Lady Bird (2017) - Crítica


Christine é uma jovem na flor da idade. Tempestuosa, emotiva, rebelde, precipitada, impulsiva, expansiva. Várias características que a fazem uma pessoa aparentemente bipolar; ora irritante, ora afável. Ou seja, a personagem, vivida por Saoirse Ronan, que adotou a si o pseudônimo "Lady Bird", é uma adolescente em fase de transição para o início da vida adulta.

Filme independente que é, Lady Bird seguiu o cânone tradicional para este estilo, já considerado gênero: as escalas em festivais para gerar um burburinho crescente, culminando em uma estreia nacional com nome já conhecido pelo público, além de se permitir adornar sua capa com laureamentos adquiridos destas premiações.

Até por isto, quem teve primeiro contato com a obra foram, via de regra, um grupo diferente ao comum, aquele que enche salas. São os mais dedicados e apaixonados pela sétima arte, críticos e artistas que costumam comparecer nestes eventos de películas menores, onde despontam profissionais e títulos de enorme potencial. São haréns para nerds cinematográficos. É curioso, então, ver uma crítica que tem sido bem comum ao longa, que parecem mais argumento de quem busca parecer superior ao desmerecer algo amplamente elogiado. "História de uma menina mimada, insuportável e ingrata." Foram, resumidamente, os defeitos encontrados por quem balança os ombros em indiferença ao debut solo de Greta Gerwig na direção. Sem contar o cidadão que resolveu negativá-lo no Rotten Tomatoes apenas para não ser a fita com maior aprovação da história do site.

Estas pessoas não poderiam estar mais equivocadas. Tanto quanto o comportamento de Christine, e isto talvez diga mais sobre elas, já que a ficção ao menos pode defender-se com a muleta do propósito narrativo. Assim como outro prestigiado da temporada, Call Me By Your Name, Lady Bird é um coming of age, destes que sempre trazem memórias gostosas de distintas e espaçadas estações; de Clube dos 5 e Fique Comigo, a Jovens, Loucos e Rebeldes, Meninas Malvadas, As Vantagens de Ser Invisível e o recente Quase 18. Mas o que destoa Lady Bird destes a ponto de uma iminente indicação ao mais reconhecido prêmio do cinema? Justamente sua honestidade e delicadeza, algo que Greta certamente trouxe de Frances Ha, qual foi protagonista em 2012, que mesmo pisando em terreno popular, desvencilhou-se de convenções ao encontrar espírito próprio.


Na verdade, é quase uma lástima ver que nem todos enxergam o brilho por trás de LB. Não é condescendência. É a genuína sensação de perda que já senti ao não entender os aplausos a Fury Road, It e Crush. Ao contrário destes, entretanto, Lady Bird me faz imaginar o desgaste emocional e sensitivo da ausência de simpatia e compreensão para o comportamento da personagem de Saoirse Ronan, que sim, por vezes é detestável e toma, com certeza, decisões que nos fazem chacoalhar a cabeça em indignação.

Ou, talvez, estas pessoas apenas sejam sortudas demais. Ou vazias demais, depende. Para nunca terem passado pelo mesmo que nossa protagonista, algo há. Prestes a terminar o Ensino Médio em uma escola católica conservadora, Christine não é exatamente popular, mas não está sozinha. Ela tem sua fiel escudeira, assim como dita o gênero estudantil, de Peter Parker a Via, de Extraordinário. Mas tampouco se sente sozinha ou é discriminada por alguma diferença. O problema que a acomete é mais pessoal, de pequenos acúmulos de palavras importantes não ditas que se tornam, assim, outras tantas que nunca queríamos expressar, mas escapam como substituição.

Chistine possui um pai e irmão, mas é com sua mãe que passamos mais tempo e vemos a vivência mais verdadeiramente familiar; de um instante suave e simples de papo furado, a uma interpretação errada ou uma opinião severa vociferada sem as devidas amarras protocolares que o convívio frequente trazido dissipa, logo temos uma discussão. Famílias são assim, como já mostraram, também, 7 Dias Sem Fim e Álbum de Família. Uma relação amorosa não é, necessariamente, aquela em que há troca de gracejos e elogios a cada 15 minutos, como fazem pensar contos baratos de romance, mas sim àquelas em que não há a urgência de manifestar e afirmar seu amor a cada instantaneamente. O amor se pressente, não se força.

Porém, a separação de décadas impede um contato amistoso entre as duas mulheres, filha e mãe, Marion (interpretada com dor e dureza por Laurie Metcalf, que merece abocanhar nomeação a atriz coadjuvante da Academia) são orgulhosas e não entendem completamente uma a outra. Nisto, o texto foge do típico despertar ao mundo adulto em que o foco é apenas no adolescente, pois Lady Bird dialoga com ambas gerações, quando as lacunas temporais criam fissuras que parecem incorrigíveis, culminando num ponto em que a conexão parece jamais penetrar, por mais que seja pressentido.


Esta é a maior deficiência de Marion e Christine. A matriarca, como bem diz o pai (Tracy Letts, cheio de simpatia), quer ajudar, mas não sabe como. A menina, por isto, se sente negligenciada e até renegada. Cheia de hormônios, tudo nela contrasta com a apatia com que é tratada por quem a pariu. Enquanto a casa é tingida num insosso cor pastel, seu quarto é cheio de personalidade, desarrumado e com paredes cobertas de cartazes. O cabelo é decorado com cores fortes, assim como o vestido que usa em um ponto primordial reverbera a paixão e intensidade que emana do interior.

Esse fulgor e chama que passam por muito reprimidos em Sacramento, capital da Califórnia, de onde ela deseja imensamente fugir, voar - e aí o Lady Bird. Mesmo que haja a previsível crise de identidade, a busca de si mesma e autoconhecimento, a naturalidade e simbolismos trabalhados na narrativa não permitem que a mesmice acometa Lady Bird, um trabalho assombroso para uma estreante.

Sem a utopia básica, também, outro elemento trazido de Frances Ha, em que a resolução de um problema não é imediato e formulaico, pois a sucessão de perturbações é onipresente e crônica. Há credulidade e identificação na epopeia íntima da figura central. Arrependimentos vêm e vão. Por vezes, o conforto está no desejo de algo, e quando o atingimos, descobrimos que não era isso que queríamos. E é apenas ao não termos mais algo, que sentimos sua falta.

Isso me lembra diretamente outra pérola, do cineasta japonês Sion Sono, - Não se esqueça de compartilhar. E não é fácil. Quanto mais após anos sem pronunciar as palavras certas, por mais simplórias que sejam. E isso nos traz a uma questão de "Me Chame Pelo Seu Nome": "É Melhor falar ou morrer?". Já sabemos a resposta: "Eu aconselharia todos meus amigos a falarem e não a morrer. Pois um discurso ruim não pode ser corrigido, mas uma vida perdida não pode ser lembrada."

Nota 8.

Um comentário:

  1. muito bom! várias frases aqui que expressam a verdade que vejo no filme e na vida.

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