Trama Fantasma (2017) - Crítica


A primeira cena de Phantom Thread talvez diga tudo sobre o filme. Ou sobre o (des)relacionamento que conduz esta trama fantasma: Alma (Vicky Krieps), radiante, narra a um receptor como fora sua convivência com o estilista Reynolds Woodcock (Lewis). Ainda que não exponha nada que veremos, a fotografia é filtrada em vermelho, de paixão e violência, mas preenchida por sombras em cada fissura de luz. Há algo deslocado e sombrio implicado.

É amor, mas é o amor por Paul Thomas Anderson, e portanto, distante de qualquer convenção ou ideologia de maravilhamento. Uma visão mais cínica, irônica e macabra de outra obra sua a desconstruir o tema: Embriagado de Amor.

Ambientado na Londres de 1950, Woodcock é um rígido profissional que fabrica vestidos de luxo para suas opulentes clientes. Após uma pequena crise em sua rotina, esta que lhe é prezada e estritamente responsável por seu comportamento em todo o dia, o homem parte ao campo para arejar a mente, mas encontra mais que isto na garçonete Alma, que simples e humilde, se mostra encantada pela receptividade de alguém com seu status, o que não demora a se tornar um namorico, até que tudo, naturalmente, se mostre destoante da fábula encantada que ela parecia imaginar quando o príncipe encantado a tirou da cozinha.


Compartilhando uma reforma extrema na imagem popular que temos de um namoro com Embriagado de Amor, entretanto, Trama Fantasma encontra maior similaridade com a segunda metade da filmografia do diretor, em que a catarse relega o preciosismo otimista ao vácuo; o encerramento tende sim a ser satisfatório, mas não necessariamente a quem representaria nossa visão do bom. Não perdura o maniqueismo. Se Punch-Drunk Love, por menos pedestre que seja, ainda é uma história edificante e reconfortante sobre pertencimento e aceitação, aqui, Trama Fantasma encontra sua continuidade na sequência da miséria, que provoca um prazer mórbido e macabro em quem se acostumou a sair do cinema purificado e sorridente.

O diretor, potencialmente o maior nome do cinema americano neste século, demonstra, assim como outros profissionais disruptivos como Sion Sono e Andrey Zvyagintsev, desprezo ao senso comum da luz ao fim do túnel. E assim como o único "Eu te amo" que Reynolds dirige a sua amada durante a projeção é diabolicamente irônico, Anderson nos entrega um enredo pútrido de pessoas que escondem sua esqualidez em roupas opulentas e polidez artificial (não em vão, é apenas em momentos de quebra a seus padrões que o personagem de Lewis ignora a cortesia, o verdadeiro seu por trás da bajulação elitista), mas mesmo assim nos provoca uma experiência cinematográfica de nível monumental e gratificante, nos fazendo encantar pela podridão e mesquinhes representados.

Por trás do casal, Daniel, no que ele diz ser seu último trabalho, entrega, como estamos acostumados, uma performance impecável, ao viver um homem obsessivo em suas tarefas, acostumado a ser visto em posição superior e dominadora, mas apesar de tudo, magnético. Já Vicky Krieps cresce alguns degraus em Hollywood por seu rendimento por trás de Alma, fazendo frente ao consagrado ator, tanto em atuação, quanto na força de sua personagem.


Pois se em seu durante, este pareça um conto feminista de desapego, em que a mulher não aceita sua doutrinação e subserviência ao macho orgulhoso e o abandona, Phantom Thread é doentiamente mais. Alma não se rebaixa a Reynolds nem o deixa só, como se mostra uma figura progressivamente complexa conforme a situação vai se mostrando adversa a si. Se o homem a tenta moldar com suas vestimentas e elogios, Alma apenas descobre em si uma confiança que nunca imaginou, e nisto, o orgulho de sua personalidade, como podemos ver em momentos decisivos em que ela adota as mesmas cores do começo do longa, como também, em certo momento, exibe um vestido escuro condizente com suas intenções - trabalho tão perfeccionista e metódico da equipe por trás do figurino quanto Woodcock e suas roupas.

O que sentem os dois é, portanto, tudo menos o amor que vemos em livros de Nicholas Sparks. É egoísmo, obsessão, objetificação. Não saudável, eu diria. Os envolvidos são sim capazes de tudo para se manterem juntos, mas mais por seu próprio benefício do que paixão devota. Para isto, basta ver os comentários brutais ditos de maneira direta e sem sentimentalismo por Reynolds, que não demonstra receio em manifestar sua insatisfação com hábitos de sua musa nem empatia com inseguranças físicas dela. Do mesmo modo que os agrados de Alma servem mais a propósito particular de elevar sua autoestima. Amam a si próprios e nada mais.

Indicado a 6 Oscars, é improvável que Phantom Thread ganhe melhor filme. Que vá perder pra algum rival mais pop e palatável, é sintomático da premiação e sua ânsia por satisfazer públicos modernos. Na contramão, o talento de PTS apenas aflora. Por Phantom Thread e tudo que já fez, seu potencial parece infindável.

Nota 9.

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