A Pequena Sereia (2023) - Crítica

Engraçado que, mesmo contendo quase uma hora a mais do que o original em duração, Linguado, talvez o principal Disney-Pet do longa e um dos mais icônicos e marcantes do estúdio, é completamente esquecível e possui pouca participação neste, em proporção. É como se Rob Marshall tivesse vergonha de expor o pequeno peixe. E sabe o que é pior? É completamente compreensível. E isto é um grande problema qual ele compartilha culpa.

Todas as participações do amigo de Ariel são bastante chamativas somente em aspectos negativos, causando estranhamento e quebrando uma possível imersão pela apatia do personagem, em fotorrealismo ainda menos humano que os do criticado Rei Leão - e com o agravo de ser uma criatura menos carismática e adorável que os leões deste. É como ver, até certo ponto, uma dublagem amadora de um animal real, pois não há expressões que saiam do peixe que sejam sincronizadas com o que ele diz, seja em tom amistoso ou alarmado. Ainda mais musical. E quando seu filme tem vergonha de um elemento tão primordial dele, é de se considerar todo o conteúdo em, si, sua estratégia e narrativa. Isto sem nem entrar nos méritos de respeito ao original. 

Provando, novamente, um comportamento autodestrutivo de desrespeito ao próprio catálogo e aos fãs que lhe trouxeram tanta referência, A Pequena Sereia é somente mais um capítulo deste amontoado frenético e progressivamente ofensivo de live-actions que o estúdio jorra, desesperadamente, em busca de dinheiro fácil e reforçar sua marca com uma nova geração já carente de clássicos para si e com uma oferta de atenção muito mais distrativa do que todas as anteriores, inclusive as da renomada Renascença, principal alvo destas adaptações. 

Pois não basta somente o supracitado desrespeito com o próprio catálogo, espírito e público em ofertas das ditas reimaginações modernas de clássicos, a Disney se mostra tão desinteressada em produzir algo de qualidade disto que sequer demonstra alguma noção de conscientização de como melhorar o que se faz, visto, repito, as similaridades dos animais reais aqui com os de O Rei Leão, que tanto foi bombardeado de comentários negativos sobre sua falta de personalidade. A verdade é que já deixou de ser uma tendência para ser uma realidade, uma superioridade, de filmes ruins em relação aos bons destas adaptações, inclusive indo além do ruim, como nos casos de Pinóquio e Peter Pan & Wendy, jogados de qualquer jeito para fazer volume no Disney Plus.

A Pequena Sereia, ao menos, entra numa lista de alguma atenção por parte do estúdio, por mais equivocada e displicente que essa se demonstre. Só perceber os anos que se passaram do anúncio de Halle Bailey como Ariel até o devido lançamento, buscando um aprimoramento de atuação em alguém escolhido pela voz, ou o tom e escala da produção, em cotejo com os pequenos Pan, Pinóquio e Dama e o Vagabundo. Esforços, repito, displicentes, quase todos preguiçosos em um escopo maior, e infelizmente, facilmente identificáveis. De imediato aos efeitos dos cabelos artificiais ondulando na água ou a escuridão de natureza-morta do fundo do mar, num contraste inexplicável e inconstante com os números músicas teatrais, certamente o único interesse de Marshall durante sua burocrática, como sempre, direção - e é um mistério a estadia que o cineasta conseguiu com a Disney, não tendo produzido nenhum grande êxito comercial ou artístico em todos seus créditos no estúdio. 

Um pouco de imaginação e cores, todos momentos meramente copiados (e piorados) do original, com uma adição pobre em novos conteúdos tanto como trama quanto nas canções, estas um trabalho repetitivo e pouco inspirado de Lin-Manuel Miranda, outro protegido da casa do Mickey. Tudo que é acrescentado somente se apresenta como barriga, redundância, monotonia e chateação num conto já conhecido, fazendo com que a experiência seja de impaciência no aguardo de momentos específicos que esperamos da animação - somente para que estas sejam versões mais pobres do que as que conhecemos há mais de 30 anos. 

A Pequena Sereia é mais um atestado da dissolução imaginativa de grande parte do cinema blockbuster americano contemporâneo, em que não há paixão ou cuidado nem ao tentar um retorno fácil na nostalgia, e sim um subestimar tão grande do público que as respostas que seriam para combater os "adversários" de atenção em streamings, redes sociais e jogos, somente fortalecem a busca por outros meios de entretenimento. Resta muita pouca coisa, e o único alívio é que não parece sobrar muita coisa pra Disney poluir numa nova versão raquítica do que já foi ouro. Um filme que tem vergonha do que é, para um estúdio desesperado por atenção, sem perceber que suas ações causam o exato oposto do que atraí-la. Ou o faz por todos os motivos errados. Um filme que evidencia como não precisa-se de inteligências artificiais para produzirem algo automático. 

2 comentários:

  1. Vou ter que discordar fortemente da crítica, mesmo concordando sobre a Disney preguiçosa. Cheguei a ver esse filme no cinema, eu, o único marmanjo no local, enquanto os demais do público eram mães levando os filhos (na maioria filhas) para ver a Ariel. Sai da sessão feliz com o resultado, apesar de ressalvas. Não vi desrespeito ao clássico, pelo contrário, é uma repaginada bem fiel a animação. Os efeitos que variam, realmente, alguns momentos bons, outros nem tanto, alguns momentos de clareza e beleza, outros de uma escuridão visível pra tapar problema. Mas a narrativa flui que é uma beleza. Os personagens cumprem seus papéis. As canções são contagiantes. O carisma do casal principal e o humor dos animais e todas essas interações são envolventes. O terceiro ato não é tão grandioso, mas o caminho até ali e o filme em geral me surpreendeu. Não só por ser bom, mas também por não ser ruim. É óbvio que a animação é melhor, mas gostei do live-action.

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    1. Bem, arte tá aí pra isso, pra dividir opiniões, criar várias perspectivas. Tava revendo Aladdin esses dias, cheio de números espalhafatosos, grande apelo fantástico. Achei essa lacuna um crime mortal em A Pequena Sereia.

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