Doctor Who: The Woman Who Fell To Earth - Review


Doctor Who é minha série favorita, por seu conceito, personagens, universo. Mas, principalmente, por seu humanismo. O Time Lord que fugiu de Gallifrey para pousar na terra em 1963 carrega alguns milhares de anos, mais de uma dezena de regenerações e dois corações, mas é tão humano quanto qualquer um de nós. Pela primeira vez, entretanto, sua personificação universal não se dá na imagem de um homem britânico branco, pois os tempos mudaram, e com ele, o Doctor, que agora atende pelo pronome feminino, no corpo de Jodie Whittaker.

Não só a protagonista do show sofre uma reformulação, como após cinco temporadas, Steven Moffat abre a porta para Chris Chibnall assumir como o Showrunner da legendária saga da BBC, em decisões que soam menos radicais pela tradição da série em se renovar constantemente, muito do que permite que seja uma marca inglesa que acompanha gerações de fãs desde seu longínquo surgimento.

Se a escolha da primeira mulher para incorporar o Doctor foi, previsivelmente, controversa entre um público mais conservador (para não utilizar outros termos), Jodie rapidamente dispensa incógnitas e oferece uma nova e fascinante personalidade ao amado alienígena para todos que abrirem os braços às histórias sem importarem-se com seu sexo. A atriz, que já havia trabalhado com Chibnall em Broadchurch (que também contava com Tennant, o 10º Doctor), demora alguns minutos, de pura apreensão, para dar as caras, mas o faz com a agitação já conhecida do Doctor, seguindo o padrão da nova série em introduzir a nova regeneração em meio à ação, pois o que o representa são seus atos, afinal - sabiamente evitando qualquer alarde de sua descoberta em agora ser uma mulher.


Assim, enquanto acompanhamos com urgência sua aparição em meio ao caos do desconhecido enfrentado por cidadãos comuns, já estamos fisgados por sua jovialidade e carisma, que se aproximam mais de Matt Smith e Tennant do que o sarcasmo de Capaldi e do Eccleston pós-traumatizado.

Traçando um divertido paralelo, esta temporada, que marca uma nova era não apenas no rosto mas no significado do que é o Doctor (Who?), inicia com forte representatividade em três companions, número de ajudantes que o seguiam lá em 1963. São eles Ryan (Tosin Cole), que sofre de dispraxia, Yasmin Khan (Mandip Gill) e Graham O’Brien (Bradley Walsh) - além da participação de Sharon D. Clarke como Grace, avó paterna de Ryan, que assume o centro dos ajudantes. Porém, a tentativa de aderir a maior representatividade étnica em Doctor Who já fora aplicada anteriormente - com resultados irregulares entre as passagens de Martha Jones, Mickey e Bill Potts, para não comentar a desastrosa inserção de Danny Pink, que basicamente arruinou a adorável Clara.

Desta vez, ainda que a amostra seja pequena, parece haver uma maré de potencial positiva no ar, já que se ainda não demonstraram a genialidade de Clara ou engenhosidade de Amy, a dinâmica pessoal deixou todos com utilidade, sem a impressão de dispensabilidade, e com um carisma incipiente muito bem-vindo para simpatizarmos com eles, principalmente no tocante arco de Ryan.


Após tantos meses distante, o mero reencontro com este universo e sua anfitriã já basta a um Whovian, mas o sopro de ar fresco trazido por Jodie também tem respaldo a Chris, um necessário refresco após Moffat estender perniciosamente sua estadia no comando. O roteirista, entretanto, já havia trabalhado em outros seis episódios da série nas eras anteriores, além de Torchwood, e não se mostrou tão brilhante quando se espera das tramas da saga, sem conseguir, neste espaço, fazer jus a seu legado. Tendo como último crédito o trabalho compartilhado por The Magician's Apprentice, da nona temporada, a energia é toda positiva para que o profissional tenha maturado e desenvolvido seu talento no tom que Doctor Who pede - já havia se saído muito bem na sombria Broadchurch.

Na estreia, com The Woman Who Fell To Earth, ele demonstra uma fuga dos temas superlativos e repetitivos de ameaça global para um hunt challenge mais microcósmico com uma nova e visualmente interessante raça alienígena, com um orçamento claramente superior, mas sem dizimar seu espírito criativo que supera qualquer valor exorbitante - afinal, o sucesso começou em épocas em que cada aventura parecia ter sido feita com R$50,00.

Narrativamente, o maravilhamento pela aura radiante de Jodie nos leva sem problemas por toda sua inclusiva resolução, que denota mais uma vez os grandes corações da Doctor, sempre firme, mas igualmente gentil, generosa e esperançosa, virtudes oferecidas para todos os lados, no que me lembra os fantásticos "Human Nature" e "The Family of Blood", na saudosa terceira temporada.

E se não oferece uma plot enigmática e surpreendente, o grande fulgor desta estreia esta justamente na bondade contagiante do Doctor, que atinge os que lhe circulam, mas também nós, do público. Sem o rancor do pós-guerra, ela acredita, ainda mais do que nós mesmos, na evolução, suas palavras, de todos, porém sem deixar de ser verdadeiro a sim mesmo.

São pensamentos que dizem bem por que o amamos tanto. E também definem a proposta desta nova temporada.

Allons-y!

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