Duna (2021) - Crítica


Quando o respeito se torna um perigo? Quando vira reverência, fanatismo, um fundamentalismo religioso. Mas não estamos aqui a falar de religião, mas as mesmas mecânicas que regem o ato de criar um sentimento forte por algo a ponto de chegar ao prejudicial. Ao que parece, esse é o caso de Villeneuve com a seminal obra de Herbert. Fã devoto do livro, o diretor não hesitou ao afirmar que seus dois últimos trabalhos, A Chegada e Blade Runner 2049, foram ensaios para se habituar e aperfeiçoar no gênero. Por esta óptica, é como se toda a carreira do canadense fosse uma Estrada para chegar a esse ponto, qual ele se mostrou merecidamente - mais no ponto artístico mais do que financeiro - apto. 

Catalogado como uma obra "inadaptável" após os fracassos de Jodorowsky e Lynch, dois diretores com mais assinatura que Denis, o livro constrói em mais de 500 páginas uma mitologia complexa, ousada e original - ou era em seu lançamento, já que as décadas posteriores o transformaram num referencial primário do gênero, sendo inclusive uma das principais inspirações a Star Wars. O desafio de quem assume sua adaptação, então, é dupla: a de transportar com eficiência um livro complicado e manter um interesse e naturalidade para uma trama que pode soar repetitiva na realidade cética contemporânea. 


Villeneuve é, portanto, alguém que reverencia tanto o Duna original quanto os Fremen ao Muad'Dib. Sua abordagem de Duna se aproxima muito dos vistos em Blade Runner e A Chegada, uma tecnocracia impressionante, mas cinzenta. Se há um propósito a Isso como uma representação da aridez intimidadora de Arrakis e a paranoia e melancolia dos jogos políticos das grandes casas, Villeneuve estende essa frieza ao desenvolver seus personagens, distanciando o público emocionalmente dos incessantes conflitos, físicos ou psicológicos, Daquele Mundo. Paul é frequentemente Expresso abraçando certos personagens, uma indicação de respeito e amizade, mas o texto jamais se dá tempo para explorar isso, com tais atos soando mais como recursos expositivos e visuais para algo não sentido na trama, o que reverbera nas tantas mortes e perigos por figuras importantes, vistas com indiferença. 

Enquanto Blade Runner lidava com vazio existencial e A Chegada com empatia, a primeira parte desse Duna, pelo menos, estagna na área da assepsia tecnológica. Mesmo que seja claramente um filme mais coeso que o de Lynch, isso se deve mais à permissividade do estúdio envolvido do que dos realizadores em si. Lynch notoriamente elaborou na obra sua fascinação absurdista e pelo psicodélico expressionista, enquanto Villeneuve, com toda sua liberdade criativa, adota o formalismo sóbrio e realista do blockbuster moderno. Crível de carpintaria modernista, e tais quais os prédios de metrópoles, sem personalidade fora uma beleza inerte. O vazio existencial de Paul, por consequência, está em cada cenário, frase e devaneio. Não há prazer em sua vida após o atentado a sua família, assim como não parece ter Villeneveu ao fazer seu filme dos sonhos.


Pois o fanatismo traz consigo o alarme se ser fiel a tudo, e por Isso o diretor subestima as diferenças entre as mídias e se mostra mais preocupado em ilustrar o livro do que de fato dá-lo vida, como um jogo de slides promocionais, ou as fotos de divulgação de um hotel. Bonito, mas estático. 

Nisso, ao menos se reconhece o grande mal do blockbuster pós-Dark Knight, que é o realismo como única alternativa, ignorando o potencial de cada produto em si. George Lucas, tantas décadas atrás, entendeu muito melhor o próprio Duna ao criar um Space Opera com pulso, delicadeza e paixão, mas não fascínio, e justamente por Isso fazendo uma homenagem maior ao livro. 

Para piorar, Duna não se sustenta por si só, sendo um recurso desesperado para angariar recursos a uma segunda parte que não sabemos se veremos. Tudo parece uma grande introdução sem clímax. Não há desculpa de dividir o livro, pois Senhor dos Anéis é de fato um só grande livro dividido em três partes por questões comerciais e de conveniência, e a cada filme Peter Jackson conseguiu dar um arco próprio e conclusivo, mesmo que deixando uma missão maior para o final. Cada longa A=ali funciona separadamente e se engrandece pelo conjunto, enquanto Duna é como um piloto de série sem sequência. Um longo e muito caro, por sinal. 


Claro que se lançada, a segunda parte da obra - a mais intensa e impactante - pode dar sentido e dignificar sua precursora. Mas a timidez devota de Denis parece já ter sentenciada suas adaptações como meramente fieis. O trabalho de um fã, que por acaso é cineasta, e não um diretor que fortuitamente curte a obra. Basicamente o que Seria de Todo filme que adapta livros e quadrinhos se os envolvidos fossem os nerds de seções de comentários de sites pops, rs. 

Como disse o próprio Jodorowsky: "A forma é idêntica a tudo que é feito em todos os lugares, a iluminação, a atuação, tudo é previsível."

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