Nasce uma Estrela (2018) - Crítica
Quarta versão da história, dessa vez dirigida pelo estreante Cooper, a tragédia de Ally e Jack se introduz com a mesma ascensão meteórica que é o estrelato de vários artistas que surgem no meio musical. Em menos de trinta minutos, ambos já se conhecem e engrenam uma relação direta e apaixonada, tão célere quanto uma mera canção. Pressa? Não, mas a consciência de seu conteúdo. A Star is Born, no original, não é uma trama sobre romance, muito menos um musical, e sim uma história de duas pessoas interligadas pela música e o amor, numa mistura de Alabama Monroe com Apenas Uma Vez.
Já consolidado no cenário, sempre em turnês, reconhecido e paparicado por onde vai, Jack fica fascinado quando, em busca de uma bebedeira, se depara com Ally em um show de Drag Queens no primeiro bar que vê em sua andança desvairada. O talento magnético e descomunal, escondido para um público remoto e notoriamente cativo, devido ao teor do contexto, em uma viela escura e pouco chamativa de uma metrópole qualquer, atrai. Não é, portanto, um sentimento oportunista, mas tão honesto quanto ele jamais se sentiu em sabe-se lá quantos anos.
Preso numa rotina autodestrutiva, Ally surge como um escapismo que a carreira de rockstar não mais lhe oferece - sendo esta, muito mais, um cárcere lucrativo que o acorrenta a uma idealização celebrizada. Como Gaga observa enquanto os dois trocam intimidade num estacionamento deserto, ele tem de lidar com gente que não o trata como a pessoa que é, que o abordam sem discrição e tiram fotos como fosse um objeto em exposição.
Ela aspira o ar puro do talento que ele, talvez algum dia, tenha visto em si mesmo, mas nunca teve a oportunidade de crescer profissionalmente com seu dom, restringida não pela própria capacidade, e sim pelas tristes demandas estéticas de uma indústria artificial e sanguessuga. Na decadência de seus hábitos, em decisões inocentes e genuínas vindas de sua paixão, Jack dá o palco para que Ally arrebate com sua voz, mesmo que o público da banda dele em nada tenha a ver com as composições melódicas dela. Evoca a citação inspirada de outro Jack, o Kerouac: "Música é a única verdade". E contra música boa, não se rebate, apenas se deleita.
É claro que o que, primeiramente, era apenas um namoro idílico enlevador para o casal, enfrenta as consequências do brilhantismo dela, pois com um viral aceito pelo público, se torna fácil para um produtor cativar com palavras e promessas a quem nunca achou que fosse conseguir chegar lá. Ally ganha um novo mundo, e Jack, que já passou por isso, perde o seu. Mas se desviando sabiamente do conto genérico do egoísmo, o tratamento soa como natural e passageiro; o personagem exibe sua generosidade e reforça a sinceridade do sentimento ao apoiar a fama colérica da parceira, enquanto ela se ausenta de seu cotidiano.
A simbiose dos dois permanece luminosa, mas o afastamento e a busca pelos próprios sonhos provoca uma desilusão repentina, que atiça novamente a autodestruição do calejado Jack, que encontra alvo no próprio irmão, Bobby (Sam Elliot, delicado e tocante, em seu melhor papel em décadas). A estrada traiçoeira da fama, que dá benção sem requisitos, mas também as tira sem anestesia, carrega uma Ally entorpecida pela adoração que recebe ao final de cada espetáculo, contradizendo, sem perceber, o próprio desejo de não perder a essência, não eclipsar o talento pelo sensacionalismo do pop, a qual é transformada, uma metáfora direta ao sistema, que afeta basicamente toda grande artista que é, em algum nível, manipulada por produtores e agentes ávidos pelo sucesso de fácil acessibilidade e sem profundidade.
Só que Cooper não se mostra interessando em segmentos direcionados com exclusividade, e de maneira romântica, faz questão de deixar claro que por mais que seja representado por astros, A Star is Born é uma história de personagens, cheios de camadas, lutando contra a imprevisibilidade de seu destino. Seria fácil tornar Jack um astro badboy decadente, assim como Ally uma aspirante de objetivos superficiais, mas tanto no roteiro quanto no alcance dramático pessoal de ambos, se tornam figuras emblemáticas e reais.
Cooper entrega a melhor atuação de sua carreira, num personagem complexo e desesperado por encontrar um novo sentido na vida. Encontra em Ally, quando seu sorriso simpático, como o descreveu minha mãe, nos contagia. Já Gaga surpreende positivamente em seu primeiro trabalho do porte para a tela grande, construindo uma mulher batalhadora, portanto firme, mas também doce e encantadora, num trabalho contido e maduro, que ganha na sua estonteante voz um extra que adorna todo o filme e, assim, a experiência como um tudo. Em números como "Remember Us This Way", "Look What I Found" e "I'll Never Love Again" que conquistam gente que, como eu, nunca foi muito próximo de sua discografia, com arranjos que reforçam demais uma voz linda que por vezes se esconde atrás de sintetizadores na vida real. Já a combinação dos dois, no já transformado em hit, Shallow, surge disparado como favorito ao Oscar de canção original em 2019.
Entretanto, mais do que uma apresentação simplesmente sonora, o que engrandece a trilha sonora do longa é sua relação direta ao momento do roteiro e o interior dos personagens. Por exemplo, a emoção de Ally cantando Shallow é muito mais palpável quando divide o palco com Jack do que solo, e é ao encerrar numa performance poderosa com I'll Never Love Again, com o cabelo característico da figura, que sua construção completa o ciclo transformador por qual passou.
A profundidade que exibem quando trocam carícias e diálogos banais - cotidianos e naturais, não confundir com vazios - diz o que Jack e Ally são: pessoas que encontraram uma forma de expressar seus talentos, não somente máquinas que movem uma indústria opressiva.
E essa é a história que Cooper resolveu nos contar em seu excelente debut por trás das câmeras. Ganha ele, que encontra novas virtudes, como cineasta e cantor. Ganha Gaga, que estabelece seu sonho de se tornar atriz. E, acima de tudo, ganha o espectador, que recebe tudo isso.
Nota 8.
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