Não Olhe para Cima (2021) - Crítica

No cinema sensacionalista de Adam McKay, há pouco espaço para sutilezas. Desde seus tempos de "O Âncora", até passar a comentar da política americana, o cineasta mestrou o uso da sátira nos nossos meios de influência, seja no governo ou nas instituições de mídia e tecnologia. Retratando a elite como egocêntrica, estúpida e cínica, porém, McKay, por lidar com operações menores, sempre conviveu com o especulativo e ideológico refreando sua compulsão zombeteira. O sucesso de sua produção para a HBO, Succession, que retrata uma família moralmente falida, mas financeiramente ostensiva, líder de um conglomerado norte-americano e de convivência pouco usual, parece ter sido o gatilho necessário para que o diretor, aliando o conceito ao período temporal contemporâneo, encontrasse o contexto perfeito para encaixar seu estilo extravagante. 

Podemos dizer que, enquanto o retratado em "O Grande Golpe" expôs e previu um comportamento humano em uma condição-limite, porém menos emergencial, e "Vice" brincou sobre a vida cotidiana de uma figura pública, "Não Olhe Para Cima", apesar de não perder o escopo do presente, se encaminha mais como um escracho futuro, uma consequência do que convivemos agora, ou um atestado documental. Na simbiose de tudo, está a farsa do diretor, algo que torna necessário se lidar com o contexto palpável do mundo, não somente dos Estados Unidos. Ao contrário dos outros dois filmes, que ao retratar eventos passados até almejava espelhar com o presente/futuro, Não Olhe para Cima é essencialmente sobre uma condenação. O próprio tom do diretor, afinal, se encaminha para uma indiferença e isolamento por desistência ao invés da integração global. O desespero em frente às câmeras por indignação e incredulidade é substituído ao final resignado na mesa de jantar com entes queridos, símbolo máximo da tradição familiar como ruptura do coletivo para manter a sanidade na própria bolha.

Nisto, McKay consegue evitar o quase inevitável ímã moralista que é seu filme, mesmo que por vezes o discurso dos personagens possa ser lido objetivamente como um sermão, mas apresentados de maneira histriônica para, não exatamente perder a seriedade do que é dito, mas como expressão da interpretação que temos atualmente ao lidar com temáticas similares. Sim, pois apesar de focar suas críticas no negacionismo e revisionismo que marcam o crescimento da extrema-direita em âmbito global hoje, reforçando sua postura superlativa, debochada e escandalizadora, não deixa de haver um cutucão das atitudes frequentemente hipócritas e inférteis da esquerda na retórica e perda de terreno, algo visível na própria mutação do personagem do Doutor Mindy, de DiCaprio, ao lidar com a fama, advinda sobretudo de sua aparência e contenção perante às câmeras, assim como na figura de Ariana Grande, a débil e alienada artista milionária que luta por certas causas sem muita precisão sobre.

Mas mesmo que a forma com que o cometa é gerido globalmente seja uma metáfora das alterações climáticas, os maiores acertos do filme são no que ele reflete provir esse comportamento, não somente ao lidar com catástrofes. Nisto, tanto ao retratar apresentadores de televisão, políticos ou cidadãos comuns, McKay foca na cultura das redes sociais de alienação, dessensibilidade e ignorância, em que tudo vira memes, deboches e hate. A constatação da perspicácia de McKay é perfeitamente refletida no Brasil de Bolsonaro durante a pandemia, em que o ignóbil passou todo o período, e o segue fazendo, desvalorizando a ciência e desacreditando a seriedade da questão, levando milhões de asseclas acéfalos consigo, ao passo que a comunidade científica é vista com desdém, talvez tendo como representante mais sonoro Átila, que logo em seu início comentou sobre a possibilidade de atingirmos até 1 milhão de mortos no pior cenário, assim como a pandemia, no melhor deles, ir até 2022. 

Mas novamente, McKay usa a literalidade educacional e moralista do texto não como ferramentas corretivas, a lá Disney, mas sim de ironia, aí consagrando a própria assinatura de cortes rápidos e muito zoom para evidenciar o ridículo das situações exibidas em tela, assim como a falsidade ou nervosismo dos personagens, mesclando o humor mais inocente de O Âncora com a própria verborragia desaforada de seus longas políticos. Há um contraste dentro da projeção no próprio desenvolvimento do Doutor Mindy, que inicia o filme ansioso e inseguro, vítima aí da própria montagem e direção de McKay, cujo método se altera conforme o cientista "perde" sua alma para o capitalismo, até a redenção final, na mesa de jantar, um momento delicado e silencioso, aí já de constatação da derrota para nós mesmos. 

E aí voltamos ao primeiro parágrafo, do porquê Don't Look Up, no original, é o projeto perfeito para as habilidades e predileções de seu realizador, cujas narrativas hoje transcendem a ficção e se combinam a um mundo que deixou de ser zombaria para entrar na realidade. Mais do que nunca, McKay se torna um documentarista falso do absurdo. Por esta óptica, Não Olhe para Cima pode não ser a melhor (apesar de excelente), mas é a obra definitiva dessa geração. O que isso significa? O tempo dará seu peso. 

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