Morbius (2022) - Crítica

Na era da hipérbole, em que não basta ser bom, convincente ou satisfatório, todo novo lançamento precisa ser "o melhor". Isso se atesta especialmente pela Marvel, em que cada sequência ou título original parece carregar o peso do resto da franquia, tendo de conviver com um universo compartilhado e estabelecido, que por si só, mesmo que introduza um personagem, arrasta uma multidão de fãs e acontecimentos pregressos. É elemento do imaginário coletivo do MCU aguardar seu maior capítulo frequentemente. Cansados disto e, talvez, resignados com a impossibilidade de tal fato se repetir após os eventos dos últimos Vingadores e uma espécie de reinício dos heróis, a chave parece ter virado do avesso: agora, virou rotina taxar os filmes como "o pior até então". 

Primeiro longa do MCU com percentual negativo no Rotten Tomatoes, Eternos teve de lidar com a alcunha, mas por poucos meses, ao que se parece, pois Morbius chegou e, rapidamente, ganhou para si a fama de pior filme da Marvel, mesmo que não seja do MCU em si, ainda que parte deste agora multiverso que transcende até mesmo uma produtora. 

Bem, pobre Morbius então, pois diferente de Eternos, ele não tem um fandom de empresa ávido por defendê-lo e carregar seu legado para além-tela, talvez até o contrário, visto a birra do MCU pelo intercâmbio do aranha entre universos. Fato é, que por mais mediano e cheio de erros que o vampiro da Marvel seja, ele não deixa de possuir virtudes inimagináveis no portfólio verticalizado da Marvel e sua padronização, tendo justamente alguns pequenos momentos invasivos nesta necessidade de referências impositivas de algo maior que conecte personagens e histórias - o aranha e Venom, assim como o eternamente sugerido sexteto sinistro, que a Sony sonha em fazer desde os aranhas fracassados de Garfield. 

Pois Morbius encontra seus melhores momentos justamente quando desconectado não somente do MCU, mas do Modus operandi do gênero como um todo e a percepção do público de como eles devem ser. Não bastaria, honestamente, ser deslocado e sem intenção de pertencer a algo maior, mas o próprio tempo surge como empecilho de Morbius. É um filme jogado à contradição do querer e do precisar ser. Venom enfrenta algo parecido, e encontrou um vestígio de originalidade e simpatia em driblar a origem e essência de seu protagonista, conseguindo transformá-lo de vilão para anti-herói com o charme do bromance conflituoso e galhofa com Tom Hardy. É um filme irônico e que flerta com a zorra, mas que na hora do embate, da seriedade, se desnuda de qualquer senso particular para assumir seu papel como mais um na estrutura do gênero, do barulho e da destruição. É um filme bastante falso neste sentido, que se vende como algo que não é, ansioso por tão somente fazer parte da pasteurização de indústria. 

Morbius se desponta com a mesma paixão pela fantasia e pela incredulidade de Venom, com Leto e Smith assumindo com determinação seus papéis, o do homem em conflito com a própria natureza (um dom ou uma maldição?) e aquele que abraça tudo com egoísmo e superioridade, não exatamente uma trama inédita, mas o suficiente para se permitir excessos. Conforme se adentra no lado mais obscuro dos quadrinhos em busca de personagens lucrativos, vai se tornando necessário uma adaptação maior de como transportá-los à tela grande além do senso individual - tudo vira franquia. Com menor repertório que Disney e Warner, a Sony se supera para tentar criar um conjunto a partir das histórias do Aranha, e para isso sacrifica bastante dos próprios personagens - afinal, não se cria uma série a partir de vilões...

Com isso, infelizmente, perde-se também a melhor parte do personagem e da essência vampiresca em si, buscando a adaptação para super-herói e não somente um senso sobrenatural bizarro, algo quase inevitável desde o conceito até a própria maquiagem das criaturas, emulando completamente as de Buffy. Não teria como levar isto tudo a sério sem cair na autoironia, então somente a paixão mesmo para assumir o próprio ridículo para convencer o público a fazer o mesmo. Se os atores fazem isso, entretanto, assim como em Venom, a equipe criativa logo se sabota quando precisa sair das dinâmicas de personagem e adentrar nos conflitos e ações. Se o personagem de Smith dança em frente ao espelho enquanto faz caretas monstruosas, quando em ação, é somente mais um borrão na estética visual copiada do rastro do Mercúrio dos X-Men, só que camuflada na escuridão do design de produção moribundo da Nova York realista que a obra adota - outra contradição.

Fica no imaginário o que seria de Morbius nos anos 90, numa espécie de par e antagonismo mesmo com o Blade de Wesley Snipes (afinal, a história dos dois converge conforme é Morbius quem transforma o caçador, algo descartado na trilogia de filmes), mais barata, porém justamente por isso encantadora, criativa, orgulhosa de sua excentricidade pelo material de origem. Bagaceira, porém quase sempre fascinante e memorável. O que sobra, é um anacronismo que luta para não ser. Um filme com colagem de bons momentos, mas sempre prematuro em tentar emular as emoções que o público espera de um Homem-Aranha, Vingadores, Liga da Justiça. Seja no noir do The Batman ou na falta de personalidade do MCU, parece que não temos mais vaga para romantismo e fantasia nas adaptações de quadrinhos. E num espaço de realismo, não há lugar para uma figura como Morbius - perdemos nós. 

Morbius não é o pior de todos. Ao menos tem algumas passagens a se marcar, diferente da mesmice completamente esquecível de muita coisa do MCU. Mas ao fim, é apenas mais um "e se" perdido nessa multidão de mediocridade. 

Nenhum comentário