House of Hummingbird (2018) - Crítica

House of Hummingbird, ou Casa do Beija-flor, em tradução livre, como sugere seu título espirituoso, é um dos grandes filmes sobre a vida desta década, um enorme pequeno pedaço de arte cheio de alma e delicadeza típicos do cinema asiático e perdidos em meio aos orçamentos e a grandiloquência oriundas do Ocidente. Uma visão sensível e até passiva perante a vida, uma aceitação de crueldade e beleza como inerentes e indispensáveis; yin-yang. 

Estreia de Bora Kim em longas, o estilo de sua narrativa lembra bastante o repertório de um dos mais aclamados cineastas do leste-asiático atualmente, Hirokazu Koreeda. Porém, sua abordagem distante e observacional, mesmo quando ativa na trama, evoca mais o trabalho dos diretores da Nova Onda do Taiwan, Edward Yang e Hou Hsiao-Hsien, dois dos maiores mestres já vistos na sétima arte. 

Isto não quer dizer que ela somente simule seu estilo, e sim herde sua maestria, ao menos pontualmente neste início de carreira, ao retratar a vida como ela é, o encantamento no ordinário e a grandeza das pequenas coisas. O mote é claramente semi-autobiográfico, mas adotando uma postura mais ampla para, segundo a própria diretora, conversar melhor com um público geral, não somente local. Assim, o filme evita escolhas bastante comuns e que prejudicam filmes mais abstratos como este, como o melodrama e um otimismo exacerbado. O espelho da Bora é a vida da personagem principal, crescendo numa família numerosa e tumultuada de classe média na Seoul em pleno desenvolvimento dos anos 90. 

Apesar de crescer como nação desde os anos 60, foi a partir das mudanças advindas dos anos 80, com o fim da ditadura militar e um investimento tecnológico robusto, inspirado na revolução japonesa, que a Coreia começou sua caminhada rumo ao desenvolvimento. Sede da Olimpíada de 88, a arquitetura da cidade, com seus prédios crescentes, luzes neon e multinacionais, representam essa sede por poder e notoriedade. Ao povo em meio a isso, principalmente a população suburbana que se vê presa nestas mudanças como uma roupa girando loucamente numa máquina de lavar, não resta escolha fora se adaptar ou aceitar as radicais novidades dessa sociedade contemporânea, e a pressão do pai para seus filhos estudarem e conseguirem bons empregos claramente pesa na cabeça dos adolescentes, presos entre um sentimento de obrigação por gratidão e uma culpa por inutilidade. Park Ji-Hu, frequentemente retratada na margem dos ambientes ou então minúscula em sua insignificância, ainda na primeira metade de sua segunda década de vida, exibe sempre um semblante apático e quase débil conforme presencia as mais diferentes experiências, sem reagir. Seu tio morre, seu irmão a espanca, sua irmã foge de casa, seus pais brigam com frequência e sua mãe parece sempre imersa nos próprios pensamentos; seus poucos refúgios são sua melhor amiga e seu namorado, e porém, ele a troca por outra garota sem qualquer explicação, e ela se sente traída pela amiga por revelar o endereço do pai ao serem pegas roubando. As coisas simplesmente não dão certo, e ela parece não saber como se comportar em meio a tantos acontecimentos

Falta a ela uma figura de inspiração, e ela se sente tão perdida quanto a própria Coreia, confusa no presente, presa ao passado e sofrendo por ansiedade do futuro. Sem apoio emocional em casa, ela se diz mais confortável quando passa por uma cirurgia que a deixa internada no hospital, alheia a tudo e somente esperando o tempo passar, sem responsabilidades nem traumas. Outro ambiente que a garota passa a gostar são suas aulas de chinês, ao ver na professora Kim uma referência adulta que finalmente tenta entender seus sentimentos ao invés de somente exigir e julgar. É na figura da mentora que Bora expõe a mensagem principal de sua obra: conectividade.

"Quantas pessoas realmente entendemos?", pede Kim à aluna. Falta conectividade em sua família e até entre suas amigas, e numa sociedade que cresce em ritmo alucinado sem nem dar tempo de se absorverem os impactos, cada vez pede-se mais estudo, mais dinheiro, mais horas de trabalho e mais concentração. Os próprios pais da protagonista são vítimas disto, talvez até mais do que a filha, visto que o contexto social onde moram agora não é mais o mesmo de onde cresceram. Nisto, um coming of age não engloba somente a adolescência da pessoa, por mais conturbada que ela seja, e sim toda a vida do indivíduo. As mudanças são incessantes, os traumas, numerosos; mas também as boas memórias presentes. 

Com essa caótica modernização tecnocrata, é a própria nação, principalmente a classe trabalhadora, que paga o saldo, sacrificando sua sanidade mental e, por último, as próprias relações. A principal metáfora disto se dá na recriação de uma tragédia real, que foi a queda da Ponte Seongsu, até então cartão postal do crescimento da capital, mas que representa acima de tudo a pressa perniciosa que essa demanda gerou, causando tantas mortes. O materialismo acima da interconectividade pessoal nada mais é do que uma casca de concreto oca e frágil. 

Assim que Bora se afasta do didatismo típico da temática e assume uma passividade benéfica para a narrativa. Nada sai como os personagens buscam; o que parece uma benção, se torna uma maldição e vice-versa. Algumas cicatrizes, inclusive, veem para ficar. Não é uma imposição de se ver o lado positivo ou negativo com exatidão, ou com preferência. É uma mera constatação dessa dualidade. 

É uma ambivalência onipresente e não alternada, mas concomitante. A forma de se ver o cenário acabado sendo próprio da personalidade ou da fase da vida do espectador. 

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