Oldboy (2003) - Crítica

Assistir a um filme como Oldboy estando ciente de sua plot é um desafio, mas um que se revela um prazer. Saber de seu icônico twist o evidencia uma "superficialidade" perante as virtudes da fita de Chan-wook. Assim como "O Sexto Sentido", cuja revelação final parece eclipsar as tantas camadas de uma excelente narrativa, que tornam o twist somente um choque expandido por uma trama que tanto nos prendia, e não um acessório primordial para dar algum sentido à experiência - ver de exemplo algumas fitas futuras de Shyamalan, que somente se apoiaram no twist e não na própria consistência, se tornando aí um arremedo, uma paródia de si mesmos.

Oldboy, vendo agora retroativamente, mesmo sendo resultado de um cineasta completando mais de uma década de sua estreia na direção, é também um prólogo dos vícios que ele viria a assumir dali em diante - já introduzidos no capítulo inicial desta Trilogia da Vingança, Sympathy for Mr. Vengeance. O sadismo visual, um formalismo compulsivo em traduzir suas imagens simbolicamente com elegância, mas sem perder a autonomia de surpreender, assim como um elaborado suspense investigativo. São multicamadas, justamente, tecidas com uma maestria tão calculada que permite o caos que se instaura em tela na busca autofágica de Dae-su por vingança. 

Se comparamos com seu útimo filme, são sinais ainda presentes, mas claramente amadurecidos no subestimado Decision to Leave - aí já chegando num ponto de frieza estética e incompreensão por parte do público, justamente pela falta de visceralidade que temos em Olbdoy. Talvez resultado de um realizador que atingiu um nível alto demais de autocrítica e conhecimento da gramática audiovisual, algo que também parece ter atingido Paul Thomas Anderson.

Oldboy, entretanto, é frontal, antes de ser brutal. Já se inicia em uma cena de desconforto e constrangimento que rapidamente escala para o martírio de nosso protagonista e seu cozer interno, mas sem deixar de já revelar a natureza petulante e agressiva do mesmo. Como típico do audiovisual sul-coreano, há um humor bastante latente e que soa inadequado para o tipo de narrativa presente, até percebermos o quanto esta contribui não para aliviar o peso do que vemos, e sim intensificar o mal-estar que se perpetua conforme avançamos nessa epopeia de autodestruição.

Não deixa de ser um conto mítico, surrealista transfigurado num realismo pútrido. Park consegue trazer uma beleza carnal nisto, tanto por seu detalhamento visual, como na histórica cena do corredor, mas também em jogadas inteligentes, como quando o protagonista descobre a verdade sobre sua filha e, ao finalizar de folhear o álbum vemos seu rosto refletido no vazio de uma página, aflito e incrédulo. 

Oldboy é, progressivamente, uma fita de sadismo. Com seu protagonista e todo o sofrimento que lhe é imposto, assim como com o público. Desafiador e provocativo, não há puderes tanto na exposição total de brutalidade, quanto numa sugestão tão dolorosa quanto. Sendo esta uma fita da degradação e decadência, do pior lado humano, por que sentimos tanto prazer em vê-la? A magia do cinema, é claro. Ou algo a mais? 

A arte, em todas suas formas, já nos brindou, por mais de um milênio, com exemplares destrutivos da perversão a qual somos capazes, a transformando em entretenimento e reflexão. Park ilustra alguns dos piores vícios do homem a seu bel-prazer. O resultado é uma cachoeira de sensações. É como se sentir especialmente vivo, estimulado. Extremo e rico em todas as facetas que um filme pode oferecer, Oldboy merece um panteão alto no cânone da sétima arte justamente por isso. O ame ou odeie, não sei deixa a exibição indiferente. 

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