Predador: Terras Selvagens (2025) - Crítica
Até onde pode uma franquia resistir somente com um único mote? Hoje em dia, filmes já nascem pensados em algo maior — conexões, multiversos, crossovers. Nessa ideologia com a qual a Marvel intoxicou a cultura pop, as obras já são concebidas cheias de restrições para caber em algo longo e segurar revelações e mais plots para obras vindouras, mantendo a atenção do público, mas domando o potencial individual de muitos projetos. Nem sempre foi assim, e certamente não com o Predador de 1987, que originalmente surgiu de uma piada sobre Rocky enfrentar alienígenas. Misturando o cinema brucutu com o sci-fi de Alien, sedimentou carreiras e, mais do que isso, um personagem tão icônico em visual e conceito que originou mais cinco filmes até 2018, nessa mesma ideia.
Porém, nenhum deles funcionou minimamente próximo da qualidade do original — parte pela falta de ineditismo, de uma estrela tão carismática e convincente quanto Schwarzenegger, mas também pela confusão de como retratar o Predador. Manter essa aura de mistério ao redor da criatura, ao mesmo tempo dona de tecnologia tão avançada, mas também de hábitos completamente primitivos e selvagens, exaure uma fórmula. O Predador caça por cultura e esporte, e o humano — sempre um homem — tenta resistir. Após o clássico, tentaram repetir o modelo na cidade, contra o Alien e em grupos, mas, no fim, o núcleo era sempre inalterado. O resultado foi uma franquia associada à galhofa, ridicularizada e desacreditada.
Mas eis que surge Dan Trachtenberg, mais conhecido por Rua Cloverfield, 10, a tensa e claustrofóbica sequência que funciona perfeitamente como um filme isolado. Completamente apaixonado e, em plena pandemia, lançando — em baixa ou nenhuma expectativa e radar — Prey, ou Predador: A Caçada, que pode, inicialmente, não representar nenhuma alteração ao mote predadoriano, mas o enche de alternativas. Primeiro, ao localizar a película em um contexto tempo-espacial tão improvável — os EUA do século XVIII — e contra uma nativa comanche, que muitos criticaram por ser inconcebível o embate devido à diferença física entre ambos (o que considero somente um comentário machista e vindo do pessoal que chama tudo de “lacração”, visto que o Predador possui vantagem contra qualquer humano, mesmo Arnold).
Bem, se a arte e o cinema existem, é para dar credibilidade ao improvável, e, em um filme menor, direto ao streaming de uma franquia morta, Dan Trachtenberg fez um dos melhores contos audiovisuais de 2022, com poucos diálogos, mas muita dinâmica para tornar o confronto tenso, divertido e impiedoso, sem trair a tal essência Predador, por mais que esta somente tenha entregado trabalhos inferiores e questionáveis desde o primeiro capítulo.
Após reascender a marca e também entregar uma gostosa e cheia de potencial animação em 2025, Dan Trachtenberg retorna com carta branca, confiança do estúdio e do público para um novo e grande orçamento, com tratamento de cinema, para o Predador — e o resultado é uma transgressão ainda maior ao esqueleto nuclear, mas equilibrando-o dentro de uma trama mais tradicional.
Pela primeira vez, temos o Yautja como protagonista — não mais o antagonista silencioso e fatal. Aqui, o Predador segue a onda de humanização que já foi ofertada a antagonistas como Cruella e Malévola, e, apesar do chororô precoce dos inimigos da cultura, Dan entrega uma aventura que mescla bem a brutalidade e a identidade do Predador em uma narrativa buddy cop ambientada numa floresta demoníaca.
Mesmo sendo uma escolha polêmica, que outro recurso poderia manter o interesse e aprofundar a mitologia do Predador senão oferecer novos conceitos? Linguisticamente, ela já se mostrava exaurida criativamente até o cineasta assumir o comando — inclusive abandonada pelo público, com bilheterias que minguavam.
Aos que abraçam tal ideia, Badlands traz Dek, um Yautja renegado por sua aparência “franzina” para a espécie, buscando redenção e tentando se provar ao pai após ter de fugir do planeta para evitar ser morto justamente por seu físico e aparência, antes mesmo de poder ter sua primeira caçada. Nisto, Dek é como um irmão simbólico de Naru, a protagonista de Prey, que também fora impedida pelo clã de caçar por ser uma mulher “frágil”. Mais ainda do que a nativa, entretanto, Dek é movido pela fúria de ser rejeitado pelo pai e de ter visto o irmão morrer por isso, isolado em um planeta em que até mesmo os cipós querem tirar sua vida.
Sem humanos em sua duração, o mais próximo que temos de um está na andróide de Elle Fanning, vivendo duas personagens completamente distintas: uma simpática e sorridente, com um adorável grau de loucura genuína; outra fria, pragmática e brutal como um Predador. A atriz, vivendo seu melhor ano de carreira — após também encarnar com vulnerabilidade e graça um papel em Sentimental Value — forma, com Dek e uma criatura querida que serve de mascote, chamada Bud, um grupo atrapalhado, mas carismático, erigido a ferro e sangue, numa jornada de autodescobrimento e vingança.
Vejam só: não fosse este filme situado no mundo de Predador, essa plot teria pouco de inovadora. Dan apenas traz um corpo narrativo tradicional e o incorpora com as ferramentas do universo desta série, potencializando-a como mitologia — seja geográfica, seja ao desmistificar a sociedade dos Yautja — não os tornando seres fracos, mas justificando suas atitudes, por mais perversas que sejam. Ser vulnerável não é ser frágil; é ser exposto, mesmo por trás de tanta violência — exatamente o que o cineasta confere a Dek.
Com isso, ele entrega não somente um grande filme de ação, com elementos similares a Prey, usando o escuro da floresta para sugerir uma ameaça constante em um ambiente claustrofóbico, mas faz um conto de amizade improvável que nos embala por meio dessa história. Afinal, de nada adianta se não nos importarmos com ninguém em tela. Mensagem nenhuma terá efeito e poder se não nos fizer acreditar no que ela diz. E Dan a ilustra sem perder o lúdico ou a alma da caçada.
Talvez ninguém ame tanto esses personagens e esse mundo quanto Trachtenberg, a ponto de assumir para si a responsabilidade de renascer a saga quando poderia criar algo do zero, somente para si. Com paixão, compreensão e lealdade, nunca esta franquia pareceu tão promissora e interessante. Não é sobre trair algo, e sim sobreviver ao oferecer novas possibilidades. Ele sangra, sim, mas também sente.
Não me convenci pela premissa, não me interessei pela lore do personagem, quase nada aqui chamava minha atenção (com exceção da Elle Fanning rs), mas... Realmente, o filme é bem feito e um diferencial para a franquia.
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