Ninguém Vai Te Salvar (2023) - Crítica

Na famosa citação de Lavoisier: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma (...)". E como isso se aplica no cinema? Com todos os gêneros e subgêneros estabelecidos, em pouco mais de 100 anos de história, alguns já se desgastaram e revitalizaram, e estamos num ponto em que, assim como na natureza, tudo se transforma a partir de um mote original. E até que ponto buscar uma originalidade? "Ninguém Vai Te Salvar" certamente brinca com esse conceito, procurando limites para o já fadigado, mas sempre chamativo filme de invasão alienígena. 

E é engraçado que o medo perante a hostilidade é um recurso onipresente quando se lidamos com tal proposta, por mais que ela se ramifique disto. Seja no drama de Sinais ou A Chegada, na paródia de Marte Ataca! e Tropas Estelares ou o horror escancarado de Alien e Um Lugar Silencioso (até mesmo o precioso ET de Spielberg lida com o pânico, ao menos inicial, de tal contato), tudo se inicia com desconfiança e alguma tendência à agressividade. 

Ninguém Vai Te Salvar, naturalmente, inaugura sua apresentação da mesma maneira, e curiosamente, é justamente nos trinta minutos iniciais em que permanece o mais conservador possível dentro da expectativa do que seria um longa de terror com alienígenas, que melhor funciona. Isto pois, além da experiência prévia de cada um, o básico não causa tédio pelo conceito, e sim na execução. Dentro disto, quando vemos a personagem de Kaitlyn Dever, reprimida e isolada, social e geograficamente a um ponto de questionarmos se é silencio ou mudez (afinal, mesmo quando sozinho, eu costumo falar bastante comigo mesmo, para mim e para as situações em que me deparo), nos localizamos num cenário que mais se assemelha a um slasher rural do que um sci-fi ou similar. 

Brian Duffield, mais experiente no roteiro do que na direção de longas, se sai surpreendente bem dentro desta mecânica, usando a personalidade de sua protagonista, assim como o cenário, para criar setpieces claustrofóbias e agonizantes enquanto ela busca escapar e se esconder dos invasores, de silhuetas e sonoridades sobrenaturais e intimidadoras. A hostilidade expressa através do audiovisual, no puro instinto, enquanto tanto pessoa quanto criatura somente emitem ruídos. 

Enquanto focado nesse suspense "stealth", o cineasta se sobressai, lidando com o som, um filtro escurecido e amedrontador e uma casa antiga, por si só fantasmagórica, além de tão recheada de móveis que permite se criar um tabuleiro, um labirinto de oportunidades para trabalhar com a ação e o thriller. É sufocante acompanhar os movimentos e tentar adivinhar de onde virá o invasor. Mesmo que se saiba, ou pressuponha, o que virá a seguir, justamente pelo empirismo de nossa experiência como espectador, o sentir prevalece pelo bom uso, vejam só, dos recursos cinematográficos. 

É uma pena, entretanto, que certos vícios do cinema moderno sabotem bastante, ainda que não destruam, essa atmosferização do primeiro ato. A começar pela humanização através do trauma, este alicerce do horror social moderno (vejam, por exemplo, o recente hit, Talk To Me). Não que seja uma crítica ou um defeito sua existência, mas parece que toda fita do gênero tenha de inserir tais elementos por via contratual, sem perceber que, por vezes, tais recursos não amplificam de modo algum nossa conexão com a personagem, e sim arrastam uma trama que não pediria tal tentativa. O instinto primitivo da sobrevivência e nossa simbiose com a protagonista se interligam pela comunhão que o diretor passa por nós em momentos como vimos nos 30 minutos iniciais. O próprio Alien, por exemplo, pouco desenvolve suas figuras, e sim nos convence a apoiar sua tripulação pelo horror construído em tal contexto. Se não há verborraria nos diálogos, ela certamente surge no roteiro.

Ao buscar tal rebuscamento, características que não seriam importantes em momentos que se sustentam no terror surgem como questões problemáticas dentro da mitologia e da lógica do universo em que se passa. As razões, origens, inteligência e explicações gerais sobre a trama e o comportamento dos alienígenas. Se o próprio diretor não demonstra confiança em se sustentar na climatização, buscando uma dramatização textual, ele esvazia o próprio filme nesta contradição. 

Novamente, não é algo que oblitera as virtudes do filme, mas as dirimem progressivamente conforme a narrativa avança. Um certo desperdício, que transforma uma experiência que poderia ser memorável em algo somente passageiro. Se transformar a partir de um conceito simples não precisa clamar por uma inventividade malabarista. Às vezes, confiar no básico basta. Foi justamente quando parou de querer ser mais e maior, que a franquia Predador voltou aos eixos. Algo que o monstro "rival", Alien, ainda não conseguiu. Talvez todo esse subgênero precise pegar a esteira de "Prey".

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