Godzilla e Kong: O Novo Império (2024) - Crítica

Há poucos meses fomos contemplados com o privilégio de assistir "Godzilla: Minus One", um verdadeiro milagre cinematográfico, para muitos o melhor da enorme história dessa criatura. Vencedor de um histórico Oscar, um dos raros merecidos hoje em dia, Minus One respeita a origem do monstro e o atualiza num melodrama antropológico que é ao mesmo tempo tocante, emocionante e épico. Não poderia ser mais diferente do que esse Godzilla e Kong, a visão Ocidental do lagartão. Mas não, isso não é um demérito. 

É um filme fácil de criticar. "Descerebrado", bobão, ou com altas doses de metanfetamina, como desdenhou Elon Musk do primeiro capítulo que confrontou os personagens. É preciso viabilizar a maravilha que é imaginar que criaturas com 90 metros de altura, nucleares, escamosas, alienígenas, existam. Não se trata de um terreno comum ou realista. Para crer nelas, em muito se pode abdicar. E a visão de Adam Wingard é justamente essa, a da ode à imagem e a descrença.

Muito por isso, mais do que nunca este filme se passa na terra oca, totalmente imaginativa e aberta a qualquer ficcionalização, sem compromisso com a realidade. Da geografia à fauna, nada deixa de ser possível dentro dela. E resolvemos isso com a simples exposição de que menos de 5% do território foi mapeado. Se nestes 5%, ínfimos, tantos conceitos fantasiosos são visíveis, qual o limite para a imaginação?! Nisto, criaturas aladas e bioelétricas, macacos gigantes ou uma titã que cospe gelo se tornam somente uma norma. É claro que isto existira ali.

Um orçamento generoso para recriar seres de tão fascinante design visual e de som, as imaginando em um embate apocalíptico, é belo demais para se desperdiçar em argumentações sobre realismo, quando é justamente esse realismo que sabotou, saturou e esvaziou tanto do cinema blockbuster desde que toda Hollywood interpretou erroneamente o Dark Knight de Nolan. Há espaço para tal abordagem, naturalmente, mas até quando? A própria Marvel se afundou nisto, com seus bonequinhos voadores que soltam laser. E o primeiro Godzilla, especialmente, buscou criar um thriller lovecraftiano sobre a existência de tais monstruosidades em terra. É o menos memorável de toda essa inconstante saga do Monsterverse. Foi somente ao abraçar o absurdo, a magia, que de fato se alcança o potencial de acreditarmos na existência destes titãs.

Isso não é uma negação de defeitos. As tramas humanas verborrágicas e que nunca deixam de soar como encheção de linguiça até as batalhas são quase onipresentes, fora pequenos enxertos, normalmente desfocados no drama e já adeptos do próprio absurdismo. Por isso mesmo é que o Dan Stevens good vibes, veterinário de titãs e com seus aparatos convenientes e tecnológicos, parece mais alocado àquele mundo do que cientistas e militares. Não é um personagem devidamente sério, mas um apaixonado e devoto a crer e no verdadeiro milagre de onde está e o que se vê.

Também há certa leviandade no uso e introdução dos titãs presentes. Godzilla é visto lutando e matando alguns, de design bem interessantes, em completo plano secundário, deixando um ar de desperdício neles. Assim como todo o background do vilão, Skar King e da titã Shimo, que são resumidos em uma linha de diálogo bem insuficiente para expandir o lore e dar alguma profundidade para sua relação que não somente de descarte ou antagonismo preguiçoso. Desenvolver tais personagens seria um benefício ao filme e suas imagens potentes, aí não somente como uma vitrine, e sim substância. 

Sempre teremos, é claro, o cotejo de Minus One, seu orçamento diminuto e o alcance emocional e técnico que atingiu. Novamente, é questão de abordagem. Enquanto naquele, a destruição de Ginza é sobrecarregada de horror e angústia, com o lamento por uma vida, aqui temos a destruição como uma atração circense. E a obliteração de maravilhas da humanidade como espetáculo principal. 

Seria, entretanto, injusto destituir toda carga dramática do filme de Wingard para somente showoff, e o papel de Kong e seu "iniciado" é justamente aproximar uma humanização narrativa em escala titânica do que não vemos nos arcos humanos em si, meros observadores impotentes da real ação. 

É um desperdício se privar de uma experiência se basilando por expectativas ou cotejos inalcançáveis. O monsterverse sempre será falho, mas talvez só seja possível existir assim, num exibicionismo inocente. E em que outra oportunidade poderíamos ver tais criaturas lutando, com luzes neon, lasers, manoplas e tantos aparatos ridiculamente divertidos?! Não se encontra muito disso no blockbuster contemporâneo. É como a terra oca. Nela pouco conhecemos, e tudo é possível. 

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