The First Slam Dunk (2022) - Crítica

Entre as tantas peculiaridades da indústria do entretenimento japonês, um grande mistério sempre foi a ausência da adaptação em anime da última partida de Slam Dunk. Uma das obras mais icônicas de sua época, o suficiente para preencher o imaginário popular com rostos, nomes e cores até hoje, não se encontra muito sentido para isso e um final tão anticlimático na tv. Se mesmo no mangá houve, por muito tempo, esperança de uma "parte 2" devido a erro da editora, ao menos se concluiu num nível tão alto a ponto dessa demanda por uma sequência; em versão animada fomos privados mesmo desse encerramento. E ele chega mais de 25 anos depois, sem exatamente respostas do porquê, mas com alguma sensação, talvez, de que Takehiko Inoue, tal qual George Lucas, esperasse alguma circunstância correta para elaborar o que seja, discutivelmente, sua magnum opus (e se se discute é justamente pela genialidade e consistência de seu realizador). 

É uma explicação plausível quando vemos que Takehiko Inoue não delega, como assume a direção e roteiro do longa, sem nenhuma experiência prévia na função. É como se tivesse se preparado o bastante para entregar algo digno, e somente com as alterações desejadas e amadurecidas de seu trabalho em todas essas décadas de hiato - considerando que uma das teorias para o cancelamento do anime seja discordâncias entre o autor e a Toei, que pretendia fazer mudanças em relação ao material original.

Quando eu penso nas justificativas do sucesso de Slam Dunk, muito passa pela visceralidade emocional que o anime atinge, com um panteão de personagens muito marcantes em seus arquétipos, ainda que não profundamente desenvolvidos. O anime, em seu humor, relações e jogos, cria uma sinfonia entre tais figuras que exemplifica o melhor do Shonen, e é por isso que se torna agradável vê-los somente conviver ou treinar, mas especialmente sentir a empolgação e nervosismo das partidas, todas capazes de criar um épico em tal microcosmo. 

A escolha mais polêmica de Inoue para o filme, entretanto, conversa diretamente com esse elemento de adrenalina simplória - o que não é um crítica - que Slam Dunk domina. Para trazer o anime ao cinema, digamos, numa estrutura e mídia maior, com novo público, o autor resolve por mudar a perspectiva de sua obra, do clássico protagonista, Sakuraki, um arquetípico personagem comum do gênero nos anos 90 - brutamontes, esquentado e mulherengo, mas de bom coração -, justamente o símbolo do espírito de Slam Dunk, para o que seja talvez o jogador mais coadjuvante e subestimado do time, Ryouta. 

Além de poder criar um arco de superação através da figura "menor" do rapaz, incomum no esporte que se encontra - o que vemos no recente hit Haikyu!! - Inoue usa de Ryouta, calado e observador, para desenvolver um background sentimental que vá além da mera adrenalina esportiva. Nisto, incute no garoto um novelo que se relaciona com todos de seu time, como um organismo vivo dentro de quadra que precisa não somente provar seu valor, mas homenagear a memória de seu falecido irmão, realizando seu sonho nas quadras. 

É uma abordagem nova e ousada, primeiro por sentenciar Hanamichi, um personagem tão marcante e adorado, à coadjuvância, e segundo pela própria escolha narrativa do filme, de dividir seu espaço temporal entre o passado e o presente. Não por este ser um artifício inovador na arte, quanto mais no gênero, como bem sabem os fãs de Naruto, mas sim por escolher não se poiar na emoção viva do jogo como autossuficiente. E isto não é um acerto nem um erro em sua totalidade, mas uma decisão com seus prós e contras. 

Emocionalmente, o filme ganha na ligação extrassensorial entre os jogadores em quadra justamente por pintar relações prévias de cada membro com Ryouta, numa dinâmica clássica de rivalidade e antagonismo transformados em uma amizade "hétero" competitiva, que não deixa de ser primordial ao esporte. Isto expande o potencial imagético do jogo? Aí, acredito que não, pois Inoue parece subestimar o valor de sua própria escrita e direção como catalisador suficiente para deixar a partida como um ápice autônomo e que consiga gerar todos os sentimentos por si só devido ao caráter forte dos personagens e sua relação em quadra. E para isto, nem é necessário conhecimento prévio da obra (o que não quer dizer que não fique melhor assim), novamente um grande elogio ao mundo e personagens que o mangaká criou, imediatamente cativantes. Assim, ao ver Sakuragi dar tudo de si por uma bola, os dribles de Rukawa ou a garra de Akagi, por exemplo, no trabalho gráfico, visual e sonoro do filme, é espantoso como já sofremos por e com eles na batalha épica que se passa em quadra.

Por vezes, inclusive, as "intromissões" de flashbacks em meio à partida mais interrompem as sensações do que as potencializam, deixando até alguma impressão de verborragia para preencher tempo ou soar mais maduro. São cenas que surgem como inconveniente em meio a um jogo que, do começo ao fim, seja nos seus altos e baixos, nunca deixa de ser angustiante e inacreditavelmente impressionante, diria espantoso. Não é sempre que isso ocorre, é claro, e principalmente na relação de Ryouta com sua mãe, temos momentos em que tal conhecimento é enriquecedor para a trama. Talvez, o problema tenha sido o quanto e quando tais cenas foram inseridas na montagem. Inoue tentou tornar Slam Dunk em algo a mais, sem que isso fosse de fato necessário. 

É um pequeno porém, entretanto, para uma orquestra de catarse que é The First Slam Dunk, um longa que em seus melhores momentos provoca uma apoteose de ideias e sentimentos, dos mais primitivos, para dar um fim definitivo e merecido numa das melhores coisas que a indústria japonesa já nos brindou. Numa era de tanta crise criativa em alguns estúdios de animação americanas, ver o nível que pode-se chegar em outros mercados é uma grande oportunidade.

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