Napoleão (2023) - Crítica

Há uma cena, já pelo fim de Napoleão, em que o personagem-título, fugindo de seu exílio, é contestado pelo exército francês. Antigo general e imperador, rapidamente os soldados ficam a seu lado e se juntam ao motim para novamente expurgar o país da monarquia. É uma cena que podemos aceitar naturalmente pelo conhecimento histórico que temos da lendária figura, mas que no contexto do filme, pouco sentido faz. 

Vejam bem, o Napoleão do longa de Ridley Scott possui o benefício de sabermos quem foi e o que fez, e naturalmente associamos tais características a isso. A escolha de Phoenix para o papel denota, naturalmente, uma busca pelo heterodoxo na abordagem do papel, e Scott deixou bem clara sua visão, sua transferência de Napoleão, tão complexo e ambíguo sujeito na história global. Herói ou vilão, entretanto, o que é indefensável dentro da retratação de Bonaparte não é exatamente em questão ideológica ou ética, e sim, infelizmente, narrativa. 

Pois quando vemos alguém a quem se deveria combater contagiar e reverter a ação de milhares de homens, esperamos um background e comportamentos daqueles magnéticos que definem a história, o que se espera, obviamente, ao sabermos o que os livros nos ensinaram sobre o contraditório imperador. Não é, entretanto, nem perto do que Scott e Phoenix nos entregam nesta tradução audiovisual de Napoleão. 

Pois em seus generosos e insuficientes 158 minutos, Napoleão falha tanto como documento histórico, o que não seria uma obrigação, mas especialmente como entretenimento, e aí nas várias facetas que poderia apresentar; filme de guerra, drama, biográfico ou estudo de personagem. Gosto de partir do pressuposto que não é obrigação de alguém que entra no cinema ser especialista na Era Napoleônica. Saber quem foi, de suas conquistas, acaba sendo instrumento cultural. Os detalhes, não. O dever histórico de Scott não é ser fiel em todos os pormenores, mas ao menos não ser desonesto. Aos menos familiarizados, resta aceitar um começo abrupto que já nos coloca num Napoleão sem o exato contexto de suas origens, inseridos no epicentro da Revolução Francesa e suas consequências. 

A partir daí, vemos a ascensão do sujeito até se tornar imperador da França, passando pelas guerras napoleônicas e suas anexações ao território francófono. O problema é que tais vitórias parecem mais uma imposição do roteiro, tanto por suas ditas virtudes estratégicas pouco enfocadas quanto na liderança militar, completamente ignorada. Sem carisma, imponência ou sequer desejo, o Napoleão de Scott e Phoenix exibe durante toda a projeção uma expressão de tédio e desinteresse, a despeito de enfrentar um êxito bélico, o clímax sexual ou a revelação do exílio. É como se não houvesse desenvolvimento pessoal e o sujeito entrasse e saísse da projeção exatamente o mesmo. Não ajuda que a a escolha de Scott e do roteirista David Scarpa para a representação de Napoleão seja a de um homem patético, egoísta e exposto ao cômico. 

A vida de Napoleão aos olhos do contemporâneo merecem, naturalmente, o escrutínio, mas justificar todos seus sucessos através de uma visão que o ridicularize acaba por contradizer tudo que fez, por mais que tenha tido efeito negativo a tantos. Com isto, como podemos confiar que o sujeito em tela lidere milhões à provável morte, se não exibe nenhuma faceta do que seria um líder.

Contando ainda com uma fotografia monótona e fria, temos uma sensação onipresente de melancolia e apatia que parecem, ao menos, conversar com o estado de espírito exibido por Phoenix, que nunca deixa qualquer calor da Josephine de Vanessa Kirby entrar na sua vida, por mais que diga sentir o contrário em suas cartas - somente outra contradição da obra. Tal qual o personagem, a direção de Scott parece somente embasada em alicerces técnicos e de escala - profissionais e práticos -, sem espaço para sentimentalismo e paixão. Como fruto audiovisual, isto só atrai distanciamento e aborrecimento com o ritmo trôpego da fita. 

Serve de pequeno álibi e momentâneo benefício da dúvida a Scott que ele possui em sua filmografia outro projeto que se transforma de medíocre para excelente da versão de cinema para a do diretor - falo de Cruzada. Já anunciada para o Streaming, só podemos esperar um tratamento similar da vindoura versão completa de ditas 4 horas para fazer algum jus a uma figura tão fascinante. Com tantas escolhas questionáveis que transcendem somente a montagem e texto, fica difícil crer em tamanha melhora. 

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