Vikings precisa definir seu destino


O ritual do sacrifício é uma entidade à parte na cultura Viking, e não à toa que todas adaptações audiovisuais focadas em seus povos fazem questão de depositar alguns minutos para retratar a versão do diretor de como estes seres medievais, circundados com um manto místico, ofertavam vidas de escravos e até crianças para agradar aos deuses.

No seriado autointitulado, há um episódio focado nisto: S01.E08 - Sacrifice, auto-explicativo o suficiente. Porém, ao contrário do que narram as histórias que vemos em nossas TVs, nem tudo era tão romântico e íntegro, com pessoas honradas que dispendiam sua vida ao divino de boa vontade. Segundo os estudos de Harry Brown e escritas de Ibn Fadlan, preservava a brutalidade não para convencer, e sim obrigar pobres coitados e perderem suas vidas, com sorte, sem sofrer abusos prévios para então ter suas gargantas cortadas.

Vikings, como seriado, passa por um momento semelhante. Com o tremendo sucesso provocado pela fascinação mundial com sua temática e o crescimento do gênero "espada" pós-GOT, o acanhado orçamento da Season 1 deu lugar a popularidade e, é claro, com isso mais endosso para investir em sua qualidade. Entretanto, os produtores logo caíram na armadilha comum da ganância, estendendo a quarta temporada para 20 episódios.

Mesmo o mais ávido dos fãs percebeu, entre as semanas que separaram o primeiro episódio ao último, que a excitação de passar mais algumas horas com os nórdicos, deu lugar à decepção e impaciência que estes extras trouxeram: não mais tempo para desenvolver o enredo, e sim para enriquecer com a audiência do público, esfarelando os recursos entre episódios confusos e fúteis, tão prolixos quanto algum filler de The Walking Dead, expoente máximo da decadência em séries de TV, muito justamente por esta ambição de quantidade sobre qualidade.


Porém, se era minimamente interessante divagar com Ragnar Lothbrook e seus trejeitos histriônicos, Rei Ecbert e sua sabedoria irônica ou até o ora conturbado, ora sereno Athlesthan, por mais sem objetivo que fosse, o mesmo não pode ser dito pela prole do homem que foi protagonista da saga por 3 temporadas e meia.

Conforme avançava cronologicamente, Vikings adentrou num reino fantasioso, abraçando os mistérios que cercam seus tempos. A fidelização histórica nunca foi plenamente respeitada. Adaptações ao entretenimento foram tomadas, como figuras que dividem o tempo enquanto na vida real provavelmente jamais se encontraram, irmãos que não são irmãos e criações convenientes para propulsionar e projetar os conflitos em personas antagônicas definidas, além de nações. Isto é, aproximar o espectador de efígies faraônicas, de reis a imperadores, ensaiando monólogos e personalidades que temos apenas esboço teórico. Mas falamos de um produto audiovisual que visa, acima de tudo, a diversão. É uma suspensão justa, assim como cientistas não podem esperar acuidade em filmes catástrofe.

Assim, todas as pequenas falhas, as batalhas mais sugeridas do que combatidas, os personagens que entravam e saiam do enredo como estações anuais e sub-tramas insípidas, eram perdoadas quando Ragnar resolvia expandir seu reino, um novo rival aparecia e, principalmente, as conversas entre mentes aguçadas enublavam novos caminhos, permitindo diversas ramificações, por mais que se conhecesse o destino, afinal, grande parte dos anfitriões ali existiram e tiveram seus destinos já traçados há séculos.

O que começou na verborragia da Season 4 e perdurou durante os reduzidos 10 deste quinto ano, entretanto, vai além do que permite a adoração e curiosidade com um período tão sombrio. Vikings tornou-se uma vítima, um retrato desgastado de si mesmo, em uma série de decisões inseguras e incertas para sua continuidade, com uma profusão de arcos iniciados sem um aparente senso de continuidade e resolução, personagens jogados e esquecidos até o momento oportuno, além de algo ainda mais crasso: o quão desinteressante são os descendentes de Ragnar.

O show foi muito criticado pelo padrão serializado de envolver a aniquilação de um inimigo da vez, primeiro com Earl Hagnarson, então Jarl Borg, para então expandir a rivalidades internacionais, com os reis europeus, sempre numa falsa ambiguidade moral entre amizade e ódio, mais ressaltada na relação entre Ragnar-Ecbert.

O que parece atraente e interessante, no entanto, soa mais como um desespero do showrunner em parecer mais complexo do que é - portanto, do que deveria ser. Esses personagens se matam, cometem atrocidades uns com os outros, visam a glória pessoal, se traem. É um convívio infernal, mas insistido.


A recém-findada 5ª temporada trouxe essa dinâmica ao seu extremo. Sem mais um protagonista central específico, por mais que Ivar assuma as rédeas com mais fervor, os arcos são falsamente balanceados de modo que seus caminhos divirjam, culminando numa batalha não mais entre desconhecidos, mas homens e mulheres que cruzaram entre si, se auxiliaram e brigaram; uma guerra entre irmãos. Há um encargo dramático excedente nesta proposta.

A princípio, é uma escolha corajosa e estimulante, afinal, não há a certeza de qual lado será vitorioso sem a obviedade de que o protagonista seguirá vivo para partir ao próximo desafio. Isso, é claro, não passa de uma falácia, pois Vikings, como a maioria dos seriados de hoje em dia, não apresenta ousadia de dizimar precocemente seus rostos mais conhecidos e midiáticos. Assim, transitando entre TWD e até Naruto, em que vemos faces conhecidas estateladas ao chão como se pertencentes à terra. Porém, estas faces não têm nome. Se o têm, não possuem voz. É o filho de Bjorn que ninguém lembra o rosto quando criança, em que nem o próprio pai consegue derrubar uma lágrima. É o filho do meio de Ragnar com Aslaug, que serve de mero utensílio narrativo para conhecermos melhor Ivar. É Astrid, que em tese possui relevância narrativa, mas foi subaproveitada como uma bola de ping-pong, mero estepe para um ou outro governante. É a nova esposa de Bjorn, com a profundidade de uma cereja murcha. Quando não retrata como escrava sexual.

São métodos baratos de extrair alguma emoção enquanto as pessoas quais estes defuntos teriam, em tese, alguma importância, se curvam em angústia pela perda, mas sem realmente sentir a desgraça - isto quanto os próprios vivos não são tão rasos quanto uma piscina de bolinhas, como é o caso de Ubbe e Hvitserk, dois bobalhões desvirtuados e xaropes, que carregam um sobrenome que são incapazes de honrar - por mais que sua própria história diga o contrário, os roteiristas acharam melhor fazê-los mula de Ivar, mas sem também ter um norte para Boneless, que após tanto tempo estagnado, foi preguiçosamente confirmado como um vilão, com seu sorriso diabólico, algo mostrado com nenhuma discrição na batalha de York, com as chamadas resplandescentes em seus olhos e a câmera tremida (trash).



Isto é, você pode argumentar, uma escolha honesta de personificação, afinal, os Vikings não eram bondosos. Na TV, precisamos de heróis para simpatizar e torcer, por mais atrozes que sejam suas ações. Ragnar comandou grupos que cometerem hecatombes e estupros em massa. Uma nojeira repulsiva. Mas sempre foi também dissociado do morticínio selvagem de seus semelhantes: alguém sábio, racional, excêntrico. Uma lenda.

Justamente por termos um contraexemplo ao real, ou seja, um histórico de seu ideal fantasista para agradar o público, que fica evidente como os caminhos traçados por Ivar e seus cada vez mais coadjuvantes são não frutos de uma equipe comprometida e com conhecimento de quais estradas deseja percorrer pelas temporadas a seguir, mas sim um corredor estreito com portas a cada 2 metros, quais eles só abrirão na hora de digitar o texto.

Todos sabíamos quais eram os objetivos de Ragnar. E eram infindáveis. Mas e agora? O que deseja Lagertha? E Ubbe, Hvitserk? Bispo Heahmund? Para aonde levará a trajetória aleatória de Floki e sua comunidade que parece mais uma tentativa de estudo antropológico do que realmente uma construção dentro do universo da série? Ivar almeja assassinar a Rainha de Kattegat. Mas e depois? E Rollo, que sumiu a temporada toda para voltar nos últimos segundos? Desempenhará um papel neste tabuleiro ou o ator vai seguir em seus projetos paralelos enquanto o roteiro levianamente esquece sua existência na opulência francesa?

A última temporada e meia de Vikings coloca a perder muito do que trouxe seu esplendor. A calma, destreza e carisma que fez muitos prestarem atenção neste período obscuro da história.

Felizmente,  Michael Hirst parece ter finalmente percebido isso - ou desistido de sei lá o que ele estivesse tentando fazer -, e a coroação de Rei Alfred, que logo receberá o inédito epíteto e "O Grande", traça um destino instigante após nos chatear com os insossos Aethelwulf, Aelle e Charles II. Para isso, é muito provável que grande parte do que discorreu nesta 5ª temporada seja rapidamente esquecido, perdoado ou driblado, para os contornos históricos serem novamente reparados, para que os nórdicos se aliem contra um inimigo comum. De todo modo, é urgente que se pare de andar em círculos, falsos impactos que não levam a nada e persistam as mesmas picuinhas e fragilidades.

Que este inimigo volte a ser sob a forma dos britânicos, e não os roteiristas, por favor.

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