Homem-Formiga e a Vespa: Quantumânia (2023) - Crítica

O Homem-Formiga sempre foi um pouco deslocado dentro da megalomania do MCU e a ironia está contida na consciência do personagem disto, assim como os envolvidos nas produções do herói. Nada ilustra mais isto do que a abertura ao estilo comédia familiar do longa, uma referência divertida com Paul Rudd andando pelas ruas servindo de narrador da própria vida no pós-Ultimato, inclusive brincado com este anonimato ao ser confundido com o Homem-Aranha - e ganhando lanches gratuitos de uma padaria devido a isso. 

Por algum período, foi esta a maior fonte de indiferença ou desinteresse com os capítulos solos do formigoso, com bilheterias bem aquém do restante mais grandioso deste universo. Não que se destacassem muito como narrativas, mas restava um charme nestas histórias em escala diminuta - apesar dos poderes do protagonista - que brincam muito com gêneros mais simplórios e tramas que conseguem estabelecer mais intimidade com suas figuras e focar bastante numa dinâmica familiar, sem necessariamente ter de mencionar outros grandes heróis e vilões.


Por mais que Peyton Reed inicie o longa focando nesses aspectos menores, a introdução que nos coloca à mesa de Scott Lang e seu agora numeroso núcleo, que inclui esposa, filha e sogros em interações com uma dinâmica bastante leve e saborosa de se assistir, são meramente aparatos de cotejo com uma realidade não mais permitida ao herói após os eventos de Endgame, qual esteve intrinsicamente ligado. O multiverso chegou para todos, e no papel de Scott e seu grupo ele está num microcosmo enorme, o Reino Quântico. 

Mas o filme não se perde de imediato ao já assumir que não existe mais espaço para o comum no MCU. Dentro desta proposta, o Reino Quântico apresenta uma criatividade visual fascinante ao se bater o olho, menos no ambiente e mais nas criaturas, de formas e estilos curiosos e inventivos, numa homenagem clara a Star Wars - Peyton Reed inclusive dirigiu dois episódios de O Mandaloriano. Mas acaba sendo uma imersão superficial, focada em poucos rostos além da mera observação, demostrando pouco interesse em explorar a geografia do mundo, infelizmente sabotando o trabalho do design de produção e computação gráfica. Sem falar na inexplicável opção por se buscar filtros escuros que buscam um realismo e ofuscam toda a carpintaria visual do longa, prejudicam a visão da ação em tela e deixando o ambiente monocromático e maçante. É como se o MCU fosse magnetizado, atraído irreversivelmente ao genérico. 

A primeira sabotagem está em como se ignora o próprio reino, tão alardeado por anos dentro do MCU e único em suas características. A se seguir, a introdução de Kang, vivido com pulso por Jonathan Majors, nosso vislumbre cinemático inicial do que virá a ser o vilão das próximas fases da Marvel, perde força a cada nova aparição do personagem, que afinal, se não consegue sustentar as partículas Pym, que rivalidade trará aos Vingadores? O filme, sim, apresenta uma sugestão de resposta a isso, mas parece uma alternativa desesperada de se igualar ao que foi Thanos. Talvez funcione, é claro, mas como apresentação, fica pouco contundente e satisfatória. Faria muito mais sentido como uma aventura autocontida dos heróis deste núcleo da história, já que suas interações são justamente a parte forte da trama, independente de quem esteja incluso. Seja Douglas com Pfeiffer e Lilly ou Rudd com Newton, a nova chegada do MCU, a dinâmica familiar é o que há de mais honesto, crível e emotivo dentro deste terceiro Formigoso, que também fora o aspecto principal dos capítulos anteriores, cada qual em sua fase. 

Ver justamente o que há de mais humano e orgânico no MCU ser dissipado em superlativos que funcionam cada vez menos é um bom reflexo do cinema blockbuster contemporâneo, e que tende a ser seu fim nesta saturação crescente - só ver a repercussão do longa e sua nota no Rotten. 

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