Wonka (2023) - Crítica

É estimulante a sensação de acompanhar um nome crescer na indústria cinematográfica e passar a se sentir no dever de apoiar seus novos trabalhos na tela grande. E ainda mais satisfatória e emoção de ver tais expectativas serem cumpridas. É como me sinto com Paul King, jovem cineasta que trouxe um novo vigor e frescor pro cinema juvenil, sem desrespeitar o espectador adulto. Seus Paddingtons estão entre as melhores produções da década passada, traduzindo para o cinema a vida do ursinho com alegria, magia e muito coração. Num cinema contemporâneo que parece rejeitar a fantasia e a ilusão, mesmo quando focados num público que precisa disso, é um deleite presenciar um cinema que se permite ser colorido, engenhoso e absurdo.

O passo de emancipação de uma franquia segura e qual já dominou é sempre arriscado. Mas King realiza a transição com bastante confiança e criatividade em um longa que, claro, também conversa com uma faixa mirim, mas não deixa de fazer parte de um personagem conhecidamente ácido e com traços sádicos. O que King e sua equipe fazem é inteiramente uma nova roupagem da figura de Wonka, com referências em figurinos e maquiagens, mas reinventando símbolos.

Enquanto na adaptação de Burton da obra original, as cores são exaltadas pelo padrão do diretor para ressaltar uma excentricidade do personagem, aqui a escura Londres que parece situada num pré-2ª guerra ganha vida e contornos mirabolantes quando o encantador, carismático e sonhador Wonka entra em cena, refutando uma visão pessimista e moribunda da vida e das pessoas mesmo que na pior das situações, e conduzindo a todos a seu lado como um ímã não exatamente ao sucesso, mas a uma realidade filtrada em positividade. É uma filosofia que poderia soar presunçosa, cansativa e demagógica, utópica, quanto mais nesta era em que vivemos, mas soa convincente e muito bem-vinda dentro da narrativa construída por King e conduzida por um Timothée em estado de graça, no que pode ser descrita como sua primeira atuação de superstar. 

Vejamos bem, num momento em que o cinema Ocidental parece buscar um realismo inócuo e deprimente mesmo quando fala de super-heróis, monstros gigantes e alienígenas, em produções enormes, porém aborrecidas e melancólicas quando deveriam seguir o exato oposto - nada pior do que uma Pequena Sereia em que o fundo do mar realmente parece escuro e inóspito (crítica que pode ser adaptada a quase todo live-action da Disney, aliás) -, é caloroso e até inebriante ver um artista, relativamente novo, que ainda conserva uma paixão ingênua e idealista para pintar em tela.

E é essa mesma visão dele, que já tínhamos visto em Paddington, qual Wonka, que conduz toda a narrativa, é retratado. Sem os traços de rabugice, psicopatia e sadismo dos longas anteriores, mas ainda um jovem encantado com as possibilidades do mundo e mais disposto a reverter as ordens do mundo do que se deprimir por ele - e com um grupo tão contagiado por ele que é capaz de fazer o mesmo pelo amigo num compreensível episódio de baixa. 

Talvez, ou infelizmente, justamente por esse enfoque otimista, entretanto, King comete um deslize similar ao de Barbie, ao ser tímido, ou demasiado caricato na ridicularização de um sistema desigual e cruel que reprime sonhos e tira a cor das pessoas e, naturalmente, do mundo. São antagonistas que funcionam em suas piadas mas traçados numa comicidade quase inofensiva, por mais fatais que sejam suas ações. 

É um núcleo principal e de oprimidos tão delicado e simpático, entretanto, que torna o suficiente a empatia para com o espectador, por menor que seja seu tempo em tela, sempre angariados por números musicais que, embora não pareçam hits para se ouvir em casa, funcionam bastante bem para a condução da trama e elipses mágicas que reverberam o maravilhamento de Wonka para o resto do mundo. 

Wonka não era um filme necessário, nem esperado, mas por fruto de um realizador competente, consciente e apaixonado pelo que faz, rodeado por colaboradores inspirados e certeiros, se torna uma produção que sobressai expectativas e reapresenta uma faceta muito perdida no blockbuster contemporâneo, que é o da magia, da ingenuidade e de que, talvez, as coisas possam dar certo no final. Numa sociedade progressivamente cínica - não sem razão -, às vezes pode ser bom relembrar isso. 

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