Crítica - A Bruxa (2015).

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A Bruxa/The Witch, dirigido por Robert Eggers.
Numa época onde vivemos carentes de boas produções de terror, é compreensível que qualquer obra que ameace inovar o desgastado gênero, receba uma grande quantidade de atenção. Foi o que aconteceu com A Bruxa, que desde sua estreia, em Janeiro de 2015 no festival de Sundance, foi acumulando uma hype que, respeitadas as proporções do gênero, seria como o Star Wars indie. O problema disso é, afinal, a expectativa gerada, que pode - e nesse caso, o fez - decepcionar parcela do público.

É preciso dizer, então, para quem ainda não conferiu o filme: A Bruxa foi vendido de maneira errada, obviamente na consciência da produtora de como somos ávidos por um horror bom. Esse artifício vai, sim, aumentar a receita do filme, mas também não deixa de ser uma sabotagem contra seu próprio produto, pois se visto da maneira correta, A Bruxa é um filmaço, assim como prometeu, mas da maneira errada.

Década de 1630. Num contexto social onde o cristianismo era o único padrão de vida aceitável, qualquer ato que colocasse em dúvida essa crença poderia gerar consequências terríveis, e é assim que somos apresentados a uma família(de sobrenome nunca revelado) de 5 pessoas, expulsos de seu vilarejo supostamente por heresia, apesar dos motivos nunca serem claramente revelados. Eles buscam então alojamento em uma área inóspita e isolada, onde têm início seus tormentos.

Tendo como base documentos e relatos da época de Caca as Bruxas(recomendo o excelente Bruxas de Salém, com Daniel Day-Lewis e Winona Ryder), o filme se constrói não com sustos, cenas grotescas ou horror explícito, e sim com o poder da sugestão.
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A Escala Cinza Predomina Por Todo a Projeção.
Sugestão esta que funciona através da atmosfera imersiva criada  por um trabalho técnico impecável. Os figurinos estudados de forma meticulosa, o design de produção bem orquestrado e que contribui, assim como a arrepiante trilha sonora, para criar um ambiente hostil, claustrofóbico e soturno, com uma fotografia cinzenta e que utiliza do mínimo de luz artificial possível. Aliás, muito do sucesso do filme se deve em sua insistência em manter-se o máximo possível no reino do verossímil, não apenas pelo trabalho técnico primoroso, como pelo manejo engenhoso de efeitos analógicos, sem apelar para um exagerado CGI.

Pois afinal, é através do desenvolvimento pé no chão que toda sua abordagem vigorosa ganha corpo. Desde o início, os diálogos do pai(Ralph Ineson) deixam claro a devoção da família a Deus, a crença de que nascemos todos pecadores e em dívida com o senhor, com qualquer desvio de conduta cabível de severas punições. Essa crença extrema leva os membros a um clima de paranoia constante a partir do momento em que o filho mais novo some inesperadamente.

Paranoia essa implantada  por uma inteligente montagem com pequenos cortes rápidos que exibem cenas perturbadoras, e catapultada pela mãe(Kate Dickie), que inconformada, passa a atribuir a Thomasin(Anya Taylor-Joy) a culpa por qualquer desgraça ocorrida em sua casa. Assim, os gêmeos mais novos, influenciados pelo pensamento materno, agem da mesma maneira, até que a jovem fica moralmente enclausurada e presa por qualquer acontecimento fora do comum.
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Olho na Menina.
A jovem Anya, em uma atuação memorável, exibe em seu rosto pueril e inocente um contraste em meio a tantos fatores contrários a essa definição, encontra-se em plena puberdade, com o corpo em desenvolvimento e onde naturalmente seria alvo de desejos carnais, o que é mostrado em cenas como os vislumbres recebidos por ela de seu irmão.

A menina representa a figura feminina, que nos mitos bíblicos tem sua natureza apresentada como perniciosa, lasciva e voluptuosa, a pecadora Eva, que com sua sedução, levou o homem a perdição. É restringida e oprimida, relegada a trabalhos servis e moral abaixo do sexo masculino. Um pequeno erro seu gera sermões e castigos da mãe, ao passo que o irmão recebe indulgência. A garota, ao atingir a maturidade, é tratada como moeda de troca por alimentos, como se fosse um produto e destinado a utilidade superficial. Uma casca vazia.

O diretor então eleva o reino da sugestão e sutilezas para o de sinais ambíguos e até irônicos. O coelho, símbolo Wicca para transformação, renovação. O corvo, que pode significar presságios ruins e morte, mas também fertilidade, esperança e metamorfose. E a cabra, que simboliza fecundidade, líbido, mas distorcida pela Igreja e facilmente relacionada ao mal, a Baphomet. Designação que apenas serviu de bode expiatório para a instituição, como um todo, cometer atrocidades sectaristas em sua própria conveniência. O pai, aliás, funciona como representação do pensamento cristão, e protagoniza um dos momentos mais belos da fita, ao ser filmado no centro da mesa, com seus cabelos longos e a túnica branca e vermelha. A semelhança é nítida, e o homem é um pecador.
O Ancião Intocável e Pecador
Thomasin serve então como receptáculo dos pecados alheios: da teimosia do irmão, da ignorância do pai, da intolerância da mãe, da irresponsabilidade nociva dos gêmeos. A representação da figura feminina religiosamente - e fora dela também, por que não? - desprovida de igualdade, muito cabível pelo cotexto de época, e ainda relevante hoje em dia. É a desconstrução de preconceitos incabíveis e impostos historicamente pela Igreja, mas de forma subjetiva e sarcástica.

É uma pena que em seu final, uma obra que jogou tanto com símbolos sugestivos para expor temas pertinentes de forma ácida e crítica, se exponha para chocar, sendo que até este momento, ele tenha chocado muito mais em suas sutilezas. É como se o novato diretor ainda tivesse insegurança em sua mensagem, mas não o suficiente para diminuir o impacto do longa.

Nota: 9.

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