The Green Knight, Kimetsu no Yaiba/Demon Slayer, Marighella, Fate/stay night: Heaven’s Feel II. Lost Butterfly, Rua do Medo, Velozes e Furiosos 9, Tempo, Stillwater - Textos Letterboxd

Vamos para o quarto post aglomerando alguns textos de tamanhos variados que postei no Letterboxd, com mais ou menos compromisso, nestes últimos meses. Como venho tentando resenhar algo sobre todo longa que assisto, acabei acumulando bastante material. 

Para acompanhar tudo que assisto e escrevo, me siga no Letterboxd.

As reviews não estão em nenhuma ordem específica.

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The Green Knight/O Cavaleiro Verde (2021) - David Lowery

Apesar de se estabelecer com uma pretensão "artsie" bem esquemática, quase um pré-requisito para fazer parte do panteão de elite da A24, a natureza fabulesca de Green Knight se assume por trás de cada momento, particular ou externo a Gaiwan. A origem lendária, já ensaiada e revestida por tantos séculos em roupagens que vão do épico ao realista e ao conto de fadas Arthuriano, como na visão da Disney (não especificando Sir Gaiwan em si, mas aquele contexto histórico), usa da uma inocência e desleixo do protagonista, ainda antes dele ser um "Sir", para aproximá-lo de uma história para criança dormir alternativa. Acaba sendo um road-movie e um coming-of-age acima de tudo, talvez uma primeira vez nesses nichos para a lenda Arthuriana. A contemporaneidade das temáticas que encaixam a masculinidade tóxica, o imperialismo genocida e o racismo apenas adornam naturalmente a jornada de autoconhecimento não somente do ser, mas das metáforas embutidas na narrativa da vida, entre o enigmático e o brutal.

Velozes e Furiosos 9 (2021) - Justin Lin

Tudo bem que se considerar a guinada que a franquia deu no próprio conceito a partir do quinto capítulo, já são mais filmes nessa pegada absurda que a mais romântica dos primeiros três - sendo o quatro um híbrido ainda acanhado, experimental e de menos orçamento sobre o que viria a seguir. 

Mas mesmo para seus próprios padrões, F9 é um desatino. O filme parece achar que abraçar algumas zombarias webicas que andam junto com a franquia tem algum tempo o favorece - a temática familiar esbanjada como definidor de tudo, a viagem pro espaço (o próximo passo é viagem no tempo ou o já sugerido crossover com Jurassic World mesmo), ou o ultimato narrativo de fazer uma piada dos próprios defeitos, sendo aqui a invencibilidade dos personagens. Porém, o que acontece é uma crescente desumanização dessas figuras. Não tem mais como se importar com eles, sentir tensão ou aflição por seus destinos quando os malabarismos e ações já se sobrassaem até a uma lógica interna. Há muito tempo os filmes seguiram para uma estrutura de super-herói, e eu acredito que Toretto e seu grupo dariam lida até contra os Vingadores.

O roteiro reforça a todo momento um discurso de família que parece tentar impelir uma humanização que o roteiro e a direção descartam. Tanto que o personagem do Tyrese Gibson, Roman, que sempre me irritou com seu alívio cômico intromissivo, acaba sendo o personagem com mais alma aqui, e seus momentos são os mais sensíveis ou ao menos que oferecem algum vestígio de vida. O monólogo no espaço para convencer o cético pragmático de Ludacris é uma passagem bonita à sua maneira. E as piadas outrora interruptivas se tornam uma quebra até necessária ao meio de tanta ação robótica e repetitiva, que desequilibram qualquer dinâmica.

É tudo muito grande, muito exagerado, se tornando maçante e amiudado. 

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Tempo (2021) - M. Night Shyamalan

Aqui o título nacional consegue conversar com o mote do filme tanto quanto o original, uma simbiose raríssima. Shyamalan usa o corpo do terror que o abraçou nesse retorno a um ensaio de boa forma desde "A Visita", porém, menos que nunca para a construção de um terror de expectativa ou sugestivo, e sim um drama de antecipação, em que o horror está na transferência público-personagens, não exatamente na encenação ou nos diálogos frequentemente expositivos. Os melhores momentos surgem de trocas de olhares justamente por essa inépcia entre as interações. Quando ele busca o body horror, fica confuso entre o enquadramento frontal frequentemente adotado e a metáfora fugidia visual - as ondas quebrando nas pedras como representação do corpo estraçalhado.

O "Shyamalismo" fantástico, que Marcelo Hessel certa vez descreveu como "Para Shyamalan, estar vivo já um milagre", um aforisma tão preciso quanto marcante, recompensa mais nessa paixão humanista pelos personagens através do didatismo da plot, uma das menos sutis de sua carreira já nada introvertida nas associações. O que vem depois da ilha quebra bastante essa ligação e parece aí mais um simulacro do próprio cineasta de algum amador que busca emular em seu cinema somente o choque da revelação, do plot-twist, e não da composição em si. Até que ponto isso é um desespero do diretor ou uma imposição narrativa de produtor, não sei.

Marighella (2019) - Wagner Moura

Gosto muito como o filme usa da frontalidade com a violência para destacar o movimento urbano e fugidio, de surdina e tensão contra a hegemonia repressiva do exército. Ele constrói o drama através de convenções, mas nessa herança adquirida dos Tropa de Elite, as outras nuances de gênero se engrandecem dos movimentos de uma ação suja e puída, o que consequentemente expande o valor narrativo e discursivo dele. Os ínterins entre as operações, que focam mais nas estratégias ou relações só se tornam eficientes, dentro da diégese (porque o conhecimento de história e seus personagens automaticamente atraem simpatia e empatia) pelo esmero técnico da ação. Isso é importante para o filme funcionar folha de uma bolha política. 

Infelizmente, assim como a interpretação equívoca de Tropa de Elite serve como um manifesto do brasileiro médio no geral como um subproduto do fascismo americano e dessa negação de classe, o longa acaba sendo um reforço argumentativo de quem não precisaria exatamente dele. Quem vai ver Marighella já apoia o movimento, e quem não, o boicota. Quem por acaso for passar batido aí no meio pode encontrar alguma reflexão. Mas acredito ser minoria devido ao contexto e as sucessivas obstruções ao lançamento. 

Ainda assim, é uma experiência extasiante de uma obra necessária, que espero algum dia servir melhor a um propósito histórico do que só cinematográfico. Para isso, porém, ele precisaria ser bom no segundo aspecto, o que consegue. Moura e Adrian Teijido criam um épico de resistência. E dói muito vê-lo através de um release estrangeiro, enquanto aqui a obra, que deveria servir de bandeira, é vítima de boicotes e censura. Inserido nesta circunstância, ganha mais relevância, mas menos alcance.

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Rua do Medo (trilogia de 2021) - Leigh Janiak

1994

O principal fascínio dos filmes slasher anos 90 e começo dos 2000 Não era exatamente a criação do suspense, mas sim a dinâmica fetichista de gênero. Até por Isso, o mais funcional deles foi Pânico, que melhor sacou Isso e trabalhou numa autoirônia que se enlevava. Não é um filme assustador, é um filme divertido. O mesmo vale, claro que em menor grau, pra outros subprodutos então contemporâneos, como os Verão Passado, Premonição e Lenda Urbana.

Essa pegada travessa documenta um desejo ardente e juvenil de hiperestimulação e injeções de adrenalina - cena que confirma essa condição autoconsciente fazendo graça de si mesmo num momento sério, mas absurdo. Funciona como um jogo de gênero como Projeto X, mas pra outro lado, obviamente. Por Isso falei de Fetiche antes. É o deleite do medo fictício, do pavor seguro, dos prazeres convencionais que vão acontecendo (a pegação e o sexo, o underdog se provando útil e conquistando a gata), por participar de uma situação excitante, vivenciar e ser parte de algo especial. É tudo pelo tesão controlado. 

Como thriller ou terror, claro, ele seria um fracasso se se assumisse assim primariamente. Acho que o final se perde um pouco justamente nessa tentativa de criar uma mitologia épica e, bem, mística. O final contido, felizinho e clichê se encaixaria muito melhor nessa pegada satisfatória, de missão cumprida.

1978

Perde bastante do charme do primeiro. Enquanto 1994 investia numa referência mais urbana que resgata os Pânico e Halloween, 78 investe em Sexta-Feira 13 e Sleepway Camp. Até por isso, ele é mais direto na seminologia slasher. No terror.

Mas como disse sobre o primeiro, o forte do filme não é assustar, e sim conservar e invocar uma dinâmica espiritual juvenil para o filme, com seus desejos típicos e dramatizações colossais para trivialidades gerais - mas subjetivamente épicas. O sexo, a paixão - tudo para salvar a namorada. A sororidade das irmãs e da garota rejeitada são cativantes, mas a divisão de núcleos as enfraquece, e sendo ele um slasher assumido, ainda comete o erro grave de não recompensar na morte de personagens detestáveis. 

Como não consegue criar um clima de tensão nem tenta simular o primeiro num contexto espacial diferente, soa muito mais vazio e, francamente, inútil. O terceiro certamente vai apostar no folk horror, mas eu achei que a Janiak sabia o que estava fazendo. Agora, não mais. 

1666

Mescla bem o melhor de 94, que é a dinâmica juvenil fetichista e hormonal, com o êxito no que o 78 somente tentou, que é assumir um lado mais direto no terror. Ele sai do slasher pra um folk horror contemporâneo em estilo, mas espiritualmente puro. Se aproxima até do pós-horror, se assemelhando, mas não simulando, os neoclássicos, A Bruxa e Midsommar (aí seria cobrar demais também). Reforça o discurso político, cria a melhor atmosfera no que se refere à situação de Pânico, urgência e claustrofobia, tudo sem perder um sentimento romântico e enérgico consigo mesmo. 

Mas falo Isso 1666. A parte 2 de 94 pega no gancho da boa imersão e se beneficia disso, mas não deixa de Ser demasiado heróico e abrupto em como encerra as pontas, o que sempre me incomoda nessa aproximação "marvelesca" na resolução de conflitos. Por Isso rebaixo um pouco a Nota. 

A trilogia como um todo me agradou muito. Ela resgata bem as sensações idealizadas de seu tempo e dos livros inocentes do Stine. Espero revisitar esse Mundo.

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Stillwater (2021) - Tom McCarthy

Hollywood em uma fase nostálgica com filmes de aura mais clássica, primeiro com a ficção científica noir-romântica, Reminiscence, e agora este Stillwater, que apesar de sua adaptação do caso real de Amanda Knox, lembra vários filmes dos anos 80 e 90 sobre o pai vingador.

No entanto, com introspecção. E não é fácil fazer com que eu goste de um cowboy claramente trumpista - uma piada rápida do filme.

O grande tema acaba sendo culpa e mudança. E eu sempre adoro filmes que têm cenas com rimas visuals na primeira e na última cena. Stillwater começa com trabalhadores limpando uma área destruída pelo furacão, enquanto contam como os americanos não gostam de mudanças, apenas esperando a limpeza para reconstruir suas casas e retornar ao local agora dizimado.

Um espelhamento do interior do personagem de Damon, que às vezes parece um robô - aqui no Brasil, seu rosto seria perfeitamente adequado para perfis no twitter dos bolsonaristas -, com frases curtas e afirmativas, pouco diálogo e nenhuma emoção expressa . Alguém com vontade, simplicidade e aceitação de apenas acordar e fazer o que precisa ser feito, sem tempo para analisar o que gosta.

Se fica um pouco perdido no meio, ainda oferece belas imagens, principalmente nas trocas de interação com a criança francesa, totalmente natural e charmosa na tela. E McCarthy foi funcional ao compreender que a introspecção dos personagens, como estudo, importa mais do que a narrativa fácil de vingança e investigação. O cerne do filme acaba sendo a jornada de descoberta e abertura sentimental de Bill Baker, entendendo uma nova cultura, novas pessoas, para amar e dar a si mesmo uma segunda chance.

O close-up final em seu rosto e a frase rápida, portanto, parecem uma construção inteligente e bem pensada. Uma imagem poderosa e significativa. O ambiente não muda, mas nossa perspectiva sobre ele, sim. 

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Fate/stay night: Heaven’s Feel II. Lost Butterfly (2020) - Tomonori Sudo

"Eu não sou mais virgem."

"Estou maculada agora."

"Eu pertenço a Shirou agora."

Que filme desprezível, nojento e lamentável. Podre até o âmago, a pior visão dentro da mente de um otaku. A dita "Rota de Sakura", mas nem por um momento contando sua história, apenas usando-a ao longo de todo o filme como um objeto para os homens e para a trama. Submissa e subserviente aos homens toda a história. Sakura não alcança nada por suas próprias mãos e mente, fora a loucura causada por sua situação. Ela não pode salvar a si mesma, mas sim sendo uma lady em perigo como uma adolescente frágil ou como um espírito vingativo. Tão precisa e obviamente escrito por e para homens misóginos.

E pior, por fracos, rejeitados socialmente e falhas da natureza. Sinto muito, mas você não pode gostar disso sem ser um incel. Segue a agenda shonen para agradar os rapazes, mas principalmente até mesmo os machos reprimidos, ressentidos e amargos que cresceram assistindo pornografia e hentai sempre sonhando em conseguir garotas, mas não tendo coragem ou iniciativa para iniciar conversas (pelo menos alguma interessante), então canalizar em ódio para com as mulheres, culpando-as por não saberem apreciar homens "verdadeiros" como eles.

O Japão é um país conservador com muitas abordagens problemáticas em como retrata as mulheres na cultura popular - mangá e anime são o assunto aqui. O sexismo está implícito ou explícito em cada hit que vi, tornando-se popular também nas regiões ocidentais - Saint Seya, Naruto, Dragon Ball, Bleach. Assisti ao último grande fenômeno, Kimetsu no Yaiba, e apesar de não ser excessivo, havia novamente mulheres retratadas como mais fracas ou mais sentimentais que os homens, precisando de proteção e outros estigmas obsoletos. Mas nada me preparou para ver de forma tão evidente e direta como aqui. É ainda pior do que o hentai, porque o hentai assume que você é um pervertido com moral duvidosa. Mas em um blockbuster de animação de um estúdio famoso para um público maior que teve a audácia de fazer o que parecia normal aqui, eu primeiro fiquei chocado e depois apenas rindo de incredulidade. Ridículo.

Isso deve ser estudado como um guia perfeito de como as coisas estão erradas no Japão e para entender a mentalidade dos incels. O que é mais divertido é que o protagonista Shirou foi escrito para espelhar como o nicho em foco deve se sentir representado por seu arco, um garoto tímido e magro com alta ética e coragem para sacrificar e proteger os mais fracos. Mas como, no final, eles são todos como Shinji. Envergonhado, megalomaníaco, ávido por atenção e sem nenhuma habilidade. Todos os abusadores em potencial - não, mesmo os abusadores reais se masturbando e se alegrando ao ver a objetificação de Sakura. Eles não gostam de mulheres, eles querem uma boneca sexual que não pode rir por seu pau pequeno e flácido.

Sim, a animação é maravilhosa. Sim, a trilha sonora é ótima. Mas nada merece qualquer elogio após o conteúdo abominável. 

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Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba Sibling’s Bond (2021) -  Haruo Sotozaki

Então, por muito tempo eu queria "ter assistido" Kimetsu no Yaiba, não exatamente assistir. Deixei o mundo dos animes há alguns anos, mas nunca totalmente. No entanto, minha conexão permaneceu principalmente com remakes ou sequências de animes que têm alguma conexão com a minha infância (Pokémon, Digimon, Shaman King, Yashahime). O último trabalho novo que venho acompanhando é o BnH, e meio que me arrependo - agora, porém, vou até o fim.

Um anime de 26 episódios já se tornou muito longo para mim, então essas recapitulações do filme foram uma boa conveniência. Uma chance de entender por que falam tanto sobre isso, com referências em toda a mídia social, e um filme que se tornou a maior bilheteria do Japão.

E bem, a partir deste primeiro filme, eu realmente não consigo entender. Os padrões que gritam "ei, eu sou um shounen com sangue e luta, vem cá meu jovem" estão por toda parte, e ainda assim, todos os elementos, consequentemente comparáveis ​​a dezenas (ou centenas?) De outros animes, são inferiores e deixam muito longe dos clássicos. O protagonista não possui uma característica marcante que o torne adorável, deixando sua moral em um mundo tão didático e irritante (portanto, nem perto de Goku, Naruto, Luffy, Yo, InuYasha...Mesmo considerando o protagonista quase nunca o melhor personagem dos animes. No máximo, acho que o lead aqui se compara ao Deku do BnH, alguém já bastante previsível e descartável, sem muita evolução além do básico). Porém, os personagens coadjuvantes ainda não foram suficientemente apresentados para julgar como será o elenco de apoio em si, e algumas questões que acredito devem ter sido melhor trabalhadas com o anime  serializado(como a relação entre aluno e mestre, já que o mais velho demonstrou carinho pouco explorado e justificado no filme), enquanto o primeiro Demon Slayer a aparecer é bem "cool" e frio (Sasuke, Ikki, Sesshoumaru) e deve ressurgir em breve.

Mas o mundo, especialmente, não é muito convidativo, ocorrendo na era Meiji que não pode mais ser considerada feudal. A mitologia ainda é inexplorada para criticar, mas até agora não me comoveu e me fascinou, com demônios sendo facilmente subjugados pelo protagonista, que já parece ter começado muito forte, porque mesmo que haja outros demônios mais poderosos, é natural imaginar que, começando de baixo, ele também sofra com isso até que seu poder cresça - e não comece já acima do cenário proposto. Isso mata a química e a preocupação com o personagem.

Os únicos elementos que realmente me conquistaram foram os fantasmas das crianças que o ensinaram, assim como o flashback do grande demônio, que dá uma sensibilidade bacana ao trabalho e até reforça a postura anti-morte do protagonista. Mas muito pouco, ainda, para me fazer entender o apelo da obra e seu sucesso. Até a animação tem esses momentos ruins - e excessivamente - de CGI, não apenas em batalhas, mas também em neve, caminhada e ângulos aéreos. Veremos nos próximos filmes se a qualidade aumenta.

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E é isso. Bons filmes!

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