Digimon Adventure 02: O Início (2023) - Crítica

Se penso em alguns animes do passado que retornaram ultimamente, aqueles que eram focados para crianças ou adolescentes, chego a nomes como Dragon Ball, Naruto, Super Campeões, Sakura Cardcaptors, obras que marcaram gerações a ponto de ainda se manter relevantes, mesmo após décadas. Todas elas, entretanto, possuem em comum o ponto de terem mantido sua faixa etária, seu espírito. Feitas para crianças ou adolescentes do passado e, mesmo que não sejam remakes, e sim sequências, ignoram o amadurecimento do público anterior e mantêm a mesma natureza, o que pode não fazer tanto sentido se o objetivo é angariar um novo público, não familiarizado com a história original, nem cativar aquele velho espectador, a não ser que este busque somente satisfação nostálgica.

É neste nicho que Digimon merece méritos e se diferencia. A obra, mesmo em seus piores momentos, jamais pode ser criticada por mesmice e comodismo. A maior comparação com o rival, Pokémon, era justamente o teor mais maduro, obscuro e ousado da obra, na contramão da inocência perene do mundo de Ash. Mesmo quando focado em personagens com menos de seus 10 anos, Digimon não se conteve em amadurecer, rotacionar seu elenco e discutir temáticas como abuso, abandono, e, várias vezes, questões psicológicas que ressoam muito num país que tanto a negligencia quanto o Japão. 

É claro que o original angariou mais atenção e público, afinal, iniciou tudo aquilo, e oferecer ao jovem que compartilhava idade com tais personagens, tão carismáticos e marcantes com seus digimons e brasões, a oportunidade de um crescimento análogo, mesmo que não contínuo, quase compensa todos os defeitos do irregular e pretencioso Digimon Tri, qual gosto por muito apego, sem deixar de reconhecer o quão melhor poderia ter sido. Ao menos, tivemos um encerramento, a princípio, de sua jornada no excelente Last Evolution Kizuna. Se não fora a melhor temporada (nem de longe, na verdade), o maior benefício de Digimon 02 está em sua clara conectividade com o Adventure, afinal, seus personagens dividiram tempo de tela, numa sequência cronológica que a série abandonou posteriormente. Vir logo a seguir do maior hit de uma marca lhe garante algum reconhecimento e atemporalidade, e uma espécie de obrigação de presença. Tanto que a negligência com os digiescolhidos de 02 em Digimon Tri foi uma reclamação audível, a ponto de buscarem uma retratação, compensação, num Kizuna próprio, numa história que, segundo o diretor, só poderia ser contada com tal grupo.

É uma associação curiosa, reconhecendo a falta de personalidade e traços conspícuos das crianças de 02 em cotejo com os originais - fora os dois presentes no início, TK e Kari. É uma alegação sem sentido tanto pela falta de um motivo aparente para se imaginar que somente Davis e cia pudessem centralizar uma narrativa específica, quanto pelo caminho que o filme segue em si. Pois O Início é tudo, menos um filme dos digiescolhidos de 02. E nem perde muito tempo tentando ser.

E isto não seria um problema pela discussão e dinâmica do filme em si, não ficasse esse vácuo da presença, ou ausência, do grupo ali, orbitando numa nova narrativa envolvendo um novo personagem - uma figura que, se não carismática, ao menos trágica o suficiente pra chamar atenção e com um desenvolvimento bastante típico das temáticas que o anime sempre buscou trabalhar. Fosse uma história original, teria algum potencial em introduzir um novo personagem, coisa que o Tri falhou e somente distraiu de um enredo principal, assim como frustrou em ignorar o time original. Além disso, é a maior ruptura canônica da franquia em um bom tempo, apresentando basicamente a razão da origem dos Digimons e aposentando os icônicos Digivices - tudo com uma significação considerável, o que é corajoso e reforça o que disse no início do texto, como a franquia não tem medo de evoluir sem se calcar na nostalgia.

O que é bom, sempre instigante, mas também pode ser bastante decepcionante. Enquanto Kizuna conseguiu se validar na própria mitologia e história sem desrespeitar ou esquecer dos digiescolhidos como protagonistas da história e aqueles por quem o público busca, Digimon 02 basicamente assume o quão desinteressantes e fracassos narrativos são seus personagens e abdica de os redimir para focar numa nova figura e seu background.

É cômico perceber como, juntando todo o grupo, nenhum faz alguma falta se comparada com a notória e onipresente ausência de Sora em Kizuna, porém, não deixa de ser um constante estranhamento ao vermos aqueles rostos de fundo, no máximo soltando frases soltas pra marcar presença, mas com quase nenhuma interferência e objetivo na trama. A nostalgia fica a cargo das canções, especialmente na introdução, enquanto mesmo as evoluções, algumas das salvações de 02, são subestimadas e subaproveitadas. Acho brilhante ir na contramão desta era de saudosismo para buscar aprofundar um universo, mas não deixo de me perguntar a razão de usar o nome do 02 para uma história que para nada os necessita. Infelizmente, um desrespeito e que novamente contribui para a má-fama do time. 

Com tantas obras e séries prosaicas e verborrágicas por aí, se estendendo para prolongar uma trama esvaziada em busca de um lucro que somente prejudica seu conteúdo (hein Netflix), assistir a O Início fornece uma sensação de que seria bem-vinda uma versão estendida, equilibrando melhor as novas introduções do filme com os personagens que já conhecemos, mas também para a própria trama, que tanto se enfoca em temáticas pesadas e sociais, mas acelera bastante suas conclusões.

Numa escala entre Tri e Kizuna, Adventure 02 se aproxima mais do primeiro, como um conjunto cheio de ambições e boas ideias, mas sem o tempo e a direção correta para encontrar tal rota. Peca na nossa relação com tais figuras e sua história, não atingindo seu potencial como drama ou aventura. 

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