou e evoluiu, como as entrelinhas dos livros, seus personagens e situações. É um dos grandes prazeres de se conferir um coming-of-age que abraça vários anos do crescimento tanto de seus personagens, como da autora.
Uma das diferenças mais óbvias dos dois primeiros Harry Potters em relação ao restante da saga está em seu tom, que no cinema foram lealmente adaptados por Chris Columbus, por si só um cineasta mais experiente em contos do ponto de vista de crianças e adolescentes. Harry saiu de um mundo qual era oprimido, judiado por seus tios e primo, para um universo de encanto e magia. A travessia de barco pelo Lago Negro, com a vista imponente e iluminada do Castelo de Hogwarts, é a passagem entre a umidade e restrição do armário sob a escada dos trouxas, para a liberdade e alegria em Hogwarts. Só que isto dura pouco.
Ainda que as ameaças sejam constantes e a presença de Voldemort já anunciada em Pedra Filosofal e Câmara Secreta, a história nos dá tempo de curtir um bom jogo de quadribol e as variadas e fascinantes aulas em Hogwarts. Muitas destas opções se dão pela necessidade de se estabelecer corretamente os elementos constituintes daquele universo, bem como cativar o público para fisgá-lo a ouvir toda sua dramaturgia. Mas também, porque o cotidiano ainda existia e era possível. O mal, presente, mas não tão palpável, considerado passado. No entanto, como diz o ditado: "A história sempre se repete", e ela há de se restaurar, e no tempo de uma geração, tudo se revira.
Uma das críticas mais contundentes sobre a ascensão de Voldemort está em como o povo (o mágico, é claro) é ignorado na equação. Com exceção das famílias tradicionais mostradas, não sabemos exatamente como parte da comunidade mágica se pronuncia e posiciona sobre. Se há uma parcela apoiadora, mesmo que o curto espaço entre a queda e volta permita que a maioria dos envolvidos do passado ainda esteja viva e com boa memória. É uma lacuna importante justamente pelo poder do povo na chegada, não tanto na permanência, do poder em voga. Ditaduras, quando instauradas, se voltam contra a nação, a censuram e agridem, mas muitas vezes, dependem dela para atingir o pináculo. Essa questão está sendo melhor trabalhada com Grindelwald nos filmes de Animais Fantásticos, como mostrado no segundo longa da série, em que o bruxo discursa e convence pessoas comuns, as incitando contra as forças da lei e trouxas, a quem acusa de esconderem a verdade e controlarem os cidadãos com injustiça e causando guerras. O que abstém Voldemort disso, imagino, é justamente o poder que possui, menos do que o discurso que angariou tantos voluntários, tanto por admiração quanto por medo, de Grindelwald.
Enfim, voltando à ideia inicial, por mais que o mal, ou a ideologia perniciosa da extrema-direita sempre esteja lá, ela ainda parece inalcançável ou deixada para trás. Isto até que, na surdina e camuflada pela própria sensação de segurança de uma sociedade tranquila, ela emerge triunfante e novamente preparada para mais destruição. Considerando isto, é possível dividir Harry Potter em duas fases: Pré-Voldemort e Pós-Voldemort, assim separando a saga em duas partes de quatro filmes. Entretanto, os próprios Prisioneiro de Azkaban e Cálice de Fogo possuem, estrutural e esteticamente, muito mais em comum com a atmosfera obscura e temerosa dos quatro episódios finais. A constante é a escalada que cada filme dá, incorporando bem todos os episódios, ainda que brevemente, do início e ascensão de uma personificação ditatorial através de Voldemort, assim como eram Sauron e Palpatine.
Porém, desde o embrião, os elementos que irão posteriormente se expandir, estão calcados. A começar pela própria subversão que Dumbledore confere a Hogwarts, uma instituição secular que carrega toda a imagem e rigidez de internatos católicos pouco flexíveis e que demandam excesso de disciplina e autoridade, mas que no fim recompensa atos rebeldes, mas bem-intencionados, acima do considerado legal. É assim que Dumbledore, com todo um viés de favoritismo e protagonismo, brinda a Grifinória como vencedora das taças das casas contra a Sonserina de Malfoy. Vale lembrar que ele fez o mesmo com Newt em Animais Fantásticos, estimulando e dizendo admirar como Scamander segue o que acha correto, e não somente leis.
Acima de tudo, é uma afronta ao conservadorismo, a antítese do progressismo presente na franquia. E é isto que infla os jovens a lutarem pela liberdade e seus direitos. São eles que mudam o mundo.
Outro exemplo está nas representações fluidas de gênero que não são devidamente expostas nos livros, muito pelo tempo em que foram escritos, já que mesmo sendo deste milênio em sua maioria, há uma disparidade enorme da conscientização que tínhamos entre 2000 e 2007 e a que vemos a partir da segunda metade desta década (2015-). E se Rowling só assumiu Dumbledore homossexual após ter publicado todos os livros, isso diz mais sobre a época e a repressão muitas vezes enfrentada por mais ousadia literária do que da escritora (que sim, posteriormente se passou nas novas informações dadas, mas não ali). Vale lembrar que a britânica atenuou seu próprio nome para não expor seu sexo nas primeiras tiragens da Pedra, temendo afetar a popularidade destes por isso.
As temáticas abordadas por Rowling se concentram mais no âmbito ideológico e generalizado do que no individual. Mas ele está lá. O feminismo de Hermione é crescente, e sua não nomeação não o torna enfraquecido, e sim articulado além da mera exposição ou militância propagandista. Está inserido nos simples fatos e ações da personagem, sua força, determinação e inteligência. É ela, por exemplo, que inicia a revolução pela libertação dos elfos-domésticos, alegoria clara à escravidão, em suas variadas formas, até os dias de hoje. Trabalho que acaba sendo encerrado somente fora dos livros, no futuro de Mione dentro do Ministério da Magia, mas que já deixa marcas no que é escrito. O lema de Dobby, por instância, é lembrar a todos que é um elfo livre, como ele orgulhosamente brada contra Bellatrix, na Mansão Malfoy, em cena de Relíquias da Morte.
O alicerce principal, entretanto, que permeia toda a série, está mesmo no combate contra o fascismo (e como alguém conseguiu tecer Harry Potter como uma trama conservadora, apesar de suas falhas, não compreendo). Norberto Bobbio, filósofo italiano, diferenciou a extrema-esquerda da extrema-direita através de suas ações. Se ambos são sistemas ditatoriais e que compartilham a censura e a violência para reger o estado, as fazem com objetivos diferentes. Enquanto a extrema-esquerda visa extinguir a desigualdade social (no entanto, ao apelar ao extremismo, corrompendo a própria ideologia ao oprimir o povo trabalhador, a força motriz da esquerda), a extrema-direita já parte de princípios excludentes e perversos, assumindo a desigualdade como inerente e em favor do individualismo, onde a competitividade pretere a proteção social e coletiva.
Assim, Voldemort, um genocida lunático, psicopata raiz e megalomaníaco, até compartilha tais características com ditadores de doutrinas opostas, como Stalin e Hitler, usados por Rowling como inspiração ao vilão. No entanto, no que tange sua ideologia e princípios, o que Voldemort defende está mais estritamente ligado ao nazismo, e por consequência, na família do fascismo. O grande divisor da escala social do Voldemortismo, como chamaremos sua filosofia, é a separação dos seres de acordo com sua nascença, análogo ao eugenismo nazista. Só que ao invés de arianos e judeus, a pirâmide é composta por, do pico à base: bruxos puros, mestiços, nascidos trouxa e, na rabeira, os desafortunados trouxas. O raio na testa de Harry também fomenta esta visão, já que é similar ao símbolo da SS, principal patrulha militar do Terceiro Reich. É a marca indireta de Voldemort, ele mesmo um racista negador da própria origem como mestiço.
Todo vilão se acha mocinho, acha estar certo. Naturalmente, Voldemort sabe que não é bondoso, mas que está restituindo uma ordem correta e natural. Que alguns são maiores, melhores e mais merecedores do que outros. E que o poder e a força ditam quem está no topo. O objetivo maior de qualquer um é o poder. Mesmo do comunismo, é o poder do povo. Em âmbito individual e com métodos egoístas e egocêntricos, Voldemort somente pratica uma variação desta, sem nenhum escrúpulo ou sentimento. Ele se acha merecedor de tudo e vê como desrespeito e indignante que não seja reconhecido como líder supremo apenas por ser quem é, como é.
Outro importante fator espelhado na realidade e inserido na série é o papel do Ministério na Magia no surgimento de Voldemort. Se não essencialmente mal, o negacionismo e covardice de Fudge exercem danos imprescindíveis para que as forças das trevas se perpetuem e prosperem. O personagem, novamente, é uma inspiração que remete ao período da Segunda Guerra.
Neville Chamberlain foi primeiro ministro inglês de 1937 a 1940. Ele tentou fugir da guerra com a Alemanha e ridicularizou Churchill como um "promotor de guerra". Ele usou o jornal do governo para atacar e desacreditar Churchill, assim como tranquilizar a nação. A história é sabida e Churchill estava correto. Assim como Chamberlain, Fudge negou até o último minuto que Voldemort havia voltado, fazendo questão de refutar os argumentos de Harry e Dumbledore, creditando a morte de Cedrico a um "acidente" e quase levando o garoto à expulsão de Hogwarts. O poder do principal meio de comunicação bruxo em espalhar mentiras ou, no mínimo, esconder a verdade, acoberta a realidade, e como diz o ditado, "Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor". Assim, Fudge deixou seu próprio povo despreparado e vulnerável para a ascensão de Voldemort.
A mídia, naturalmente, pode ser usada por ambos os lados, e a visão de Rowling, assim como a minha, não é atacar os jornalistas, meios essenciais de se chegar na verdade. E é por isso que Bolsonaro faz questão de diminuir os meios de comunicação, enquanto espalha e inventa uma própria realidade que o beneficie. É por isto que ao assumir o poder, os Comensais rapidamente tomam o Ministério e o Profeta Diário, assim moldando a opinião pública contra Harry e os ditos rebeldes, e silenciando O Pasquim de Xenofílio Lovegood, o principal porta-voz contrário. É o mecanismo do totalitarismo, censurando qualquer opinião adversa. O controle é interno. Tudo está normal, até que não esteja mais.
E como tudo é política, assim como cada um tem sua própria visão de mundo, os próprios diretores da série trouxeram sua roupagem aos capítulos que dirigiram. Enquanto Rowling mencionou Stalin e Hitler como inspirações para Voldemort, Alfonso Cuarón possui outros referenciais. O mexicano disse: "Voldemort parece uma mescla de George Bush e Saddam Hussein. Eles possuem interesses egoístas e estão apaixonados pelo poder. Há também desprezo pelo meio-ambiente. Um amor por manipular as pessoas. Eu li os livros quatro e cinco, e Fudge é similar a Tony Blair (Primeiro Ministro na gestão 97-2007). Ele é o político máximo. Está em negação sobre muitas coisas. E tudo visa salvar a ele mesmo, seu poder. A forma como a questão do Iraque foi resolvida não é tão diferente de como Fudge lidou com os assuntos no quarto livro (retorno de Voldemort)."
Se é pessimista na ressurgência do pensamento maligno através das eras (e em pouquíssimo espaço de tempo, como vemos na troca de Grindelwald para Voldemort, e no retorno deste mesmo), J.K. aflora o otimismo nas figuras de Draco Malfoy e Duda Dursley. Doutrinados em um ambiente hostil que os confere um comportamento copiado das referências paternas, ambos crescem praticando bullying. São mimados, covardes e cheios de vícios. Se no começo isto é até retratado como alívio cômico, é percebível no amadurecimento dos dois um arrependimento e mudança do que aprenderam a ser, questionando o status quo de suas famílias. Duda, num momento sensível erradamente cortado de Relíquias da Morte Parte 1, se despede de Harry mostrando uma camaradagem de quem tem vergonha de tudo que fez. Draco, igualmente, é a visão de como uma teoria difere da prática. Quando finalmente consegue se tornar um Comensal e viver sob o domínio de Voldemort, ele percebe a toxicidade e insegurança que sente, bem como o abuso sofrido por sua família. Ele se ressente
de seu pai bajulador e submisso. Draco não se torna amigo de Harry, mas no epílogo, quando ambos, que tanto encrencaram na escola, trocam acenos, a escolha de Draco é expressa na sutileza do ato. Ou seja, o ambiente não nos define. Como disse Dumbledore: "São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades."
Vago em algumas vertentes, omisso em outras, porém, sempre político, e muitas vezes certeiro. Este é Harry Potter. Um exemplar notório, pulsante e vibrante contra o fascismo. Seja sua visão mais esquerdista ou liberal, o inimigo do autoritarismo é único e ambíguo, mas letal. Em nossa sociedade dividida e deteriorada por um governo radical e bestial, a saga que amamos nos dá a lição desde cedo e, como tantas outras célebres da fantasia, liga o alerta de onde está o perigo.
Ainda não é tarde. Ainda.
Referências não linkadas no texto:
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