Barbie (2023) - Crítica

Conversar sobre Barbie com um público não-cinéfilo sempre foi um exercício divertido, ao ouvir as expectativas e desejos de quem não está familiarizado com os nomes dos envolvidos na produção. Sempre tentei defender o lúdico, mas reforçar que certamente o filme teria algo a mais para dizer considerando os nomes de Greta Gerwig e Noah Baumbach. Como a cineasta conseguiria mesclar sua assinatura com as demandas e limitações mercadológicas de uma obra...publicitária. Ao menos os materiais de divulgação iniciais já afastaram algum temor de realismo. Meu maior porém em seu final, entretanto, fica numa antípoda do que eu comentava com meus colegas não-cinéfilos. O filme é tão, previsivelmente, dentro daquilo que eu esperava.  

Alguns dos pais do Mumblecore, Noah e Greta amadureceram na carreira, especialmente ela, para um tom artisticamente próprio, autêntico e bastante político. Lady Bird e Little Women são expoentes disto, se sobressaindo a alguns esquemas da escola do naturalismo. Barbie, nem se argumenta, traz esse discurso não de uma maneira sutil, por vezes divertida, em outras verborrágica demais, mas sempre consciente. A forma que a diretora conseguiu mesclar sua própria autonomia com os da Mattel, presume-se, está na autorrefência e, como supracitado, na autoconsciência. Se em seus filme anteriores, a busca por identidade foi central dentro dos respectivos universos, é ainda mais fácil atribuir a jornada existencialista quando falamos de um mundo de bonecos, brinquedos, cujos proprietários não deixam de ser seus próprios deuses. Assim, deixar de seguir o protocolo rotineiro da vida dos sonhos das Barbies acaba sendo o que o próprio Sartre sempre discutiu em sua miscelânea. Fazer o próprio destino. O que não vem, naturalmente, sem algum trauma antes. E muita incerteza depois. 

Não há explicação, mas tanto as bonecas quanto algumas pessoas parecem cientes da existência de tal outro mundo, ainda que com ideias enviesadas de tal. E se não é exatamente um filme infantil, permeado por um discurso amadurecido e que busca identificação em gerações que cresceram com a boneca mais do que àquelas apresentadas a ela neste momento - até pelas questões políticas que defasaram a linha e são, é claro, inseridas no texto -, Greta e Noah calcam boa parte de suas alegorias através da comédia satírica, sem receio de atingir o besteirol, com o álibi da "pseudointelectualidade" como intenção. 

Há momentos divertidos, especialmente num Ryan Gosling completamente entregue ao ridículo de seu papel e a própria configuração da existência de Ken - cuja profissão é "Praia" e principal objetivo é ser notado por Barbie. Os contrastes sociais entre a Barbieland e o mundo real acabam se restringindo ao humor, enquanto é no design de produção que o impacto se reforça. Entretanto, essa autoconsciência vem com o preço do esgotamento e da superficialidade camuflada. Não tem nem como culpar completamente os realizadores quando a autorização da empresa por trás da marca é necessária a cada página e ideia. Mas a paródia resvala no cinismo, por exemplo, na retratação da diretoria da Mattel, cuja busca por lucros vira uma caricatura inofensiva e abobada comandada por Will Ferrell. 

Entre as risadas e boas sacadas, que parecem querer jogar que "viu só, tem algo inteligente por trás", fica evidente este lado mercadológico e esquemático, sempre bloqueado por um limite intelectual de até aonde ir sem ofender de fato ninguém. Greta tenta satirizar todo este conceito, como ao mostrar bonecas Barbie "deprimidas", do quão longe a indústria iria por uma falsa representatividade, e enquanto os personagens flutuam nesta fórmula, sem jamais se aprofundar de fato, fica claro que é aí mesmo o destino. Dinâmica explícita como um absurdismo impotente, por exemplo, no patriarcado disfarçado dentro das empresas qual Ken tenta se inscrever no mundo real. Papéis de gênero, expostos ao escárnio, sem sopesar a dimensão de tal acusação, ou lembrete. Greta parece descartar sem cerimônia tantas ideias jogadas no roteiro, algumas tão interessantes, como esta sugestão dos incels proliferando na revolta da própria insignificância. A resposta para tal abordagem é romantizada, apressada e fácil demais. Um desperdício. 

Isso não quer dizer que ela não consiga virtudes para seu primeiro blockbuster. A parte técnica, novamente, é um arrombo. Em minha sessão, algumas mulheres que aparentemente possuem histórico com Barbies riram e comentaram sobre vários adereços e casas da personagem, e a recriação disto ao live-action, com figurinos e cenários reais oferecem bem a sensação artificial da vida utópica de fantasia em que vivem, tão frágil como deveria ser. E dentro desta proposta de abraçar o ridículo, são os momentos musicais que se destacam tanto pelas coreografias quanto pelo ambiente espalhafatoso, que até deixa no ar a questão de se não poderia ser um filme inteiramente do gênero. 

Talvez, o erro mesmo tenha sido meu de sobrepor os artistas aos executivos e desejos mercadológicos por trás de um longa destes. Logo nesta era. Barbie é uma bonança calculada, uma excentricidade manipulada para limpar a imagem de uma indústria que, como as pessoas e suas Barbies, nos controlam. Greta e Noah tentam, mas eles mesmos, em sua inventividade, são muito reféns do que lhes é permitido. Barbie pede socorro e vai atrás da própria identidade, assim como os Ken. Mas no fim, sempre terá alguém nos vigiando acima. 

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