Retratos Fantasmas (2023) - Crítica


Nada mais somos que constituintes de nossa memória. Perdê-la nos priva de nossa essência e história, de quem fomos sendo construídos através de experiências interpessoais e a interação com o ambiente. Sim, pessoas e o ambiente. 

Em Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça Filho usa de sua Recife, e mais do que uma homenagem à sua cidade natal e atual, descreve o processo melancólico e resistente com a qual vamos enfrentando a mudança urbana que colide com nossas lembranças de um local tão querido. Nada muda através das recordações, mas ainda nada é o mesmo. Se envelhecer consiste em enfrentar tantas mudanças sociais, ver aquele espaço ser deixado para trás, mas com a manutenção pela reminiscência tenra, tanto Kleber quanto sua região e os cinemas de rua de Recife, especialmente o São Luiz, se tornam não retratos de nostalgia, mas atos de resistência contra um movimento de destruição da própria origem. Com cheiro de mijo e uma estética de abandono degradada, as recordações de Kleber e suas fotos e imagens antigas contrastam com um Presente em que a cultura é substituída por templos de doutrinação. Como enfrentar tal mudança? E o que elas significam? 

Na escrita em Kanji, dor e felicidade só se diferenciam por um pequeno traço. Tanto na fantasia de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças quanto nos documentários viscerais sobre a ditadura da Indonésia, The Act of Killing e Look of Silence, é possível identificar a temática de que, por mais dolorosa que seja, somos constituídos de nossa memória, e a dor não deve ser apagada, pois como também vimos mesmo em Divertidamente, não existe alegria sem pesar, não existe vida sem morte, não existe mudança sem reconhecimento.   

O cinema sempre será, mesmo na ficção, um documentário temporal. Em que a abordagem de seu lançamento pode ser reinterpretado quando em décadas posteriores. Um exercício de memória e revisão. É o esquecimento e a idealização que permitem, por exemplo, que a história se repita, como tragédia ou farsa. 

Nisto, Retratos Fantasmas não é somente um filme, uma apologia ou uma ode. É um monumento de combate, um manifesto de recordação e insubordinação. Talvez estejamos invisíveis, mas não esquecidos. Jamais ausentes. 

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