Os Incríveis 2 (2018) - Crítica


O que você fez nos últimos 14 anos? A Disney comprou a Pixar, a Marvel e a Lucasfilm (agora tenta a Fox). Surgiram o Twitter e o Youtube. Os Estados Unidos tiveram seu primeiro presidente negro e o Brasil, uma mulher. Bin Laden foi morto. Star Wars recebeu uma nova franquia, o Reino Unido saiu da União Europeia, um músico recebeu o prêmio Nobel da Literatura. A arte perdeu David Bowie, Leonard Cohen, Alan Rickman, Robin Williams e Saramago. Na contramão, viu emergirem talentos como Denis Villeneuve, Steve McQueen, Emma Stone e Jennifer Lee. Esta última também faz parte da mais importante revirada deste hiato: as lutas por direitos e igualdade de parcelas desprivilegiadas da sociedade: a comunidade LGBT, negros e mulheres, em movimentos que envolvem, naturalmente, maior representatividade na indústria cultural. E enquanto vários homens, entre eles John Lasseter, que era há mais de década cabeça dos setores de animação da Disney e da Pixar, tiveram seu histórico assediador exposto, mulheres como Jennifer Lee (idealizadora dos hits Frozen e Detona Ralph), assumiram suas posições.

Um pequeno resumo do que separa 2004, ano de lançamento de Os Incríveis, e sua longínqua e avidamente aguardada sequência, que chega aos cinemas brasileiros em 28 de Junho de 2018. Neste contexto social, apesar de iniciar imediatamente onde o original encerrou, no aparecimento do infame Escavador, a trama da continuação não poderia deixar mais claro como muito tempo passou. À época, o surgimento do novo vilão fora ensejo para os Pêra se unificarem como uma família de heróis, oferecendo o sugerir nada implícito de que melhores eras viriam para os encapuzados, até então segregados há anos.

Não é o que acontece. E é em uma tentativa de legalizar novamente a "profissão" super-herói que surgem Evelyn e Winston Deavor, bilionários filhos de um falecido defensor da causa do Sr. Incrível e companheiros, que almejam, numa estratégia minuciosa, melhorar sua imagem com cidadãos comuns e uma nova geração que cresceu em meio à tecnologia sem ter de lidar com a realidade de pessoas poderosas andando livremente. Para isto, eles convocam Roberto, Helena e Lúcio, o Gelado. E aí começam as diferenças que evidenciam a situação em que é produzido o longa. Se o previsível seria relegar o protagonismo novamente ao Senhor Incrível, que naturalmente atrai mais atenção e carrega sobre os ombros e aparência o símbolo do patriarcado idealizado pelo American Dream, o homem como prócer da casa, alicerce da sustentação familiar, a escolha dos empresários é em deixar a Mulher-Elástica capitanear as investidas, o que surpreende não somente o espectador que evitou os materiais promocionais, como o próprio casal, para a incredulidade de Roberto, que se demonstra boquiaberto e sem muita discrição para esconder seu descontentamento com a opção, se sentindo humilhado e irritado com os dados que mostram como a sutileza de sua esposa é mais eficaz, ao menos quando exigido maior autocontrole e comedimento para lidar com os problemas na surdina.


É fácil imaginar o desdém da manada insurgente que demonstra desagrado em como o entretenimento tem evoluído em composição para agradar as demandas femininas, o que causou polêmicas desproporcionais no recente "Star Wars: Os Últimos Jedi". Mas assim como o movimento feminista em si, o que Brad Bird, por simpatia ou conveniência, busca retratar, não é a superioridade, e sim a igualdade, o que muitos falham em interpretar tanto quanto integrantes da "rebelião" em transmitir a mensagem conciliatória. O diretor, em sacadas divertidas e inteligentes, retrata com sarcasmo a rotina, então, de Beto, agora como dono de casa, trabalho que considera, mas não expressa por palavras, e sim em olhares e corporalmente, como tediosas, "coisa de mulher", o que rapidamente se mostra um equívoco de sua parte, quando percebe a dureza de se atentar e dividir seus esforços a infindáveis ocupações, prosaicas e mundanas, mas nunca simples: cuidar do bebê, auxiliar os estudos de Flecha e lidar com a adolescência flamejante de Violeta e suas desilusões amorosas. Um olhar que todo homem mudará caso passe pelo mesmo, certamente. É ao reconhecer esta dificuldade que ele entende e admira mais Helena.

Ela, afinal, fazendo o trabalho braçal, historicamente retratado pela imagem do macho forte, mas com as próprias características, quando sua elasticidade soa até como metáfora à fluidez e capacidade de adaptação às funções exigidas. Se moralmente é de se aplaudir esta iniciativa, pesa a transição que deveria deixar a dinâmica didática tão recreativa, vibrante e perspicaz quanto o atualizado Zootopia, por exemplo.

Talvez por ser território novo a Brad Bird entrar na mente do sexo oposto, talvez por desencontro de ideias durante a concepção do texto, mas se é recheado de bons momentos, Incríveis 2 o faz em retalhos esporádicos, distantes da genialidade quase que integral de seu predecessor. Assim, por vezes, principalmente o público mais velho e que cresceu de encontro aos personagens, escancara o sorriso ao ver cenas tipicamente familiares no ambiente heroico da família Pêra, como a ligação do filho ao trabalho da mãe, em busca de seu tênis perdido. Só que, neste caso, o emprego consiste em perseguir antagonistas em alta velocidade, não um escritório abarrotado. Ou então novos diálogos no que já havia sido retratado anteriormente, como as discussões fervorosas durante as refeições, a cobrança por melhor comportamento e a divisão de responsabilidades entre pai e mãe para com sua prole.


Aí surge um paralelo na carreira do criativo Brad Bird, diretor tão competente e comprometido com a diversão. Quando divide o foco com temáticas de caráter mais sério e relevante, parece não equilibrar ainda o escopo de suas ideias, tanto aqui, quanto em Tomorrowland; boas fitas, mas distantes das obras-primas Ratatouille e Gigante de Ferro, que sim, possuíam suas mensagens, mas melhor diluídas na trama geral.

Em quase duas horas de duração, o mais extenso filme de animação digital já feito, falta ritmo em Incríveis 2, e não raramente. Enquanto a vivência de Roberto com os filhos se esgota nas piadas de Zezé e o aparente deslocamento de Flecha na narrativa, a própria Mulher-Elástica tem seu ímpeto reduzido quanto fica progressivamente mais óbvia a condução de sua batalha contra o vilão da vez, em deslizes de um roteiro que por vezes se acha mais esperto do que realmente é, ao sugerir intenções e resultados fáceis demais, além de demonstrar pressa e até preguiça na introdução de novos mascarados, soando como artifício barato para vender produtos licenciados, estes sim caros.

Embalado numa trilha sonora reciclada, porém alucinante e estilosa de Michael Giacchino, que começou sua parceria com o estúdio justamente no confronto contra o Síndrome, Os Incríveis 2 é uma aventura envolvente, imaginativa e estimulante. Entretanto, nem tão envolvente, imaginativa e estimulante quanto nos acostumamos a ver com a Pixar.


E isto deflagra problemas maiores. A empresa que certa vez se mostrava avessa a continuações, priorizando ideias originais, vê uma década se encerrar sem arranhar o esmero incólume adquirido no decênio passado, cada vez mais soterrada e vítima de seus próprios sucessos, esgotando os próprios recursos numa tentativa que tem se mostrado insuficiente de apelar à nostalgia do público com figuras queridas de outrora.

Quer dizer, Procurando Dory, Universidade Monstros e Os Incríveis 2 são boas películas. Mas o que são meras boas experiências em cotejo com os atemporais Procurando Nemo, Monstros S.A. e Os Incríveis?! A pulga atrás da orelha lateja para Toy Story 4.

(Obs: a fantástica dublagem original foi mantida nos personagens centrais, e novas aquisições estão adequadas. Vale o ingresso.)

Nota 7.

Os Incríveis (2004) - Crítica. 

4 comentários:

  1. Desde que vi a resenha publicada fiquei me coçando pra ler, mas decidi me segurar até assistir o filme... Bom, posso dizer que há 14 anos atrás meu pai me levava pra ir ver esse filme e depois no McDonald's pra pegar um boneco da Violeta... Hoje eu levei meu irmão pra ir assistir o filme no meu carro e depois ainda falei pro menino que tinha comida em casa hahahahah bem, é o ciclo da vida
    Por falar em ciclo da vida, já fiquei emocionada logo no primeiro curta ("Bao"), como quase sempre nos curta pré filme da Pixar. Juro, amo esses "mimos". Umas historinhas tão bonitinhas, e eu sou uma manteiga derretida de qualquer maneira
    Sobre o filme: pode ser a nostalgia, mas eu amei mesmo. Uma das poucas continuações que eu achei que ficou beeeem perto do original (o que não ocorreu com Dory/Universidade Monstros). Tudo fluiu bem, as piadas foram engracadas, a troca de papéis foi interessante, morri com a cena da Violeta no restaurante, Flecha melhor pessoa... Enfim. Só não curti muito o plot, mas deu pra aguentar. Era previsível de mais. Aliás, por falar em plot, posso jurar que o irmão dela (esqueci o nome já sorry) sabia. Naquela cena em que a mulher elástica acha o entregador de pizza, a irmã vira pro cara e diz algo como, ela é esperta, descobriu... E no final ele se faz de desentendido... Sei não, muito estranho.
    Mas eu não reclamaria de uma continuação com o Zezé adolescente, a Violeta casada e o Flecha jovem adulto! Meu sonho de princesa
    Dou nota 8,5, 10 só Mulan!

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    1. Poxa, que história bonita. Eu ainda não tenho carro pra levar meu irmão, hahaha.

      Mulan é 10 mesmo, mas já dei a outras animações também. Amo demais o gênero.

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  2. A análise mais aguardada dos Incríveis 2 já está entre nós <3 Obrigada <3 <3

    Mas assim como a pessoa lá em cima, só vou ler quando conseguir assistir o filme. Estou evitando a quebra de surpresas com o Zé Zé em ação.


    PS: nota 7 @___@????

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    1. Hahaha, eu que agradeço!

      Quando assistir, comente sua opinião aqui.

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