O Tempo Com Você/Weathering With You; A Metrópole da Solidão - Crítica
Makoto Shinkai é um diretor de plástico. Desde o começo de sua carreira, a assinatura do artista passou por dois aspectos que se entrelaçam ao farsesco: na narrativa, o melodrama; no visual, planos abertos de grande profundidade, estilizando os ambientes. São estas escolhas que lhe renderam a popularidade de hoje, atingindo cifras que mesmo o Ghibli lutou para, no auge, manter. Ninguém representa melhor o jovem consumidor de entretenimento japonês que o diretor. Ele é exatamente o que Miyazaki se referia quando disse que a indústria está tomada por otakus. E numa indústria dominada por um nicho que ama o que ele faz, Makoto se tornou rei.
O cenário pop nipônico cresceu no melodrama, tanto nos live-actions de cinema e televisão, quanto nas animações. Mesmo próximo dos cinquenta anos, Makoto entendeu bem este predileção e sintetizou toda sua força criativa para encontrar a fórmula perfeita em satisfazer a gana sentimental do jovem japonês, pesar de seu sucesso em transcender a ilha dizer bastante sobre a similaridade impactante que o mundo contemporâneo tem causado nas novas gerações.
Desde "5 centímetros por Segundo", Makoto desenvolve suas tramas pela solidão dos personagens em meio ao ambiente urbano crescente e impiedoso, tendo no Japão um de seus principais referentes, assim como em Tóquio um dos símbolos da megalomania e hipercompetitividade atuais que quebram a conectividade interpessoal, o que acaba por gerar uma ruptura no intra. A saída que Makoto propõe é a quebra dos paradigmas emocionais que reprimem os japoneses, tão conhecidos por sua discrição e quietude, características admiradas aqui no Ocidente, mas que camuflam uma nação que desde o fim da Segunda Guerra Mundial focou no desenvolvimento técnico e científico, negligenciado o pessoal, o que culminou num dos mais altos índices de suicídios do mundo.
Não em vão o Japão é o país de esquisitices como os Hikikomoris, casamentos com seres digitais e travesseiros, idosos abandonados pelos familiares que cometem crimes para terem onde morar, companhia e o que comer, crianças morando sem os pais...É um exoticismo distante que o governo de lá tenta dispersar no intercâmbio cultural justamente no reforço de aspectos tidos como positivos, como a educação e benevolência do povo. Não que deixe de ser verdade, mas não exclusiva. É um problema similar ao encontrado na Coreia do Sul, que enfrentou uma ignição ao desenvolvimento análoga, com a presença Americana pós-guerra e a moldagem do pensamento e da indústria locais.
Em O Tempo Com Você, são novamente dois jovens que protagonizam a história, Hina e Hodaka, ambos vivendo sem adultos que os conduzam numa Tóquio predadora e fulminante. Ao mesmo tempo em que buscam autonomia e liberdade, são refreados pelas condições que os obrigam a viver à margem para não se exporem e se verem controlados dessa vez por serviços sociais. É uma prisão para fugir de outra, e o refúgio se dá justamente quando um conhece o outro, sentindo um elo típico do romancismo Shinkaniano, e que ele com certeza irá emular, ampliar e adaptar daqui em diante após o estrondo de Your Name.
A partir deste encontro, Hina e Hodaka desenvolvem um amor mútuo transvestido de simples amizade, usando os estranhos poderes da garota para controlar as chuvas torrenciais que inundam Tóquio em pleno verão, isolando todos em suas casas. As pequenas gotas, que juntas formam mares, são os sentimentos reprimidos por todos naquela metrópole de surreal densidade demográfica, em que a esperança de metamorfose se encontra, como típico no cinema animado japonês (Ghibli como um todo, Evangelion, Gundam), nas novas gerações, enquanto grande parte dos velhos são retratados não como vilões, mas escravos num sistema de estagnação e praticidade, soando por vezes egoístas e frios. O conservadorismo dos pais afastou o progressismo dos filhos, e assim, os dois protagonistas vivem sem figuras paternas, e o único patriarca disposto se vê inibido de ver sua filha quando bem quer.
É uma das melhores metáforas que o cineasta conseguiu trazer para preencher seus visuais exuberantes. Mas como sempre, os Shinkaismos do diretor se sobressaem, tornando uma obra que poderia usar a introspecção da solidão para pesar seu discurso, em um melodrama barulhento e molhado para manipular o público que em geral, bem pede por isso.
Curiosamente, até por consequência, a artificialidade emocional de Makoto conversa bem com a Tóquio dos sentimentos manufaturados. Uma sociedade com emoções demais trancafiadas que as libera num êxtase quase beligerante.
Tóquio, a cidade dos letreiros neon luminosos, dos cruzamentos que assemelham-se a formigueiros, de um exoticismo sonhado por Ocidentais, encontra sua reverberação no cinema exagerado apelativo de Shinkai. É tudo tão bonito, mas tão irreal.
Somente a Metrópole da Solidão poderia criar tamanho Diretor de Plástico.
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