As Marvels (2023) - Crítica
Provavelmente não intencional, há um fenômeno metalinguístico interessante em As Marvels: quando as três protagonistas, Carol Danvers, Monica Rambeau e Kamala Khan começam a trocar de posição no espaço-tempo devido a uma sincronia não planejada, elas se mostram irritadas, confusas e contrariadas, muitas vezes gerando momentos inconvenientes e perigosos em seus contextos. Não há como o público não se identificar com tal cenário, ao menos qualquer um que não seja obcecado e fã afoito do MCU. Tanto em relação aos personagens quanto a condição qual estão inseridos, são muitos os nomes que surgem em tela, em papeis de protagonismo, que jamais foram introduzidos dentro dos filmes do estúdio, relegados a papeis em séries próprias ou, até pior, coadjuvantes de outras figuras. Que o filme já inicie acelerado e em ação somente corrobora para que o espectador se sinta entrando diretamente numa montanha-russa em movimento, sem compreender como foi parar ali e o que é tudo ao redor.
Vindo de um período conturbado e decadente que sucinta discussões sobre seu fim, o MCU amarga fracassos de público, crítica e até no comportamento de atores. Sobrecarregados de conteúdos abaixo do medíocre em planos multimídia, a saturação do gênero surge no horizonte e não há como rejeitar a confirmação de uma autossabotagem por como tudo tem sido organizado no pós-Ultimato.
Se o tal do Multiverso parecia promissor perante tantas possibilidades, ele tem somente se revelado uma cacofonia desgovernada e incontrolável narrativamente, com a Marvel desenhando inúmeras linhas temporais e deixando em aberto uma miríade infindável de arcos e perguntas sem respostas que parecem não colidir para um mesmo fim, como foi na saga do Infinito, onde poderíamos perceber uma linearidade nos longas individuais. Muitos são os pedidos de filmes mais autocentrados e que não precisem se emaranhar numa narrativa mais complexa e megalomaníaca, porém, o que tem sido visto na Marvel são histórias que buscam se entrelaçar sem nenhuma coerência textual dentro disto, formando um quebra-cabeças desinteressante, anárquico e que não se encaixa.
E quando se perde a mera compreensão, empatia e noção do que se passa em tela, numa película tão acelerada e objetiva, perde-se o lúdico e a conexão. Sem o lúdico, pouco se salva em um filme da Marvel. Quando pensamos no desenvolvimento dos personagens "clássicos" do MCU, Stark e Rogers, especialmente, temos mais de uma década de construção, através de tantos filmes, mas sempre expostos na própria tela. Em As Marvels, somente Carol Danvers possui mais repertório, ainda assim, especialmente como coadjuvante, enquanto as outras duas figuras centrais à trama são oriundas de séries que não se pode exigir comprometimento do espectador. Essa exigência de consumo para um material prévio, cuja intenção seria aprofundar os lucros e a mitologia do universo, é tão somente, e claramente, uma autossabotagem que superficializa tal universo, enfraquecendo suas histórias e personagens.
O que dizer em As Marvels, cujo cerne discute genocídio planetário, companheirismo e sororidade, algo bastante premente em ambas vertentes, seja pela argumentação pelo feminismo, seja pela questão humanitária, que poderia até conversar com a questão palestina. O que Nia DaCosta e equipe fazem é covardemente esvaziar tal problemática após somente sugeri-las, como alicerces dispensáveis de um trama que anda pra frente sem preocupações com o que deixa pelo meio.
Ao fim, As Marvels soa como um produto pasteurizado e feito por um IA, tanto quanto o Império Kree (aí outra metalinguagem curiosa e hipócrita). Um acréscimo robotizado e forçado para preencher catálogo e tentar introduzir algum conceito para o futuro do MCU. A Marvel sempre teve filmes com tal impressão, somente descartáveis para algo maior. Anteriormente, eram em menor grau, esquecíveis, mas não desprezíveis. A norma atual, entretanto, parece a segunda opção. E nem mesmo o tal destino parece visível ou promissor. Scorsese nunca esteve tão certo.
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