Yashahime: Princess Half-Demon/Hanyo no Yashahime - Episódio 01: Review

No bonde da nostalgia já temos o interminável Pokémon, um remake de Digimon Adventure, além do filme que encerra o ciclo dos digiescolhidos originais, Boruto, Dragon Ball, que toda hora ganha um novo material por aí, assim como Cavaleiros do Zodíaco, além, é claro, de Sakura Card Captors. Considerando esta enxurrada de obras baseadas em personagens criados e estabelecidos na cultura pop em outras gerações, até que demorou para a magnum opus de Rumiko Takahashi receber uma nova série em seu universo. Considerando a desgraça que acontece com o mundo e, particularmente, no Brasil, isto com certeza não é uma reclamação, embora sempre seja delicado mexer com um título cultuado. Os retornos financeiros, entretanto, costumam encorajar bastante os executivos de arranhar o legado de uma mitologia laureada. 

Pessoalmente, sou tremendamente saudosista. Aquela história de procurar no passado sentimentos e alegrias que se esvaem com a vida adulta. Mas não quero tornar essa review um desabafo depressivo, somente exaltar minha relação com a obra InuYasha. Foi numa indolente e qualquer manhã, atrás da tela que transmitia a TV Globinho, que eu conheci a história do Hanyo e da humana que atravessa um poço para se encontrar na Sengoku Jidai, um dos períodos mais turbulentos e violentos da história do Japão. Foi um destes momentos, aparentemente inócuos e aleatórios, que sublinham uma trajetória, como marcações em um livro de acontecimentos importantes, inesquecíveis. Sem acesso à internet ou fandoms, não havia nenhuma expectativa acerca da obra, nenhuma ansiedade de sua estreia ou conhecimento do conteúdo - foi só a partir do sucesso na TV Aberta, que Inu se tornou mais presente no imaginário popular e a frequentar revistas otakus (saudades Ultra Jovem e AnimeDo) assiduamente, afinal, o Cartoon, além de ser restrito a famílias de mais renda, relegava o anime aos blocos do Toonami, escondido em horários inviáveis para crianças e adolescentes. 

Hanyo no Yashahime, na contramão, encontra um cenário completamente diferente. Se a fama que o precede garante mais visibilidade e sucesso, ela também traz expectativas e uma carga emocional muito grande e que demanda correspondência. Muitas são as obras revividas que caem no ostracismo ou deixam uma repercussão bastante saturada ao não atingir os níveis esperados de qualidade. É um trabalho traiçoeiro, árduo entre equilibrar a nostalgia para abocanhar os fiéis de outrora, assim como trazer novo público ao Universo idealizado por Rumiko. 

A ausência de material de origem, sendo direcionado diretamente para a TV através de um script inédito, levanta suspeitas. O trabalho criativo é bastante impiedoso através do tempo, e dificilmente vemos artistas, seja de qual ramo for, manter uma qualidade constante. A energia, criatividade e sagacidade abandonam o corpo, e a mangaká já parece ter deixado de lado seus melhores momentos. A Sunrise, estúdio por trás de InuYasha e agora de Yashahime, aposta diretamente no passado, e trouxe de volta a equipe por trás do clássico, como o diretor Teruo Sato, o roteirista Katsuyuki Sumisawa e Kaoru Wada como compositor, certificando-se de manter a unidade e espírito do mundo estabelecido lá atrás. 

Pelas próprias escolhas técnicas, nós vemos uma referência ao passado em forma de respeito, mas também segurança. O saldo ainda é desconhecido. Já tendo exemplos positivos e negativos de uma equipe regressar a um título de outra época. Narrativamente, o anime inicia sua jornada inserindo cenas do capítulo epílogo de InuYasha, "Since Then", lançado após o final da série, como um flashback do presente, em que vemos a nova protagonista, Towa, filha de Sesshoumaru e, espero, Kagura (Deus me livre ser a Rin, como tem gente torcendo). A aparição é bem restrita, assim como das outras duas garotas que vão formar a tríade principal: Setsuna, irmã mais velha de Towa, e Moroha, 1/4 Yokai e filha de InuYasha com Kagome. 

A escolha é previsível em primeiramente instigar os sentimentos com uma aventura nova e episódica dos personagens adorados em suas novas vidas, seis meses após Kagome atravessas o poço definitivamente, e 3,5 anos desde a destruição da Shikon no Tama. E confesso que a emoção se esvaiu bastante ao voltarmos para o presente e suas filhas, ainda que não tenha havido nenhum aprofundamento para se julgar. É uma fórmula manjada e preguiçosa de se seguir uma história, através de sua prole, mas isso pelo menos sugere algumas mudanças, um fator levemente inesperado do que aguardar da trama e das personalidades envolvidas, apesar dos trejeitos serem bem resgatados dos pais - a petulância barulhenta de Moroha, oriunda claramente do pai; a calma arrogante de Towa e a competência silenciosa de Setsuna, mesclando as características de Sesshoumaru. 

O grande desafio do anime, com duração indefinida, vai ser manter o interesse em sua história a longo prazo. Em tese, apesar das guerras locais, o grande perigo de InuYasha já passou. Mesmo que a aventura tenha sido, por muito tempo, dependente de casos semanais, havia objetivos maiores implícitos e explícitos que norteavam a busca e justificavam a maior parte da plot: juntar e destruir a Joia das Quatro Almas, a relação de InuYasha com Kagome e Kikyo, o sonho do protagonista por virar um yokai completo, a rivalidade com Sesshoumaru, salvar Kohaku e Miroku de suas maldições, além de derrotar Naraku. A maior crítica de InuYasha sempre foi sua enrolação, como se tornou repetitivo com o passar do tempo e seus desnecessários quase 200 episódios. Mesmo com todas essas ramificações e o tronco principal para se resolver, muitas vezes o anime se tornou uma história episódica de solvência de mistérios semanais com cara de fillers. O que sobra, então, para o futuro, que já havia sido, em tese, sugerido e finalizado como, na maior parte do possível, em paz?!

Miroku, como ele mesmo diz, se tornou impotente sem o buraco do vento. Sango se aposentou para cuidar dos filhos (lembrando que uma mulher escreveu o mangá) e seu irmão agora não corre risco de vida fora as caçadas eventuais; a Joia não existe mais, nem Naraku; Sesshoumaru concordou em uma existência fugidia, mas pacífica com seu irmão, e as relações de InuYasha com Kagome e Kikyo foram seladas. 

Em tese, a plot que se desenha é a busca das garotas por seus pais, visto que todas cresceram distantes deles. Mas isto se configura como uma jornada mais subjetiva e mental, algo necessário, mas natural em toda obra duradoura, e que não preenche todo o espaço de uma saga. Ao mesmo tempo que tinham de destruir os vilões e reunir os fragmentos, InuYasha tinha os percalços de lidar com sua natureza instável e de meio-demônio. Kagome viveu em constante desenvolvimento da garota mimada da cidade para uma sacerdotisa poderosa...É algo estrutural, em se lidar com desafios externos, mas também internos. 

A quest introspectiva de Yashahime parece estabelecida, mas e qual será o caminho exterior que moverá a trama? É difícil fugir de um "vilão" da vez, mas isso soa quase como uma sabotagem daquele mundo, após tudo que aconteceu. Vivendo sob a sombra de InuYasha por escolha própria, Hanyo corre o risco de entrar no mesmo buraco de Dragon Ball, num ciclo interminável e insuportável de repetições em que cada vez surge um antagonista mais poderoso, necessitando de golpes mais megalomaníacos e transformações mais extravagantes e coloridas, de modo que nada mais soa crível e sensorial. Vira uma experiência saturada e distante, sem senso de urgência e empatia. Quem melhor fugiu disso foi Digimon, ao abordar protagonistas alternativos, universos paralelos ou então amadurecer consideravelmente figuras já conhecidas. Talvez, o melhor caminho seja mesmo afastar o máximo a trupe original do anime, por mais que isso desagrade parte do público, para garantir autonomia e independência para as novas figuras centrais.

Não assumam que estou sendo rancoroso. Vou acompanhar esse anime e torço demais para que ele saiba trabalhar com o fardo de continuar um conto de fadas cultuado e calcado na cultura pop. Mas o histórico depõe contra, e somente sua própria qualidade vai poder dizer, no fim, se há um propósito por trás que não seja a mera ganância de abocanhar uma grana fácil. 

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