Crítica - Nossa Irmã Mais Nova(2015).
Nossa Irmã Mais Nova/Umimachi Diary, dirigido por Hirokazu Koreeda. |
Hirokazu Kore-eda, um dos diretores japoneses mais - justamente - laureados da atualidade, é um mestre em expor para tela, de forma muito orgânica e sensorial, situações que se encaixam não apenas no cotidiano nipônico, como universalmente. O cineasta, discípulo da arte de Yasujiro Ozu, lida frequentemente com temas familiares, como o abandono infantil(Ninguém Pode Saber/2004, Pais e Filhos/ 2013 e O Que eu Mais Desejo/2011) e a discrepância entre gerações, ainda que em uma mesma linhagem(Andando/2008). E agora, com "Nossa Irmã Mais Nova", o Kor-eda comprova mais uma vez seu talento ao mesclar os dois assuntos em um filme sensível, relevante e facilmente acessível.
Baseado na série de mangás homônimos de Akimi Yoshida, a trama fala de Sachi (Haruka Ayase), Yoshino (Masami Nagasawa), e Chika (Kaho), três irmãs com, respectivamente, 29, 22 e 19 anos que vivem sozinhas em uma antiga casa em Kamakura. Um dia, recebem a notícia de que seu pai faleceu na cidade de Yamagata. Mesmo com o fato deste ter abandonado a família para fugir e casar com outra mulher, as irmãs vão a seu enterro, e lá conhecem sua meia-irmã Suzu(Suzu Hirose), e a convidam para ir morar com elas em Kamakura, pedido que a pequena aceita prontamente.
Apesar da forma como o convite foi feito parecer abrupta, já que Suzu ainda era uma desconhecida para as três, além da facilidade com que a mãe da garota parecer ter liberado a filha, isso serviu para retratar, de forma rápida a personalidade de cada uma das Koda's(sobrenome da família), assim como expor o passado de Suzu sem jamais mostrá-lo.
A menina, que inicialmente apresentava uma postura recatada e curvada, um olhar taciturno e era descrita como "madura", era justamente o contrário, um broto inibido de florescer. Ao receber o convite para se mudar, seu rosto assume uma expressão eufórica e surpresa, ansiando para deixar o local onde residia(pensamento confirmado durante sonhos embriagados de Suzu). Sutilezas da atriz - e do roteiro - que justificam sua decisão espontânea. Já morando com as irmãs, ela vai, lentamente, se soltando, trocando o aspecto rígido por um sorriso contagiante e uma personalidade enérgica, afável e carismática. Em uma linda cena, ao passear de bicicleta com um amigo por entre Sakuras(cerejeiras) recém florescidas, Kore-eda fecha o quadro no rosto alegre da menina, como se esta, assim como as árvores, estivesse finalmente a florear.
A personagem de Suzu funciona ainda melhor devido a imensa química que apresenta com Ayase, Nagasawa e Kaho, como se fossem realmente irmãs na vida real, o que contribui para a verossimilhança da história, como visto no recente "As 5 Graças", indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Ambas são igualmente bem desenvolvidas e compostas, cada uma com suas próprias características. Chika se mostra um contraponto entre as irmãs, nem tão madura e séria quanto Sachi, nem tão desleixada e irreverente quanto Yoshino, que demonstra-se alguém incauta e sem compromissos, mas generosa e receptível.
Sachi, entre as três, é quem recebe o maior destaque e serve como base de diálogo e reflexão de Kore-eda para abordar o abandono infantil e as consequências que os atos de nossos genitores podem ter em nossa personalidade. Ela desempenha o papel de guardiã das mais novas, inclusive assumindo a guarda da Suzu, em um claro esforço para evitar igualar a personalidade dos pais. Porém, assim como o diretor mostrou nos supracitados longas anteriores, mesmo com as questionáveis ações que os anciões podem ter feito, existe uma afeição natural e inerente que os conecta.
As 4 Irmãs. |
"Esse relacionamento não pode ser desfeito tão facilmente quanto o casamento" é uma frase que Sachi ouve enquanto comenta sobre os ressentimentos que possui para com sua mãe, e é verdade. As cenas entre as duas deixam isso bem claro, pois em meio as desavenças, há também o amor, ainda que fragmentado pelo tempo. É também o sentimento que leva Sachi e a irmã do meio, Yoshino, a se desentenderem para logo depois, estarem se abraçando como se nada tivesse acontecido. É como se houvesse um acordo tácito entre pais, filhos e irmãos, ao menos na visão de Hirokazu.
Kore-eda é minucioso e calmo para executar sua obra, o que é corriqueiro em sua filmografia. É através desse procedimento que suas películas sempre soam tão naturais e sensíveis. Porém, em alguns momentos, o ritmo lento pode enfastiar aqueles pouco acostumados com o cinema autoral japonês, mesmo a história sendo acessível e identificável.
Complementando o trabalho do diretor, tem-se a trilha sonora de Yoko Kanno e a fotografia de Mikiya Takimoto, em perfeita sintonia para construir, com o uso de notas e cores suaves, um clima bucólico em meio a cidade, para ressaltar e assemelhar a relação das irmãs com belas paisagens e o encanto do dia-a-dia, seja em uma simples conversa, um jogo de futebol ou ao colher ameixas.
Our Little Sister não é tão complexo quanto Boneca Inflável, reflexivo quanto Andando ou crítico quanto Ninguém Pode Saber, mas ainda assim, é um resultado notável e sutil que encanta pela simplicidade com que trata temas tão comuns, e por isso mesmo, difíceis de se discutir.
Nota: 8.
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