Guardiões da Galáxia Volume 3 (2023) - Crítica

Ser capturado inicialmente por uma obra é uma das melhores sensações possíveis, quando sem nem ter tempo de pensar, você está fisgado na tela. Mas também capciosa. E se a fita não conseguir manter a qualidade? Este terceiro volume de Guardiões da Galáxia, felizmente, faz os dois da melhor maneira possível, encerrando as aventuras desse grupo como conhecemos e de Gunn na Marvel como o epítome do que esses filmes deveriam ser, quase sem nunca conseguir. 

Quase 10 anos após sermos introduzidos aos Guardiões, da mesma maneira que esse grupo desconhecido de desordeiros outcasts se tornou tão familiar e querido a nós, o estúdio, na contramão, vem crescendo somente em saturação e indiferença por um amontoado de decisões equivocadas, ruins e preguiçosas. Os Guardiões quase foram vítimas disso durante a demissão de Gunn, e seu retorno não somente evidencia o domínio que exerce neste universo como storyteller, como tudo que anda errado na Marvel.

Pois Gunn consegue algo que até parecia esquecido, improvável da Marvel não fazer: Guardiões é um filme de cinema, e não de boneco, ou de plástico, pra não decairmos muito o nível do argumento. Quando penso nessa alcunha popularizada mundo afora e reforçada por gente do peso de Scorsese, me refiro a longas artificiais, rígidos e esquecíveis. Não falo de melodrama ou manipulação, pois estes são elementos centrais do cinema, porém é necessário saber usá-los. Muito diferente do fanservice insosso de Aranha 3, do sentimentalismo desfocado de Pantera 2 ou tudo de pragmático que saiu nesse meio. 

E eu nem sou fã de Gunn. Não gostei da pressa com que tentou introduzir e criar uma dinâmica com personagens que éramos, quase como um todo, ignorantes em Esquadrão Suicida, onde então seu humor e maneirismos prejudicaram bastante a emotividade que tenta criar no elenco. Porém, com tantos anos e projetos, ou seja, paciência, isto é exatamente o que ele incutiu no grupo dos Guardiões, e em cada um deles. Até mesmo o Especial de Natal, que quase nunca apresentam algo que não somente narrativas inúteis e oportunistas, conseguiu manter a essência desses personagens e aprofundar sua relação, o que é não somente aproveitável, como necessário neste terceiro capítulo, que por si só lida com a perspectiva do luto e o companheirismo como primordial para superá-lo. 

É somente por todo o background que temos destas figuras, e o quão bem Gunn as conhece e considera, que podemos ter uma introdução tão prazerosa quanto ver Rocky andar por Nowhere, aparentemente sem nenhum objetivo, visualizando o restante do grupo em seus afazeres, todos banhados pelo hino universal dos desajustados: Creep. É uma cena simples, quase sem cortes e estilizada numa medida que emociona pela singela e subestimada capacidade de se deixar respirar e observar, algo que a Marvel esqueceu em meio a sua megalomania e obsessão em (multi)universos compartilhados. 

Se toda o incidente que engatilha a trama de Guardiões III nos convence e faz sentido, é justamente por que nos importamos com esses personagens e sabemos o quanto eles são importantes um ao outro. Não é sobre salvar o mundo, a terra, a galáxia, e sim um amigo. Gunn tem tanta noção desta simbiose emotiva entre a gangue e o público, que mesmo elementos que muitos costumam criticar como uma falta de senso de urgência pela noção de que "ninguém morre" se torna sabotada pela química com que apoiamos os Guardiões, o que por si só gera a torcida de que sobrevivam a despeito da situação e do quão "maduro" iria soar uma fatalidade. 

Conseguir transpor tais sentimentos e mensagens em tela são tão somente retrato do bom trabalho da equipe e Gunn, especialmente, sem soar piegas e clichê, e somente traduzível pela imagem e pelo som, elemento tão primordial na trilogia. A linguagem universal da música, em que a letra importa menos do que a melodia, em que seres de idiomas e espécies diferentes compartilham momentos a um som em comum ou à catarse através da dança, tal qual os sentimentos que o impulsionam a tantos atos para salvarem uns aos outros e qualquer um que esteja em perigo. É por ela que Gunn expressa e reforça o amor, a tristeza e quaisquer sentimentos de suas criações.  

É um refresco ver como uma aventura tão contida, sem referências maiores, se sustenta dentro de um estúdio que parece tanto rejeitar o microcosmo, perdendo, neste processo, o que mais importava nessas histórias - a humanidade, compaixão e empatia de seus personagens. Os Guardiões da Galáxia voltarão, não sei como. Mas os de Gunn, sempre estarão ali, inigualáveis, como uma sinfonia única. 

Um comentário:

  1. Filmaço mesmo. Já dá pra considerar como um dos melhores da Marvel. Superior a tudo o que saiu nos últimos anos, o que não foi difícil.

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