A Morte do Autor: J.K. Rowling não merece nem representa mais Harry Potter


Joanne K. Rowling, 54 anos, nascida em 31 de Julho de 1965, no condado de Yate, Inglaterra, Reino Unido, não representa, nem merece estar associada, principalmente neste momento, à saga multimídia de Harry Potter, qual foi a idealizadora original. 

"Como assim a escritora de Harry Potter não pode mais ser associada a Harry Potter?" Pergunta o leitor incauto. Eu respondo: pois chegou a hora de impormos a ela algo que a própria Jô deveria ter feito há anos: a morte do autor. 

Calma. Apesar de levar o termo morte, o conceito não é nenhuma defesa à agressões físicas, violência ou barbáries. Descrito pela primeira vez apenas dois anos após o nascimento de Rowling, em 1967, por Roland Barthes, um intelectual francês, "A Morte do Autor", em simples termos, pois não é essa a intenção do post, transfere do autor ao leitor o papel de imperador da obra em si; mestre dos seus significados; monarca de suas interpretações. A partir do momento em que exposto para o público, o criador perde o domínio de seu produto, a não ser sua própria interpretação. Isso permite alguns absurdos, é claro, mas confere uma subjetividade legítima a qualquer espécime cultural, já que podemos expandir a teoria além de livros, como filmes e jogos. 

Pois bem, J.K. Rowling é uma das mais célebres desrespeitosas à Morte do Autor. Desde o lançamento do final da série literária, em 2007, a britânica se mostrou completamente incapaz de desapegar de sua criação. O que começou até bonitinho, com a revelação de um Dumbledore homossexual, a despeito de nenhuma menção ou sugestão disto no conteúdo principal (o que relevamos pela época de seu lançamento, em que a cultura Woke ainda era incipiente, e a própria Joanne teve de esconder seu sexo para evitar prejuízos de vendas nas primeiras tiragens), rapidamente escalou desastrosamente.

Se a nossa avidez por material inédito após o fim da amada franquia perdoou os primeiro excessos, passados 13 anos do "Tudo estava bem", o comportamento exagerado da autora já se tornou uma piada entre os fãs, visto sua necessidade pungente de se manter relevante e tentar engajar mais Harry Potter no mundo contemporâneo. Sem nenhum critério, ela parece despejar qualquer novo pensamento no Pottermore ou no twitter que limite a imaginação dos leitores. A expansão do universo mágico para outros continentes foi bacana, ok. Mas termina aí. Depois ela veio com o futuro dos personagens, até o que os bruxos faziam com suas fezes, a pronúncia correta de Voldemort, que a escola recebia bem alunos da comunidade LGBTQ+ e até a nacionalidade do Fofo. 

Mulher, sossega!

J.K. é a escritora mais popular e influente da atualidade, e isto tudo sem ter feito nada relevante nem decente desde Harry Potter. Talvez ela nunca mais escreva nada minimamente bacana. Infelizmente é uma constante em artistas, e aí acabam se apegando excessivamente no seu fruto principal. Mas uma coisa seria escrever novos livros (o que tantos pediram, mas agora provavelmente temem), outra é sair jogando informações atiradas por aí e obviamente forçadas para preencher uma lacuna que todo mundo entende e respeita. Ninguém deixou, eu suponho, de amar Harry Potter por não fazer uma analogia direta a homossexuais. Seria melhor com? Sim. Assim como tantas outras representações. O tempo em que a obra foi feita explica muitas das omissões. O machismo do mercado editorial, outras. E algumas são somente falta de percepção e reflexão da autora. Ninguém, ninguém consegue ser consciente de tudo. Basta, no entanto, querer aprender e não prejudicar quem luta por uma causa que você não faz parte. O tom e as temáticas inclusivas dos livros deixam implícito já que se torna de um universo socialmente liberal e receptivo a diferenças. 

Harry Potter And The Order Of The Phoenix GIF - Find & Share on GIPHY

No entanto, mesmo sem tanta representatividade, Jô parece ter deixado passar, ou então ficado insatisfeita, em como Harry Potter se tornou um símbolo do progressismo, um dos alicerces culturais que apoiam a juventude de variadas camadas, classes e identidades de gênero na luta do inimigo comum do autoritarismo. Contra os Voldemorts do dia-a-dia. 

O serviço da autora já está prestado. Seu legado, garantido. Ela não precisaria dizer nada, pois sua obra, suas palavras, dizem tudo. É somente natural que tenha se posicionado contra o Brexit e Trump, que representam justamente o autoritarismo excludente que os bruxos puros seguidores de Voldemort e Grindelwald adotaram como ideologia. 

Toda boa obra é produto de seu tempo, e Harry Potter é um dos pais da Woke Culture que cresceu nesta década. Ao invés de se dar por satisfeita com isto, entretanto, Jô seguiu impondo suas novas revelações rotineiramente. Ao menos, ainda que abusivas com a liberdade do leitor, elas era bem-intencionadas.

No entanto, surge a voz do Comissário Gordon: "Ou você morre como herói, ou vive o suficiente para se tornar um vilão."

A primeira vez que Rowling deixou cair a máscara foi ano passado, ao defender uma mulher que fora demitida por promover descriminação com trans no trabalho. A autora foi, então, alvo de críticas, mas perdoada pela piedade do tempo. Algum benefício foi dado pelo benefício da ignorância. 

Emma Watson mostra apoio à comunidade trans - Dentro do Meio

Agora, entretanto, ela tornou impossível a conceder mais álibis, mais passadas de pano, ao novamente defender uma visão discriminatória, adotando uma postura de feminismo radical, que somente desprestigia o próprio movimento. O alvo, novamente, foi a comunidade trans. É impressionante, em seus tweets, como fica evidente o quão correta ela se assume em sua arrogância, ainda cometendo o ultraje de dizer que defenderia os trans "SE" eles sofressem preconceito por sua natureza. 

O assunto de identidade de gênero é complexa. Eu mesmo só fui aprender algumas denominações recentemente. Mas como eu disse lá em cima: não saber algo não é uma opção, mas manter a ignorância é. E o preconceito, também. Eu não sou mulher nem trans para ter propriedade de fala. Mas se eu me senti ofendido, imagina quem faz parte da comunidade, se ver deslegitimado pela autora que amam?

Jô já foi ignorante ou inocente antes, porém bem-intencionada, como quando nomeou a única asiática de Harry Potter como "Cho Chang", um nome inexistente baseado em estereótipos linguísticos. Ou ao nomear um lobisomem como "Lupin". Nós entendemos que os livros adquiriram uma dimensão estratosférica e que ela tentou o melhor ali para incluir mais representatividade através de personagens e alegorias (a licantropia como analogia à AIDS). Um perdão facilmente concedido, já que ela se mostrara disposta a aprender e certamente do lado do progressismo e pautas pela igualdade social. Mas isso mudou. 

dumbledore-choices.gif (mit Bildern) | Vamps, Flims
São nossas escolhas que revelam quem realmente somos, não nossas habilidades.

Agora, ela escolheu o caminho justamente contrário ao que tanto defendeu. Às mensagens que incutiu em seus livros. Mais do que nunca, Jô se aproximou de Voldemort.

Talvez novos termos precisam ser criados para englobar melhor cada indivíduo sem soar ofensivo e excludente. Mas o caminho sempre é o de respeito e aprendizado. E ao insistir no próprio raciocínio, tão hostil por traz das polidas palavras, Jô somente endossou a discriminação e reforçou um pensamento rivalista entre duas comunidades que buscam ver sua existência mais dignificada. 

Neste momento, com este pensamento, Jô não representa mais Harry Potter. 

Não representa a luta de Hermione contra o fim da escravidão, com a F.A.L.E. 
Não representa a aceitação de Lupin de sua doença debilitante e marginalizada.
Não representa o combate ao racismo genético e pela igualdade. 
Não representa a resistência ao autoritarismo que busca escravizar qualquer um que não se adeque aos padrões genéticos "tradicionais" e conservadores. 

Mesmo que não ache, Jô, neste ato, representou Lúcio Malfoy, Voldemort, Grindelwald e os Comensais da Morte. Rowling vestiu o capuz. 

No entanto, seus livros trazem um último ensinamento. Caberá a ela escolher como retornar. Se escolherá a redenção de Snape ou a covardia de Pettigrew. 

Para encerrar, a todos vocês, Potterheards que se sentiram magoados e agora não sabem como encarar a série que tanto amam, deixo a fala de Daniel Radcliffe, publicado no site do The Trevor Project, apoiado pelo ator e que defenda a comunidade LGBTQ+.

Para todas as pessoas que agora sentem que sua experiência com os livros foi manchada ou diminuída, lamento profundamente a dor que esses comentários lhe causaram. Eu realmente espero que você não perca totalmente o que era valioso nessas histórias para você. Se esses livros lhe ensinaram que o amor é a força mais forte do universo, capaz de superar qualquer coisa; se eles lhe ensinaram que a força é encontrada na diversidade e que idéias dogmáticas de pureza levam à opressão de grupos vulneráveis; se você acredita que um personagem em particular é trans, não-binário ou fluido de gênero, ou que é gay ou bissexual; se você encontrou alguma coisa nessas histórias que ressoou com você e o ajudou em qualquer momento da sua vida - isso está entre você e o livro que você lê, e é sagrado. E na minha opinião ninguém pode tocar nisso. Isso significa para você o que significa para você e espero que esses comentários não manchem muito.

Amor sempre.

É isso. Amor. Sempre.

3 comentários:

  1. Que coisa, hein. A vida e suas surpresas.

    Soube que ela se defendeu das acusações relatando um trauma. Depois dá uma pesquisada sobre.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. EU vi, mas continuo achando que está muito equivocada. Ela tá generalizando demais e condenando toda uma tribo por um medo de alguém se aproveitar das mulheres. O machismo e todas as repercussões banalizadas por séculos de patriarcado precisam ser combatidos, é claro. Mas não prejudicando outro grupo tão descriminalizado.

      Excluir
    2. Li o texto todo, e discordo de quase tudo. Mas, a vida continua.
      Força e honra.

      Excluir