Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021) - Crítica


Atenção: esse texto contém spoilers leves. 

Se pegar as duas tendências que definem o cinema desta geração, são o revisionismo e a nostalgia. E não raramente, elas se unem ao escolher um material, de franquia ou gênero, para revisitar e readaptar nos moldes ideológicos da sociedade contemporânea. Nem a mais inofensiva e pura das figuras é impune a isso, como nos comprova esse terceiro capítulo do Teioso do MCU, Sem Volta para Casa, todo construído, desde o marketing, ao redor da figura do saudosismo. Filtrando, você encontra projetos muito positivos no que tange a estas escolhas. Um dos favoritos ao Oscar, Ataque dos Cães é um novo olhar no faroeste. Toy Story 4 é nostálgico e inovador ao mesmo tempo. 

Homem-Aranha, porém, é um longa da Marvel, da máquina Hollywoodiana, e como tal, um grande cálculo infértil do algoritmo de manipular emoções, tal qual vemos, por exemplo, em Jurassic World, Animais Fantásticos e nos Capítulos VII e IX de Star Wars: fórmulas arcaicas e conservadoras de se conquistar pelo apego emocional barato, sem a ousadia de devidamente oferecer algo novo que valide a revisão, mesmo que se aposte, naturalmente, em elementos emotivos. Quando Rian Johnson tentou isso no Capítulo VIII de Star Wars, a divisão de público não foi aceita pela indústria e pela Disney, que almejam a esterilização. 

É tudo uma grande Sociedade do Espetáculo, voltando ao conceito de Guy Debord, expansível na grande mídia, aí naturalmente a do entretenimento. Uma comunidade alienada e em êxtase pela estereotipização, ou verticalização da experiência. O erro não está no fanservice, mas no fanservice aplainado para nada fora o choque - sempre esperado - da aparição. Talvez, em futuros estudos, este Homem-Aranha seja o exemplo seminal do marketing estrutural perfeito para o esquema, já que todo seu conceito foi elaborado, porém eficientemente camuflado para esconder o óbvio. Logo, a própria fuga dos spoilers é um movimento planejado para se preservar a experiência já poluída. É como ver um filme de terror e ir atrás da adrenalina sob controle, mas jamais perseguir o perigo real. 

É muito engraçado quando, ao final da projeção, a segunda cena pos-créditos do filme revela um teaser "surpresa" do vindouro filme do Doutor Estranho (o Multiverso da Loucura) dirigido por Sam Raimi, o idealizador da primeira trilogia do Homem-Aranha, e por si só um patriarca do gênero na grande tela. Ele próprio já em conflito com as rédeas curtas da Marvel, assim como esteve com a Sony no que levou ao instável e fatídico Homem-Aranha 3, findando o que deveria ser uma série mais longeva. É um teaser de um longa em pós-produção, e por si só não-finalizado, mas mesmo que diluídas nas ordens do estúdio, com traços da personalidade visual forte de seu diretor, algo que já empolga pela estética, até fora do conteúdo do universo interligado que gera interesse pelo mais insignificante dos personagens. 

Podemos usar de exemplo os inacabados teiosos de Marc Webb, românticos e tolos, e por isso precocemente desencontrados na progressiva anamorfização do blockbuster por uma Marvel incipiente. Com as três personificações da figura do Homem-Aranha, agora por completo posse moral da Marvel de Kevin Feige (esse seu único e real criador), o herói serve de material de proveta para essa mutação (ou involução) do tema dentro da sétima arte. Mesmo quem não é MCU, almeja ser, vide o Venom de Tom Hardy, que sempre flerta com o nonsense e o absurdo, para logo em seguida ser recolocado no realismo insosso e débil e não perder o caminho a ponto de ser inutilizável dentro daquele universo tão lucrativo. Não existe mais franquia isolada, e a mera existência do primeiro filme de 2002, leva ao conhecimento de sua existência neste de 2021. Tudo leva à Marvel de Feige, um soft power cinematográfico. 

Em uma cena do longa "Você é o Próximo", de Adam Wingard, um personagem comenta como o ápice do audiovisual contemporâneo, para ele, está nos comerciais. São rápidos, diretos e sensacionalistas o suficiente. Todas as sensações aglutinadas em alguns poucos segundos ou, se muito, minutos. Wingard errou na profetização do tempo, afinal, os blockbusters parecem cada vez mais acordados para se aproximar mais das 3 do que das 2 horas. Porém, o pacote dentro desse tempo não deixa de ser um grande comercial. Ou parque de diversões, como cunhou Scorsese. Revendo o clássico Homem-Aranha 2 de Sam Raimi, há alguns dias, é mágico notar como o filme não nega a própria origem. Há uma inocência quase burlesca nele, em piadas que envolvem pizza e um armário de vassouras. Nem por isso, deixa de ser um filme sério, e ele jamais teme a própria intensidade. Ele acredita na própria fábula, e cada enquadramento de Raimi evidencia o espetacular que é a existência daquele ser, ou seres, em tela. É um longa que perdura no tempo, mas talvez soe monótono para quem cresceu já dentro do circuito Marvel. Não que Jon Watts tenha algum cacoete conspícuo para a estilização de seu filme. Mesmo que o tivesse, dificilmente conseguiria imprimi-lo, afinal, o MCU é uma obra coletiva, não individual, de realismo incolor. De humanismo plástico. Mas ainda que se atenha a ilustrar o texto, este é o filme desta trilogia do Aranha que mais flerta com a introspecção. Momentos de emoção, não espetacularização. É uma fuga que ele se permite após quase 9 horas em presença destes personagens (e muito mais que isso, se considerar Os Vingadores), mas que tão habitualmente, pouco se estabelecem. É a piada que tem de interromper a tristeza. O golpe que afugenta a depressão. Ou o choro que bloqueia o silêncio. Mesmo nos sentimentos mais soturnos, os ruídos não deixam a imagem sobrepor a distração sonora. Como se qualquer segundo sem algum estímulo, pudesse enfastiar e perder o público. 

Sem Volta para Casa talvez seja o ápice do Projeto Marvel. Mais de um ano angariando expectativa e movimentando teorias. O que menos importa é o filme. É algo tão multimídia quanto o multiverso. Mas ainda é um filme por essência, e como tal, que subestima a Arte como Mero aparato de choque e imediatismo. O ator da infância que surge em tela. Aquele vilão da outra vez. Não interessa muito o papel disto como um todo, mas a mera existência. É o cinema como mercantilismo.

2 comentários:

  1. Texto pesado. A estreia desse filme me fez pensar o que de fato é o cinema, a mágica de nos enganar e trazer sensação ou o registro de bons usos dos elementos técnicos? Os filmes mercadológicos do MCU sempre nos farão pensar nisso. O homem aranha 2, aterior a este, me causou muitas sensações enquanto eu assistia no cinema, nos gritos do público, mas ao fim da sessão e pensando nele, tudo derreteu. Acho que essa também será a sensação ao final de Homem-Aranha 3

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  2. Pra mim, os melhores filmes são os que perduram e crescem após a sessão. Não só aquele deslumbramento temporário e efêmero dentro do cinema.

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