Extraordinário (2017) - Crítica


Em 'Linha da Morte", 1990, longa de Joel Schumacher que recebeu um pobre remake neste ano, há uma marcante frase que resume toda a obra: "Tudo que nós fazemos importa", para expor aos protagonistas, atormentados com fantasmas de seu passado, pessoas a quem tiveram um grande impacto negativo, como qualquer ação pode resultar em graves consequências, por mais ínfima e divertida que pareça ao praticante. "Foi brincadeira", é uma justificativa habitual a isto.

Extraordinário fala muito sobre isso, mas na versão "criança". Adaptação do livro de R. J. Palacio, Wonder, no original, começa quando August Pullman (Auggie, em mais um trabalho assombroso do precoce Jacob Tremblay) aos 10 anos, inicia sua jornada acadêmica, após anos sendo tutado pela mãe. Se o primeiro dia de aula é um exercício provatório a qualquer um, ao pequeno rapaz, é um grande martírio, pois devido a uma síndrome congênita, ele adquiriu graves sequelas que o deixaram com uma aparência incomum - deformação, diriam alguns.

E se há algo que, creio, todos nós saibamos, é como a crueldade infantil é oposta ao seu tamanho. Tão infeliz como inerente é o crescente Bully que Auggie recebe de alguns colegas, sob anuência passiva da turma e professores.

Ao contrário do que costumamos ver sobre o tema, entretanto, por mais impiedoso que seja ver um jovem recriminado por algo imutável e qual ele não possui culpa alguma, além, é claro, não ser jamais um defeito, a escolha narrativa de Wonder não é apontar o dedo aos detratores e desenhar um retrato vil do que ocorre nas escolas. A história de Palacio, dirigida aqui por Stephen Chbosky, também um versado escritor, responsável pelo primoroso "As Vantagens de Ser Invisível", é otimista, sorridente e adoravelmente catártica.

Wonder conta com rápida participação da brasileira Sônia Braga.
Pois, se por um lado há muitos que olham com horror para o menino, há também os jovens maduros dispostos a conhecê-lo por trás de seu rosto. E acima de tudo, o apoio familiar. Menos utópico do que o sugerível, entretanto, o filme não comete o equívoco de centralizar todos os problemas no garoto, e Chbosky, juntamente aos roteiristas Steve Conrad e Jack Thorne, abraça a sutileza ao invés da dramatização excessiva, erro comum no gênero. Que a vida de Auggie é complicada, apenas o vislumbre de seu rosto, somado às memórias pessoais de cada um, é o suficiente. E não exclusiva.

Entre os que o tratam com o amor e que o desdenham, há sempre uma história por trás. Assim, os realizadores aumentam a abrangência da história, conferem verossimilhança e simpatia para com todos os pequenos planetas que habitam ao redor de Auggie, o sol. Os sacrifícios de seus pais, vividos com carisma, firmeza e bondade por Julia Roberts e Owen Wilson, aos da novata Izabela Vidovic, excepcional nas camadas de profundidade e introspecção com que trabalha Via, irmã do protagonista.

Há também Jack Will (Noah Jupe), que se torna seu melhor amigo, e uma espécie de nêmesis mirim, Julian (Bryce Gheisar). Todos com seus arredores paradoxais e complexos, que refletem em suas ações e escolhas, com enfoque principal nos pequenos e como o ambiente ao redor os molda. Aí entra a antítese nos comportamentos dos pais de Auggie, que o tratam com amor e respeito, enquanto Julian, ao enfrentar o diretor após um caso de abuso, mostra real arrependimento, horrorizado com o que praticou, enquanto seus arrogantes pais mostram apenas indignação com a punição do filho, alegando ser "coisa de criança". Assim, a conduta das duas crianças encontra reflexo vindo de seus mentores; uns ensinam amor, igualdade e empatia, enquanto outros adotam cinismo, perversidade e mesquinhez.

O preconceito começa na diferença, afinal, mas crianças não enxergam isso sem influência, e isto não é relegado à deformidades físicas, e sim a casos tão banais quanto, como orientação sexual, cor de pele e até regionalismo.

Por tudo isto, Wonder é um filme sobre como não se pode subestimar pequenas coisas, pois elas podem significar o mundo para alguém. O pequeno abraço de boa noite, o interesse em como foi o dia de quem está a seu lado, a generosidade de aceitar o desconhecido e a coragem de ir contra o medo comum ao insólito. É, sobretudo, uma ode à empatia.

Piegas, talvez. Mas na antipatia e egoísmo crescente das relações interpessoais, uma mensagem necessária e que deveria proporcionar reflexão em todos nós, do mais infante imberbe ao mais ranzinza idoso.

E na duvida de como agir, sempre escolha a gentileza.

Nota 8. 

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