King Richard (2021) - Crítica

É engraçado que as próprias irmãs Williams disseram ter sido opção delas de retratar a própria história não por suas personagens, mas pela visão do pai, que ainda antes de ambas terem nascido, já tinha um plano com quase oitenta páginas para toda sua vida do crescimento até se tornarem, ali hipoteticamente, lendas do tênis feminino. A presença das duas em quadra sempre ressaltou uma humildade familiar, um grande sentimento compartilhado e visível quando as duas se enfrentavam em quadra e, mesmo que uma tivesse de sair derrotada, exibindo uma felicidade contagiante pela vitória da irmã. Tudo isso, segundo elas, vem do pai e do núcleo familiar, a despeito dos três divórcios que o sujeito teve durante a vida. 

Uma humildade em se assumirem coadjuvantes do próprio patriarca cinematograficamente e reconhecerem o self-made do homem que fez a maior tenista de todos os tempos e outra que já esteve no número um do ranking de duas garotas afrodescendentes oriundas da marginalizada e violenta região de Compton (para mais detalhes, assistir Straight Outta Compton). O que elas não imaginavam, entretanto, é que King Richard se tornou uma hagiografia terceirizada não do pai, tampouco das meninas, mas um filme self-promotion de seu protagonista, Will Smith.


Claro que escalar um superstar para seu projeto tem dessas. Vai trazer bilheteria e atenção, notoriedade, publicidade, mas também divergir atenção, ou somente despertar um interesse além-filme para com a história retratada. Nomes como Brad Pitt, DiCaprio, Tom Cruise e Will Smith talvez sejam os maiores exemplos de estrelas que perduram numa indústria de entretenimento que rapidamente substitui atores e músicos por youtubers e celebridades digitais. Mesmo que seja menos talentoso, ao menos, que os dois primeiros da lista, Smith possui algo sobressalente para a juventude e as redes sociais, que é seu carisma e o sorriso que exala otimismo e alegria. É a figura do Maluco no Pedaço, ou, mais sentido, do Fresh Prince of Bel-Air. Mesmo acumulando filmes duvidosos por mais de década, é o bastante para mantê-lo longe do ostracismo. 

É fácil perceber, ainda no trailer, porque Smith aceitou o papel. Richard Williams é um sujeito expansivo e grandiloquente, confiante e protetor. Aquele cara simpático que não tem pudores ao expressar o que deseja. Vindo de baixo, é um fator que o leva a ir em clubes de tênis pedir patrocínio descaradamente e explicar sobre seu plano e filhas aos ricaços que costumam praticar esse esporte burguês. Um homem pobre e esforçado que busca dar uma vida melhor para sua prole...Onde já vimos isso antes? Claro, em À Procura da Felicidade, segunda e última indicação ao Oscar do ator, lá em 2006. Mesmo que saia do seu costumeiro homem badass que é o melhor naquilo que faz, seja isto um caçador de aliens, um golpista ou um gênio, Smith interpreta somente personagens que se sobrassem.


E em toda sua duração, a fita aqui se conforma em ser um portfólio ao ator. O formalismo formulaico da câmera de Reinaldo Marcus Green tampouco se aventura fora do lugar-comum que é se contentar no show particular de caras e bocas, por vezes resvalando na caricatura, de Williams em busca do estrelato das filhas, o que deixa pouco espaço para o casting restante, o desenvolvimento das futuras lendas do tênis e a narrativa em si. Nisto, King Richard é, infelizmente, o retrato do pejorativo Oscar Bait, filmes feitos por algoritmo para a temporada de premiações. E no pior desta fórmula, que é um filme que subestima a própria forma, que deveria dar sustância ao mais importante em si da trama, e poderia inclusive ser uma história fictícia de superação, mas ganha mais peso pelo valor verídico-histórico, do claro exemplar mundial que as Williams são para crianças pobres e negras de obterem êxito num mundo que não parece ter sido criado para elas. 

King Richard é um exemplar perdido que a era digital rapidamente se apoderou negativamente, do filme manipulador e fácil que outrora cercaria as discussões premiadas, mas hoje mesmo na força do seu discurso, parece já surgir datado, num tempo que a própria academia luta contra a obsolescência. Talvez se almejasse louros em anos que a estatueta principal foi para obras canhestras e sem-vergonha como O Discurso do Rei, Shakespeare Apaixonado e, mais recentemente, até Green Book, King Richard tivesse mais força. Mas é justamente a perda de audiência e apelo público destes filmes que torna ainda mais incompreensível a conformidade em realizar uma obra tão despojada de ambição fora o próprio texto, cujo único objetivo parece ser, mesmo, dar a Smith o tão sonhado Oscar.


A temática pode ser moderna, woke, mas nada é tão velha Hollywood quanto King Richard.

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