Godzilla Minus One (2023) - Crítica


Sabe quando você é engolfado por um noção hermética de que tem se contentado com o insuficiente? De que é sim possível fazer algo tão melhor com determinado material e a mera condição de existir algo, a despeito do nível, não deveria bastar. Não à mediocridade, afinal. Só assim evoluímos. Assistir Minus One, 7 anos após o último live-action nipônico de Gojira, quando fomos permeados por exibições da versão Ocidental do monstrão, é como um destes choques. Não que eu não valorize as produções da Legendary, especialmente como elas progrediram, junto com o cinema industrial, para uma autocondescendência espiritual de se permitir os excessos de um longa do tipo. Faço aí o contraste do original, no cume da onda do realismo, escondendo suas criaturas e adotando os tons menos imaginativos possíveis para suas aparições, enquanto as sequências ao menos se permitiram sonhar, culminando no colorido e psicodélico clímax de Godzilla x Kong. Mas assistir Minus One realmente coloca as coisas em perspectiva. 

Homenageando os 70 anos da criatura, o filme de Takashi Yamazaki parece flutuar num equilíbrio entre as ideologias do original de 54 com o último capítulo da saga, o Shin Gojira de Hideaki Anno, de 2016. Situado logo após a 2ª Guerra Mundial, num Japão traumatizado e que busca forças para se reconstruir, como no clássico, mas contando com a desaprovação com um sistema de governo rígido localmente mas totalmente passivo em relação às políticas de doutrinação americanas, deixando o povo desalocado e desprotegido num momento de tanta fragilidade. 

Os japoneses, afinal, sempre viram Gojira como uma metáfora, como uma força sobrenatural simbolizando tantas coisas, mas um lembrete instável e destrutivo do passado. Com tantas raízes religiosas no xintoísmo, é uma nação culturalmente interligada com costumes e com a natureza, e portanto, sem memória curta - e quando essa ameaça acontecer, Gojira ou outras criaturas surgem como reminiscências. 

Takashi deixou claro querer simbolizar, através de seu filme, o luto pela guerra, mas também pelo covid, e por que não um pouco mais? Dentro de Minus One, cada personagem, mesmo compartilhando o espaço-tempo, lida com os próprios medos decorrentes de uma tragédia em comum. É o microcosmo particular. De ser um covarde de guerra a perder toda a família, Godzilla surge então como uma figura Lovecraftiana, atormentando os pensamentos e transformando cada sonho em pesadelo. Incançável e imparável.

Não é coincidência que, mesmo surgindo logo após o fim da guerra, ele já seja conhecido em determinada ilha. Godzilla acaba sendo um espírito da dor do imaginário coletivo, presente em toda geração, cada qual com seus horrores. A intensidade do conflito somente aprimora sua ameaça, engrandece seu tamanho. Resistente e fascinante, o monstro erige do mar (uma metáfora comum para a psique humana) e destrói o que há em frente, provocando a união social através do melodrama, outro gênero tipicamente japonês. 

E nestas exibições de terror e sofrimento, Takashi oferece uma faceta realista que mostra sim ser possível tal abordagem na situação. Godzilla cheira à morte, à destruição. Sua presença é intimidante e através dos personagens conseguimos visualizar o temor de estar perante tal presença, enorme, estranha, furiosa. Como gênero de Kaiju, Minus One é um milagre da criatividade e da engenhosidade, extraindo, com um orçamento tão minúsculo, cenas de perseguição e ataques coordenados e dinâmicos sem exibir, em nenhum momento, qualquer artificialidade. Assim, realmente cremos na obliteração de Tóquio e na força ensurdecedora de Gojira. 

Como se nenhum cotejo com a Legendary pudesse ser ainda mais desvantajosa para a produtora, entretanto, é o drama humano que conduz com louvor a narrativa e torna a aproximação do monstro mais temível, e não somente uma verborragia para vermos o show de efeitos dos kaijus. É uma empatia essencial para embarcar em suas jornadas e amizade. Godzilla como vilão, não anti-herói. Torcer por ele não é uma opção. Ou não deveria. 

Ao fim, Minus One é sobre crença. Crença na dor e no processo de superação; na convergência dos opostos em prol de um objetivo em comum; no poder do indivíduo contra um sistema de indiferença; e até, ou especialmente, no poder do cinema em dar voz, imagem e emoção a isso tudo. Em criar uma maravilha sem malabarismos, e sim apoiados em sentimentos humanos. 

3 comentários:

  1. Filmaço. Espero que voltem com uma era antológica de Godzilla.

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    1. Eles não podem lançar filmes junto com os americanos, né. Por isso foi bem intermitente nessa era da Legendary. Pelo menos estava assim entre 2014-2021. Não sei agora.

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    2. Verdade. Mas se não me engano não podiam lançar ambos no mesmo ano, apenas. E só vale pra filmes, pelo visto, pq tivemos um filme japonês e uma série americana no mesmo ano.

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