Entre Laços - Crítica

Entre Laços, no inglês "Close-knit", expressão que significa um grupo de pessoas se ajudando, é um filme sobre isso mesmo, uma família adotiva temporária para uma garota abandonada pela mãe. Ela é acolhida, entretanto, não por um casal normal, e sim por seu tio, Makio, e a namorada dele, Rinko, que é uma mulher trans. 

A temática do longa, então, fica escancarada, que é fazer um retrato e discutir a transsexualidade no Japão, este país tão liberal e evoluído em alguns aspectos, mas tão conservador e tradicional em outros. Numa questão que o mundo todo ainda se mostra despreparado, a visão dos nipônicos chama ainda mais atenção. Transsexuais vivem, ainda, à margem da sociedade, vistos com preconceito e estranhamento. A própria garotinha, Tomo, não consegue tirar o olhar, com curiosidade e espanto, da parceira de seu tio. 

É através dos atos de Rinko, vivida com doçura pelo ator Tôma Ikuta, que Momo aprende a amar e aceitar sua condição com normalidade, a ponto de inocentemente expressar sua indignação ao vê-la ser tratada com desprezo jogando shampoo na detratora. Um momento sugestivamente retratado com graça para um assunto sério, o que serve, por vezes, como leveza para ressaltar a personalidade de Rinko, mas também para suavizar uma questão bastante polêmica. A mudança de sexo no Japão ainda é tratada de maneira inacreditavelmente defasada, e para conseguir mudar oficialmente sua identidade de gênero, a pessoa deve se enquadrar em uma condição mental conhecida como desordem de identidade de gênero e sofrer uma esterilização cirúrgica. Uma resolução absurda e desumana, completamente desatualizada quando a própria OMS já excluiu a doença de seus documentos. 

O filme retrata Rinko com bastante empatia para destacar a grande pessoa que ela é, exercendo um papel materno inquestionável para com Tomo, mas romantiza um comportamento idealizado a ela, que jamais eleva a voz nem altera o sorriso, mesmo durante as provações que sofre por sua condição, às vezes incontornáveis, como o sexo exibido no cartão de seguro social, que a impede de ser colocada no leito feminino, ou olhares indagativos e julgadores na rua e estabelecimentos. Nisto, a fita se assemelha bastante a um anime slife of life bem-intencionado, mas o mais inócuo possível em meio a um tema espinhoso. A trilha sonora suave a as locações lindas que procuram as sakuras e o brilho solar reforçam essa pegada otimista, brecada intermitentemente por figuras ruins e que desprezam a identidade de Rinko. Nisto, o filme é mais um retrato desta repressão emocional dos japoneses, que são ensinados a esconder seus sentimentos a qualquer custo, os liberando então de modo frio e indolente em diálogos verbalizados com uma normalização assustadora. Rinko escolhe não revidar o preconceito implícito, as autoridades fingem não ver e os agressores exibem uma postura facial incompatível com a força negativa de suas palavras. Onde o problema não é reconhecido, ele não é resolvido. 

Essa falta de foco também arranha um colega de Tomo, que busca sua companhia e é frequentemente zombado na escola por seu comportamento frágil e feminino, que logo aprendemos ser indícios de um rapaz homossexual e completamente envergonhado disto, algo infelizmente reforçado pela rejeição de sua mãe e o parco apoio público que o Japão fornece aos LGBQ+. A escolha da diretora e roteirista Naoko Ogigami é sempre a mais apaziguadora e silenciosa possível, como se no final fosse tudo dar certo, exaurindo a seriedade e obscuridade com que os casos particulares que fogem do padrão de gênero e sexualidade são acometidos no país. Por um lado, sua visão pode ser estimulante e oferecer belíssimas cenas de companheirismo e de carinho, mas por outro, abusa da ingenuidade, como se logo as coisas fossem se resolver através do amor e da alegria. Já o papel materno é, simultaneamente, creditado ao estar mais do que ser, sendo a prática e o zelo precedentes, e não a mera figura feminina, mas também se mostra generoso e atencioso em buscar as razões para ações maternas desfiguradas.

A impressão é que essa internalização japonesa ainda é forte demais na realizara, que faltou-lhe convívio ou somente ousadia. Serve como uma introdução acalentadora, mas carece de pulso e firmeza para exibir não somente seu ponto de vista, como enfatizar os motivos para defendê-lo com afinco sem medo de poder acusar o público, local ou internacional. 

Em suma, é uma abordagem mundana fora da realidade e excessivamente superficial, mesclando alguns temas bastante diferentes apenas por serem similares na discriminação, o que esvazia seu significado. Podemos sair da exibição sorridentes, mas menos antenados do que o longa poderia propiciar. 

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