Batem à Porta (2023) - Crítica

É curioso que um cineasta como Shyamalan se diga não religioso, mesmo com uma filmografia que costuma, constantemente, debater fé contra ceticismo. O diretor, criado hindu, se diz um crente, mas não exatamente devoto de uma religião específica. Já em seus filmes, há a dicotomia visível entre uma alegoria religiosa sem direcionamento, mas também do cristianismo. Para ser justo, grande parte de seu catálogo ilustra a fé em litígio e questionamento numa concepção bem abstrata, como em A Vila, a trilogia de Vidro ou Fim dos Tempos. Já Sinais, na contramão, não é sutil em seus acenos cristãos. 

Pode-se elogiar Shyamalan pois, mesmo nessa obsessão que marca todas suas fases, ele conseguiu, no geral, ser respeitoso, intrigante, ainda que falho, nas alegorias. Batem à Porta, seu novo filme, segue está visão do realizador, guinando para uma vertente ainda mais específica que Sinais, inclusive citando a Bíblia em uma passagem, e se seu incidente incitante é bastante provocador, finalmente a ingenuidade e paixão de M. Night sabotam seu texto não somente funcionalmente, mas moralmente. 

Mas nem tudo é condenação em Batem à Porta, ao menos não imediatamente. Shyamalan sabe que se reencontrou na carreira com um estilo, se adaptou bem a ele e parece bastante contente com orçamentos mais limitados, conseguindo extrair bastante disso, ainda que com certa irregularidade. O livro de Paul Tremblay acaba sendo um alvo ideal por seu gênero, a discussão instigada e o minimalismo conceitual. 

Mesmo usando de temáticas costumeiras em sua carreira, Shyamalan consegue usar da experiência para brincar com as convenções e expectativas inatas de suas obras. E Batem à Porta é bastante susceptível a provocar severas teorias e "adivinhações" por parte do público, o que por si só acaba gerando uma certa tensão coletiva, aliada à trama, que corrobora a própria situação em tela do que é realidade.

Brincar com um evento tão macro num espaço micro gera uma claustrofobia e curiosidade pérfida devido ao isolamento, e o diretor brinca e esconde com experiência estes elementos. O texto, entretanto, que inicia insólito e indagador, perpassa pelo brutal até nos colocar - e aos personagens - numa situação extrema e "impossível", vai lentamente resvalando no moralismo, até, inocentemente, no que deveria ser uma mensagem de aceitação, se sabotar no próprio preconceito que busca criticar. Sai o debate, a conversa sobre escolhas, crenças e responsabilidade, entra uma espécie de dever, obrigação. Como se existisse somente o certo e o errado, sem dubiedade. 

É costumeiro se referir a M. Night como um grande diretor e roteirista duvidoso. Seja pelo excesso e inclinação aos plot-twists, seja pela incapacidade de sustentar um bom argumento numa narrativa longa, seus filmes recentes têm sido como uma viagem frustrante a um lugar dos sonhos. Começa bem e desanda até nos colocar em dúvida se há mais momentos bons ou ruins. 


Se aqui o diretor soube conter a megalomania de seus textos e reverter isso na expectativa do público, usando a seu favor, é justamente no discurso de fé que tanto ama, ao demonstrar sua paixão pela vida e humanidade - onde estar vivo já é o milagre, como disse Hessel - que Shyamalan chega mais perto do que imagina de fazer um filme devidamente gospel.

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