Pokémon Sun & Moon - Review


Uma obra audiovisual não é nada sem emoções. Inclusive, os sentimentos evocados por algo podem ser muito mais importantes que sua lógica narrativa. Saber como transmitir e envolver o espectador através de uma história não tão original, revolucionária e com boa dose de clichês funciona muito melhor do que um enredo fechado e intrigante, porém frio e inerte. A primeira experiência, salvo seja você um psicopata, será muito mais marcante, considerando o todo, não apenas o conceito. Aí a eterna repetição de arcos facilmente manipuláveis como a jornada do herói, revisitada anualmente em livros, filmes e qualquer obra destinada ao entretenimento.

Pokémon, obviamente, não é um portento cinematográfico de grande calibre. E não me venham com o argumento de ser um "kodomo", um anime para crianças. O que ele é. Mas o público destinado não é motivo para ser "burro", somente infantil. Veja os filmes da Pixar, por exemplo. Não se subestima, se desafia os pequenos, o que também motiva os pais que os levam. Agora, no entanto, Pokémon é um anime serializado semanalmente na tv, um desenho para audiência, cuja principal função é o marketing para capitalizar em cima da infinitude de mídias em que a franquia está disponibilizada, dos jogos de Nintendo, ao recente esforço no mobile e, é claro, os bonecos. Centenas e centenas de bonecos, de outras várias formas, poses e materiais possíveis. Não à toa, é a marca mais lucrativa da história do entretenimento, acima de Batman, Marvel e Star Wars. Isto tudo tendo um mercado internacionalmente cada vez mais limitado hoje em dia, mas que sobrevive na força nostálgica onipotente desde o lançamento, globalizado e que marcou justamente as gerações que atualmente compõem o principal perfil consumidor no mundo.


Porém, isto seria subestimar e filtrar demais o alcance de Pokémon. O saudosismo e o poder emocional de Kanto são intensos e bem relevantes, como a própria Game Freak sustenta e utiliza como chamariz para novas gerações da saga ao incluir vários monstrinhos clássicos em novas ferramentas. Porém, para conseguir se estabilizar não somente no imaginário popular, mas em sua realidade, presente, mesmo que visualmente em notícias da internet, mais de duas décadas de sua criação, há um mérito inerente e independente do seu início, visto que muito pouco do que fora apresentado lá se configura até os dias de hoje, fora, é claro, Ash e seu eterno amigo, Pikachu, tão instável quanto uma mente deprimida, capaz de vencer um lendário e perder para um inicial de level 5. E mesmo nestes rostos conhecidos - por vezes tão odiados -, há uma revitalização que evita se prender ao passado, no que poderia ser um boicote à nostalgia, mas se torna um chamado ao novo, ao mesmo tempo em que oferece vislumbres esporádicos de outras temporadas, quase que como um sussurro aos velhos dinossauros: "viu, ainda lembramos de vocês".

Assim, o tiozão de hoje vinte, trinta ou quarenta anos, ainda é importante, mas não mais o principal nicho de alcance de Pokémon. E sim novas gerações, que irão, futuramente, ser novos tiozões de vinte, trinta e quarenta anos. Neste ritmo, Pokémon cria um ciclo de fidelização parcialmente renovável e de poucos riscos, e também garante o que fora dito, no primeiro parágrafo, ser o elemento mais importante de uma obra de audiovisual: emoções. Para todos. Muito mais do que ousadia e tramas fascinantes.


Tudo isso nos leva para 17 de Novembro de 2016. Quase três anos atrás. O episódio de estreia de Pokémon Sun & Moon, após o fim da bem-sucedida temporada final de XY, XYZ, num arco memorável que flertou com uma merecida vitória de Ash na Liga, a resolução do mistério de Z, a despedida de Serena, talvez a parceira mais adorada e carismática desde Misty, e Greninja, possivelmente o Pokémon melhor desenvolvido na série desde Kanto. Apesar de ter começado devagar e na monotonia deixada por penosos anos acompanhando aquela que fora a pior geração da franquia, B&W, Pokémon soube engrenar e catapultar vários fatores que tornaram sua história novamente atrativa, no que deixa o fim arriscado, mas também a certeza de ter a comunidade atenta e esperançosa para novos anúncios. E, visualmente, ele não poderia ter sido mais constrangedor.

Se as pessoas já pareciam estar a contragosto esperando um novo recomeçar, algumas escolhas já são esperadas, como o reboot da força de Pikachu e a experiência de Ash, além de seu time e parceiros. Porém, a mudança radical no character design dos personagens, para ângulos arredondados que se assemelham mais a detalhes ocidentais, daqueles cartoons da CN, do que animes japoneses, além de uma dex inédita pouco chamativa, foi um prato cheio para saudochatos já realizarem congressos online de deboche e hate para as mudanças, assim como as esperadas ameaças de finalmente largarem o show (quem sobreviveu a Iris e Cilan vai até o fim, não adianta mentir, marmanjo).

Apesar de causar um estranhamento natural, não deixa de ser o mesmo de quando mudamos de cidade ou então uma marca que altera seu logo. Consequentemente, com a exposição contínua, nos acostumamos e tudo se torna indiferente, pois não é, nem devia, ser o principal motivo de análise da obra. Sem negar o direito de quem prefere ver designs bonitos do que uma boa história, ok (mentira, estou julgando). E nisto, Pokémon Sun & Moon, que hoje, dia três de Novembro de 2019, apresentou sem último episódio, se despede como a temporada mais emotiva e sensível desde Kanto - o que não necessariamente quer dizer melhor, mas potencialmente com mais momentos marcantes, ainda que sejam retalhos.


Largando de mão a dinâmica de três ou quatro treinadores desbravando uma região em busca de seus objetivos, a ideia da escola Pokémon diminuiu a ação programada das batalhas Pokémon, o que há muito deixou de ser o cerne do anime, e trouxe uma miríade maior de personagens centrais, o que inicialmente traz as dúvidas da utilidade e exploração de cada um, mas se tornou um de seus principais destaques.

Há arquétipos distintos o suficiente para atrair empatias direcionadas a qualquer um que assiste, como o inteligente, o esquentado, a tímida. Sem contar outro benefício claro: maior número de Pokémon mostrados, e não somente o de dois treinadores, já que o parceiro masculino de Ash costumava focar em outros aspectos, deixando a ele e a "musa" da geração a missão de capturas e exibições. Assim, o belo e sensível final da geração se torna triste naturalmente por nos despedirmos de amigos queridos, figuras emblemáticas, e não somente pelo encerrar de um ciclo.

É notável a dedicação e delicadeza para dar voz e background para cada um deles, em tramas esporádicas que até ofuscavam Ash e sua busca, dessa vez menos obcecada, por se tornar um mestre Pokémon (ou já estaria ele desacreditado após tantas derrotas?). Nem todas foram boas e, novamente, poucas inovadoras, mas ofereceram mais detalhes e carisma nos integrantes da escola, e não somente figurantes unilaterais (ainda que a temporada tenha os seus figurantes, é claro). E é bacana como não acontece com nenhuma das crianças algo tão comum na franquia, que são arcos abandonados. Cada um tem um ciclo perfeitamente escalado entre introdução, desenvolvimento e conclusão, com bastante coerência nestas maturações, ainda que o ritmo do anime por vezes as feche, temporariamente (pois cada um deles deixa claro como segue a vida pós-Ash), com mais pressa que o necessário.

Dividida em três temporadas (Sol e Lua, Ultra-Aventuras e Ultra-lendas), o anime tem tempo suficiente para explorar e brincar com as novas ferramentas e características exibidas nos jogos da geração, como os cristais Z, os lendários locais, os desafios da Ilha e as ultra beasts, até a criação da Liga Pokémon, que serve como catarse disso tudo, atenuando a dor de quem preferia as batalhas de ginásio.

A ausência da obrigação de andarilhar até atingir as oito insígnias para competir na liga é o que permite esta tomada de risco, de modo que os gyms acabam por ser um sacrifício corajoso para testar novos mecanismos e ares numa dinâmica ainda funcional, porém desgastada, o que não funciona tão bem assim no anime, no que é seu principal revés: a fragilidade das batalhas, algo correlacionado com o baixo carisma dos novos Pokémon. Até por isto, se aposta não somente em formas Alola de clássicos, como outros bichos já de carinho comprovado para movimentar as coisas, como Charizard, Zoroark e Lucário, três figuras bastante reconhecidas.

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Mesmo assim, fora a liga e as batalhas contra Gladion e Guzma, é difícil dizer que houveram momentos empolgantes e épicos. O rival da vez, Hau, é, francamente, patético, o que simboliza essa decadência das lutas. Os desafios contra os reis das ilhas nunca se mostraram importantes e emergenciais como contra líderes de ginásio, e mais como partidas amistosas contra amigos. Aliás, a falta de exploração em cada uma das ilhas é outro ponto fraco do anime, visto que passamos a maior parte do tempo em Melemele, onde a escola está localizada, e até mesmo a visita a Kanto e ao mundo reverso se demoram mais que as rápidas excursões no restante do arquipélago.

O grande destaque se dá, mesmo, em quebrar o próprio conservadorismo, ainda que timidamente, e apostar em tramas mais introspectivas, sensíveis e até pesadas, como a morte de Stouthland e que serve como o início da jornada do herói de Litten, na perda da inocência, e que recebeu o melhor desenvolvimento de Pokémon da geração, algo similar ao Greninja, mas não tão unilateral quanto o sapo de Kalos; todo o arco por trás da fundação Aether e da exaltação da infantilidade quando são Gladion e Lillie que devem buscar sua mãe, corrompida pela perda do marido, e lidar com a ausência do próprio pai.

E o mais belo, pra mim, que é a batalha na névoa, 108, quando a habilidade especial de Tapu Fini faz com que os personagens enfrentem figuras de seu passado. Isto faz desta a geração que mais discutiu temas pesados e obscuros, porém presentes em qualquer pessoa, como a morte, despedidas e solidão, muito além do positivismo perseverante e monocórdico que costuma ser a marca de Ash e da série (ainda lá, mas não sozinhos).

Em quase 150 episódios, é fácil achar falhas e questões que poderiam, em retrospectiva, ser melhor trabalhadas. Passagens demasiadamente curtas, figuras que fizeram falta. Mas Pokémon sempre foi assim e, arrisco, sempre será. Um anime, infelizmente, refém da própria força mercadológica, mas que, ainda que timidamente, faz um esforço em amadurecer certos aspectos e oferecer ao público mais do que um desenho besta para vender jogos e bonecos, e sim uma mídia com a própria personalidade e todas as vantagens que o audiovisual traz em relação aos RPGs originais.


Ao fim, faço coro ao Ash: "Obrigado, Alola".

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