Jungle Cruise (2021) - Crítica

Houve uma época, espiritualmente distante, mas cronologicamente não tão no passado, em que a marca da Disney, fora do reino das animações, eram live-actions como A Lenda do Tesouro Perdido e Piratas do Caribe, que apesar da escala grandiosa, eram mais acanhados e centrados numa estrutura aventuresca ingênua e mágica, conservando a alma associada ao estúdio em qualquer gênero. Foram anos agora empoeirados e que parecem não pertencer à nova Disney. Anos pré-Marvel, cujo mecanismos e dinâmicas infectaram todo o sistema blockbuster hollywoodiano, em que a própria norma é uma expansão caótica de ação, multiversos e conexões inacabáveis para permitir sequências.

Portanto, ainda que se tenha ideia de continuar este universo, é um alento rever um filme saindo de dentro da Disney como Jungle Cruise, uma versão mais infantilizada de Piratas do Caribe, mas com aquela mesma alma juvenil, inocente e irreverente que se contenta em agradar e construir algo dentro de sua própria duração, sem a preocupação de amarrar pontas e criar outras para deixar o público desesperado por respostas que virão posteriormente. 

Jungle Cruise traz a graça, a magia e o humor de volta à Disney, sendo isso o que ela faz de melhor e sua marca registrada, mas tão esquecidas durante as últimas décadas focadas em Marvel e megalomania. Há um romantismo aventuresco clássico que evoca Piratas do Caribe e Indiana Jones pela similaridade de tema, mas mais inofensivas. Uma história toda baseada numa variação da lenda de El Dorado, que por si só já é uma marca centenária de nossa paixão pela ficção, pela emoção e por fábulas. Pelo místico. Características resgatadas por Jungle Cruise, que nisto conjura muito até as animações do estúdio, que ainda apresentam esse tom encantador, pela sua dinâmica cartunesca, exaltada e colorida - há, inclusive, um animal mascote companheiro fofinho, como quase todo desenho da Disney, mas aqui um Onça-pintada, respeitando a fauna nacional, ainda que não demonstre pudores em estereotipar o Brasil como uma selvageria suja e grossa. 

Se carrega elementos de eras passadas em sua forma, contemporaneamente, a obra se atualiza e sabe brincar bastante com alguns estigmas da época e inclusive faz piadas rápidas mais ácidas para o pensamento patriarcal do período ao ironizar o absurdo machismo e homofobia dos homens que chefiam a classe cientista de Londres e que se recusam financiar a busca dos protagonistas, cuja indignação é expressa não na menção de homens amaldiçoados com mais de 400 anos de idade, mas sim numa tribo indígena governada por uma mulher. 

Mas são todos modelos sociais que importam menos do que um romantismo mais direto e adorável de aventura na selva, e o filme funciona melhor assim, numa aventura mesmo, de busca, escape e comédia do que quando apela para uma ação mais direta e menos funcional, já que assim como seu protagonista The Rock, apesar de musculoso, o conjunto trabalhe melhor na comédia do que no heroísmo. Emily Blunt, na contramão, flutua bem entre ambos os gêneros, como já havia exibido em Um Lugar Silencioso e No Limite do Amanhã, e é curioso se perceber afoito, nesta idade que carrego, para o casal ser formado. Acho que com isso posso considerar os pontos da obra e que o diretor Collet-Serra conseguiram me fisgar. Um saudosismo moderno que respira em meio aos Homem-Aranha e Vingadores que dominam quase todos os calendários e salas de nosso país. 

Se não há escapatória no circuito comercial ao blockbuster, qualquer fuga de franquias e poderes já se mostra um oásis. E num 2021 pesado e marcado por lançamentos decepcionantes e fracos, o saudosismo que permeia Jungle Cruise já é o suficiente para se destacar. 

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