O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface (2022) - Crítica

Por trás do mito que se permeou do Texas Chainsaw original e seu histórico de banimentos e boicotes em nações inteiras, há uma verdade contraditória pouco percebida naquele filme: há muito pouco gore nele, ainda mais considerando a arma bruta e sanguinolenta empunhada por Leatherface, e a abordagem trash assumida na franquia dali em diante, como se fosse uma homenagem. Está é apenas uma, na verdade, das interpretações injustas que nublam a qualidade do clássico longa de 74, banalizada por intermináveis sequências incoerentes e ridículas. 

Por trás das mortes e do conceito de seu slasher, tudo que parece ter se registrado da obra na cultura pop (equivocadamente), há uma intenção muito sutil e eficaz em retratar a década até então e as perspectivas de uma nação, refletindo seu antes e depois. Há quem leia a própria família de canibais como a vítima de um sistema de abandono e desprezo que substitui pessoas como embalagens, aí relegando a nada quando trabalhos manuais são superados pela tecnologia (o serviço em matadouros). A juventude saindo da cidade grande e sua ilusão por distanciamento encara ali, no interior do Texas, a verdadeira face americana, indefesos na crua noção de solidão e desamparo perante uma força demoníaca maior. Pode ser um louco de motosserra ou então o cotidiano da fome e da miséria. 


Fora a sequência direta da obra, também dirigida por Hooper, o que sempre faltou pra franquia foi uma temática que se desapegue do gênero como se ele por si só fosse bem resolvido para rejeitar qualquer outra função. No cinismo atual, não é à toa que o pós-horror tomou o lugar do Slasher, justamente por essa fadiga e aceitação mundana de massacres que esvaziam muito do impacto de um sujeito só lhe perseguindo com arma branca. Se O Massacre 2, entretanto, era uma própria desconstrução e deboche do original, O Retorno de Leatherface, como ficou o subtítulo deste lançamento Netflix, se assume como uma continuação direta do filme de 74, apagando o cânone de todo o resto, e pela primeira vez vemos uma ideologia não de homenagem, mas de se reconstruir sobre o legado de quase 50 anos atrás.

Por mais que a trama ainda seja refém de um grupo de jovens, há aqui um verdadeiro significado para isso além do mero público-alvo, assim como um número muito maior de pessoas (leia-se vítimas) envolvidas. O que a direção de David Blue Garcia e o texto a 6 mãos (com participação de Fede Alvarez, de A Morte do Demônio e O Homem nas Trevas) fazem é replicar essa natureza-morta decrépita e perniciosa que compunha a grande arquitetura que torna tão intimidante a atmosfera do original, visto que, repito, sua artimanha não está nas mortes, mas no clima de horror quase insuportável que recobre a tela. Os campos de plantação mortos pelo calor impiedoso, o chão de terra e as construções abandonadas como que esquecidas no tempo e que rejeitam a civilização. Todo esse design de produção busca aqui ressuscitar essa vibe intimidante, com êxito parcial que esbarra num gap cronológico e tecnológico: a estética do analógico pro digital. 

A granulação e as cores de 74 eram o que davam (ou retiravam) a vida em tela daquela região inóspita que a todo instante queria repelir qualquer um. Aqui, há esse ideário por trás das paisagens, mas enquanto a fotografia antiga causava repulsa e medo ao filmar o céu e tudo que ele toca, há uma imprestável beleza nos girassóis sem vida que cercam o túmulo que Leatherface faz à Senhora Mc, o que por si só dessensibiliza e cria o efeito contrário ao desejado. 

É uma pena, por preguiça ou ignorância, que sujeita muito de como o público vai encarar a obra em si, já que o Leatherface está tão aterrorizante e mortífero que nunca, silencioso e imponente em seu corpanzil que preenche a tela, com um olhar gutural e primitivo que parece reservado às feras. A cena do ônibus exibe, também, está contradição de procurar achar poesia na morte, o que não faz sentido semiótico, cercando de luzes neon o genocídio de seu nêmeses, mas não exatamente vilão, já que assim como há quase 5 décadas, ele também teria sua história para contar de como jovens burgueses e hipócritas vieram tomar sua casa com um banco e mataram sua mãe, a expulsando ilegalmente da própria propriedade. 

Essa temática social é o que diferencia Leatherface de seus concorrentes slashers em pleno Século XXI, que é um olhar enraivecido e indignado de uma injustiça que se repete. Do vazio e falsidade por trás de moralismos vindo de pequenos ricos privilegiados. O que resta é saber equilibrar esse contexto com os jogos do estilo, e por mais irregular que seja, este novo Massacre é quem melhor fez isto depois de uma infinidade de sequências inócuas.

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