Os Incríveis (2004) - Crítica


Talvez a Pixar nunca mais acerte a mão. Talvez a saída de John Lasseter abale as estruturas da produtora e ninguém consiga igualar seu período. Mesmo que esta tragédia se consume, o legado da casa de Luxo Jr. é recheado de obras-primas eternas que revolucionaram a animação como vemos hoje. Por vezes menos lembrado que seus parceiros, mas não menos fantástico, é Os Incríveis, que com certeza marcou época e é reconhecido entre os grandes. Prova disto é o fuzuê que se alastra nas margens do lançamento de sua aguardada continuação, em menos de 3 meses a partir da data em que este texto é redigido.

Se hoje sua marca é consolidada, em 2004...também já era. Porém ainda não a referência unidimensional que forma com a Disney hoje, justamente por ainda não ter sido adquirida pelos representantes de Mickey. Recém-saídos do sucesso de Procurando Nemo, a sinopse, embora original (inclusive recebendo indicação ao Oscar da categoria), é um amálgama do gênero de super-heróis, com uma dinâmica de protagonistas que lembra O Quarteto Fantástico, e um gatilho inspirado por Watchmen.

Assim como na HQ de Alan Moore, ser herói é basicamente uma profissão, permitida, legalizada. Final dos anos 40 e conhecemos os alter-egos que nos conduzirão pela narrativa, enquanto estes concedem uma entrevista aos motes tecnológicos da década, aspecto 4:3 em preto e branco. É um estabelecimento prévio a uma série de incidentes que geram revoltas da população, culminando no veto de liberdade aos mascarados, que devem agora mesclar-se à sociedade, sendo heróis do dia a dia.

Passados 15 anos, logo 1962, é que o filme realmente começa, quando os outrora imponentes Senhor Incrível e Mulher-Elástica formam um casal quarentão, com dois filhos e não tão ambientados à vida comum, principalmente ele, cabisbaixo e filmado em seu cubículo numa seguradora como um cárcere. Ávido pelos velhos tempos, termo tão repetido por inúmeros personagens ao longo da projeção, um misterioso convite para retomar o uniforme não necessita de hesitação para ser aceito, no que provoca, como diria com prazer o narrador da sessão da tarde, muitas confusões.


Hoje nome de peso, Bird, então, era um novato com uma bagagem de respeito, mas também limitada, com o tocante "Gigante de Ferro", ressuscitado na mídia agora, com a chegada de "Jogador Nº 1". Mas foi o suficiente para Lasseter dar confiança ao sujeito, confiança muito bem recompensada, tanto monetariamente, quanto na contribuição artística e de adoração que sua criação trouxe à "casa das ideias".

Os Incríveis é um grande filme de super-heróis, com certeza. Mas também é muito mais em seu conglomerado de assuntos, fator expandido pelas concessões de descrença que sempre damos a animações, e igualmente pela flexibilidade criativa possível, que seria limitação em outros termos até mesmo com o alto nível tecnológico de hoje.

Os Pêra, adaptação brasileira ao sobrenome original da família, "Parr", são pessoas de feições exageradas, cartunescas, porém carismáticas, deixando em nada a desejar outras criações do estúdio, seja peixes ou brinquedos. Mas se ocorre no universo humano, não é por isto que despreza o irrealismo, que nos brinca com sequências tão divertidas quanto absurdas de acordo com os poderes dos personagens envolvidos em tela. Se Flecha e Violeta ainda descobrem seus dons, sem poderem usá-los no cotidiano, ver Beto (Sr. Incrível) e Helena (Elástica) em ação, meio enferrujados, traz cenas curiosas e inventivas, ora bobas, porém engraçadas e até compreensíveis, como a dor nas costas que ele sente ao reutilizar os músculos atrofiados por desuso.

Com rápidas menções a outros encapuzados, fora do núcleo familiar o único a receber algum destaque é "Gelado", com dublagem de Samuel L. Jackson e nitidamente construído ao redor do tom zombeteiro e fanfarrão deste, como um bonachão bon vivant


Se na infância, Os Incríveis diverte por sua engenhosidade, ritmo acelerado e ação que competem sem problema algum com películas como Duro de Matar ou X-Men, é revisitá-lo com mais experiência de vida que revela um mérito batido aos pequenos: seus diálogos. 14 anos depois da estreia, quando a situação de muitos se assemelha mais até ao casal de pais do que seus filhos, é hilário vê-los discutir, por exemplo, sobre chegar em casa tarde, responsabilidades e até a banal decisão de como chegar a determinado lugar.

Se vez por outra flerta com temas sérios, como separação e até adultério, Bird, que também roteiriza o longa, mantém a estrutura familiar como pilar de moralidade, factível entre seus debates, com irmãos juvenis que não se toleram à mesa de jantar, mas que nutrem aquele amor inerente, desnudado apenas em momentos de aperto, porém sempre presente. Mensagem exposta com naturalidade no abraço caloroso e feliz que os quatro dão em certo momento. 

Ainda rico e com virtudes atemporais, o que poderia ser seu defeito mais aparente serve menos como crítica e mais como elogio à própria evolução dos animadores, que é a capacidade da computação gráfica. São pequenos detalhes que denotam os invernos enfrentados desde então, como as roupas, automóveis e fluidez dos fios de cabelo. No entanto, como toda boa obra, possui caráter homérico que mês nenhum desbota, pois uma boa história subjuga tudo.

E Os Incríveis, como boa parte do repertório da Pixar, é um conto brilhantemente bem contato. 

Nota 9.

2 comentários:

  1. Foi nesse filme que a Pixar conseguiu carimbar sua máxima de "é possível fazer animações infantis que atraiam o público adulto, sem desvirtuar a narrativa" <3

    Não vejo a hora da lenda urbana do "Os incríveis 2" cair por terra ;_; e que esse seja minimamente a altura do seu antecessor!!!

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    1. Como assim lenda urbana? Mais umas semaninhas e ele estará entre nós. Confie no pássaro.

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