Crítica - A Bruxa (2015).
A Bruxa/The Witch, dirigido por Robert Eggers. |
É preciso dizer, então, para quem ainda não conferiu o filme: A Bruxa foi vendido de maneira errada, obviamente na consciência da produtora de como somos ávidos por um horror bom. Esse artifício vai, sim, aumentar a receita do filme, mas também não deixa de ser uma sabotagem contra seu próprio produto, pois se visto da maneira correta, A Bruxa é um filmaço, assim como prometeu, mas da maneira errada.
Década de 1630. Num contexto social onde o cristianismo era o único padrão de vida aceitável, qualquer ato que colocasse em dúvida essa crença poderia gerar consequências terríveis, e é assim que somos apresentados a uma família(de sobrenome nunca revelado) de 5 pessoas, expulsos de seu vilarejo supostamente por heresia, apesar dos motivos nunca serem claramente revelados. Eles buscam então alojamento em uma área inóspita e isolada, onde têm início seus tormentos.
Tendo como base documentos e relatos da época de Caca as Bruxas(recomendo o excelente Bruxas de Salém, com Daniel Day-Lewis e Winona Ryder), o filme se constrói não com sustos, cenas grotescas ou horror explícito, e sim com o poder da sugestão.
A Escala Cinza Predomina Por Todo a Projeção. |
Pois afinal, é através do desenvolvimento pé no chão que toda sua abordagem vigorosa ganha corpo. Desde o início, os diálogos do pai(Ralph Ineson) deixam claro a devoção da família a Deus, a crença de que nascemos todos pecadores e em dívida com o senhor, com qualquer desvio de conduta cabível de severas punições. Essa crença extrema leva os membros a um clima de paranoia constante a partir do momento em que o filho mais novo some inesperadamente.
Paranoia essa implantada por uma inteligente montagem com pequenos cortes rápidos que exibem cenas perturbadoras, e catapultada pela mãe(Kate Dickie), que inconformada, passa a atribuir a Thomasin(Anya Taylor-Joy) a culpa por qualquer desgraça ocorrida em sua casa. Assim, os gêmeos mais novos, influenciados pelo pensamento materno, agem da mesma maneira, até que a jovem fica moralmente enclausurada e presa por qualquer acontecimento fora do comum.
Olho na Menina. |
A menina representa a figura feminina, que nos mitos bíblicos tem sua natureza apresentada como perniciosa, lasciva e voluptuosa, a pecadora Eva, que com sua sedução, levou o homem a perdição. É restringida e oprimida, relegada a trabalhos servis e moral abaixo do sexo masculino. Um pequeno erro seu gera sermões e castigos da mãe, ao passo que o irmão recebe indulgência. A garota, ao atingir a maturidade, é tratada como moeda de troca por alimentos, como se fosse um produto e destinado a utilidade superficial. Uma casca vazia.
O diretor então eleva o reino da sugestão e sutilezas para o de sinais ambíguos e até irônicos. O coelho, símbolo Wicca para transformação, renovação. O corvo, que pode significar presságios ruins e morte, mas também fertilidade, esperança e metamorfose. E a cabra, que simboliza fecundidade, líbido, mas distorcida pela Igreja e facilmente relacionada ao mal, a Baphomet. Designação que apenas serviu de bode expiatório para a instituição, como um todo, cometer atrocidades sectaristas em sua própria conveniência. O pai, aliás, funciona como representação do pensamento cristão, e protagoniza um dos momentos mais belos da fita, ao ser filmado no centro da mesa, com seus cabelos longos e a túnica branca e vermelha. A semelhança é nítida, e o homem é um pecador.
O Ancião Intocável e Pecador |
É uma pena que em seu final, uma obra que jogou tanto com símbolos sugestivos para expor temas pertinentes de forma ácida e crítica, se exponha para chocar, sendo que até este momento, ele tenha chocado muito mais em suas sutilezas. É como se o novato diretor ainda tivesse insegurança em sua mensagem, mas não o suficiente para diminuir o impacto do longa.
Nota: 9.
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